Texto de um Mahatma Mostra as Bases
Filosóficas da Próxima Religião Universal
Carlos Cardoso Aveline

1. O Presente e o Futuro
Livre de imitações, a filosofia
teosófica original nos permite ter uma percepção correta das próximas etapas da
evolução humana. E isso possui uma importância decisiva, porque a percepção de
futuro determina as ações do presente.
Temos
ao nosso alcance os instrumentos necessários para construir uma visão saudável
de futuro. É de causar estranheza que não tenham sido feitos esforços mais
intensos nas últimas décadas para pesquisar e esclarecer melhor o tema
da religião não-dogmática e não-clerical que já começa a nascer na nova
cultura global.
Sabemos,
desde já, que ela será a religião-filosofia, a religião da ética. Ela
superará o culto e a adoração cegos, seja de um deus pessoal, seja da mera
tecnologia materialista, hoje apresentada ao público leigo como “ciência”. Mas
há seguramente muito por descobrir e por realizar nesta linha de trabalho.
É
oportuno estudar o que a literatura teosófica autêntica afirma sobre o tema da consciência
planetária que está a surgir. O mundo lusófono como um todo deve dar sua
contribuição ao processo de surgimento de uma civilização global saudável. As chaves
desta transição parecem estar com a sabedoria esotérica. É ela - ao contrário
das ciências e filosofias exotéricas - que nos capacita para compreender o
atual momento humano do ponto de vista do seu potencial positivo. O tema é
prioritário para a Loja Independente de Teosofistas.
O material
a seguir investiga a relação viva entre dois termos de uma equação. De um lado,
o movimento esotérico autêntico e o círculo mais amplo formado por todos os indivíduos
de boa vontade. De outro lado, a tarefa: o processo prático de transição, individual
e coletiva, para as próximas etapas da evolução humana.
2. As Bases Filosóficas de uma Religião
Universal
Helena
Blavatsky foi discípula avançada de certos raja-iogues dos Himalaias. Em 1875, ela
criou o movimento teosófico moderno, cuja primeira meta é a ideia e a lei da
fraternidade universal. A história registra que, nos primeiros anos do
movimento teosófico, mais precisamente em 1881, um dos raja-iogues ou Mestres
de Sabedoria que orientavam o trabalho teosófico decidiu buscar conselhos, e
consultou o seu próprio instrutor.
O Mestre
dos Mestres foi então ouvido. O tema era a natureza, a meta e o rumo do
movimento que estava sendo iniciado.
O
simples fato de que tal consulta foi feita mostra que todos os seres aprendem e
se desenvolvem; inclusive aqueles que já superaram a roda do renascimento e
alcançaram o adeptado - a proficiência em ciência esotérica. É uma fantasia,
pois, pensar em um Mestre de Sabedoria supersticiosamente, como se ele fosse
todo-poderoso ou como se sua ação tivesse um alcance instantâneo e ilimitado.
Só a pseudoteosofia transforma Mestres em objetos de adoração pessoal, o que
vem resultando na manipulação das mentes de milhares de estudantes de boa
vontade.
O
instrutor que foi consultado é chamado pelos Mestres simplesmente de Chohan.
A palavra “Chohan” significa “Senhor”. Mais tarde, este mesmo Sábio passou a
ser frequentemente referido como “Maha-Chohan”. Um dos instrutores de H. P.
Blavatsky qualificou-o em certa ocasião como “a rocha das idades”. Em outro momento,
referiu-se ao Chohan como “aquele para quem o futuro é como uma página
aberta”.[1]
O
que ocorreu em 1881?
Depois
da consulta com o Chohan, o Mestre fez um relato da conversa. Este texto é a
mais autorizada descrição da Missão que deveria ser cumprida pelo movimento
teosófico e esotérico autêntico, não só nas décadas, mas também nos séculos seguintes.
Ele contém uma profecia extraordinária, e positiva, sobre o progresso cultural
e histórico da nossa humanidade. Ao contrário de tantas “profecias” que se
limitam a anunciar grandes desastres, o texto aponta o rumo da transição
vitoriosa dos seres humanos (não sem sacrifícios) para uma nova era de paz e de
fraternidade planetária.
O
texto é uma das primeiras cartas recebidas diretamente dos grandes seres que
guiam sutilmente a humanidade, trabalhando em níveis superiores de consciência
e estimulando as pessoas de boa vontade.
Cabe
registrar que o trabalho dos Mestres através de H.P.Blavatsky foi realizado de
modo especialmente direto e incisivo devido ao fato de que esta discípula tinha
uma alta iniciação e possuía outras características cármicas adequadas para as
necessidades daquele momento. HPB nasceu e viveu em um momento decisivo. Sua
missão preparou o momento culminante da transição para a era de Aquário,
ocorrida nove anos depois da sua morte, em 1900. Através da vida e da obra de
HPB, os Mestres terminaram de plantar as bases da consciência de uma nova era
de liberdade e de fraternidade universal, que ainda levaria, necessariamente,
mais de um século para florescer.
O
plantio desta era de consciência planetária vem de muito antes, e alcançou um
ponto alto durante a segunda metade do século 18, graças ao Iluminismo europeu
e americano.
Pensadores
como Immanuel Kant, na Alemanha; Voltaire, Rousseau, Diderot, d’Holbach e
outros na França; Benjamin Franklin, Thomas Paine e outros nos Estados Unidos, abriram
amplamente as portas para a transição de era. As revoluções norte-americana e
francesa, e a modernização inglesa, produziram as transformações sociais e
institucionais necessárias para a primeira etapa da transição.
Um
século depois do Iluminismo, a Carta do Grande Mestre define em 1881 o dharma
ou missão maior do movimento esotérico moderno. Uma das metas do
movimento - que ainda está por ser alcançada − é dar elementos para que se
produza uma mudança de consciência capaz de superar definitivamente os dogmas
religiosos medievais. Isso deve ser feito de modo que o pensamento humano fique
livre para a percepção serena da sabedoria universal. É necessário neste
contexto que surja uma nova ética planetária. A humanidade deve ser capaz de
viver outra vez em harmonia com a Lei da Fraternidade Universal.
Ao
ler a Carta do Grande Mestre, há um detalhe histórico a ser observado. É
preciso ter claro o fato de que, onde o texto menciona “Sociedade Teosófica”,
deve-se ler “Movimento Teosófico”. O motivo disso é que a Sociedade
Teosófica original já não existe mais. O movimento tem hoje grande diversidade.
A sua fragmentação organizativa começou nos anos 1890, quando Annie Besant deu
os primeiros passos no sentido de fazer com que a Sociedade de Adyar
abandonasse os ensinamentos originais e passasse a promover práticas
ritualísticas.
Entre
outros motivos, a Carta do Grande Mestre tem especial importância porque
nela encontramos elementos centrais de informação sobre a religião do futuro.
Ela dá os contornos gerais de uma religiosidade que deve surgir mais claramente
durante o século 21. Havia, porém, uma dúvida a respeito do conteúdo exato da
carta, em uma passagem das mais decisivas. O texto transcrito por C.
Jinarajadasa no volume “Cartas dos Mestres de Sabedoria” (Ed. Teosófica) diz o
seguinte:
“A Sociedade Teosófica foi escolhida
como a pedra fundamental, o alicerce das religiões futuras da humanidade.” [2]
A
passagem inspira alguns questionamentos. Existirão, no futuro, muitas religiões
competindo entre si? Ou haverá uma única religião global, ainda que não-autoritária?
O
original da Carta do Chohan desapareceu, e há mais de uma cópia dele. Nos
primeiros anos do movimento, cópias das Cartas dos Mahatmas circulavam
privadamente entre os estudantes. A Sociedade Teosófica de Pasadena publicou a
versão do texto que está no Museu Britânico. Nesta versão, o documento menciona
a religião futura, no singular:
“A Sociedade Teosófica foi escolhida
como a pedra fundamental, o alicerce da religião futura da humanidade.” [3]
Neste
caso o mestre teria afirmado que a religião do futuro será uma só -
naturalmente não-burocratizada e incluindo a necessária diversidade
cultural.
Com
o objetivo de verificar e comprovar diretamente os fatos, os editores
dos nossos websites associados tomaram providências para obter uma cópia
autêntica da mais autorizada versão da Carta do Chohan que existe no mundo. Esta
é, sem dúvida, a cópia feita a caneta pelo próprio Alfred Sinnett, o homem que
a recebeu do Mestre. Esta versão da carta está no setor de Manuscritos Raros da
Biblioteca Britânica (British Library), em Londres, e seu número de
identificação é 45289A. Em
maio de 2009, foi obtida junto à Biblioteca Britânica uma cópia autenticada
completa do manuscrito 45289A
- a Carta do Chohan ou Grande Mestre.
O
exame direto da carta confirma o fato de que a frase correta é:
“A Sociedade Teosófica foi escolhida
como a pedra fundamental, o alicerce da religião futura da humanidade.”
Esta
comprovação é importante por vários motivos. Um deles é que ainda hoje a maior
parte das publicações teosóficas internacionais - inclusive as que estão voltadas
para a teosofia original - continuam a divulgar a frase equivocada, falando de
“religiões”, no plural, tal como na versão de C. Jinarajadasa.
É
importante observar também que, na última frase da carta, há uma referência à “verdadeira filosofia, a verdadeira religião”,
no singular.
A
religião do futuro é a religião-filosofia, a religião-sabedoria.
Ela
é uma, mas não é autoritária, e portanto inclui o princípio da diversidade
cultural. Ela tem como base a percepção direta e a vivência da fraternidade
universal que une todos os seres. Internamente una, ela pode ser vista como
externamente múltipla.
A
ideia de pluralidade cultural e religiosa é essencial para a visão teosófica de
futuro, e isto está bem documentado. A Carta do Grande Mestre tem um
complemento importante na Carta de 1900 (Carta 46 da primeira série de
“Cartas dos Mestres de Sabedoria”). A Carta de 1900 é a última mensagem
recebida de um Mestre, e é datada do ano em que começou a era de Aquário.
Reforçando
a Carta do Grande Mestre, mas destacando a abertura à pluralidade ao
mencionar “as futuras religiões da humanidade”, a Carta de 1900 afirma:
“A
S.T. foi concebida para ser a pedra angular das futuras religiões da
humanidade. Para realizar este objetivo, aqueles que a lideram devem deixar de
lado suas frágeis predileções pelas formas e cerimônias de qualquer credo
particular....”[4]
Em
português, pedra angular é sinônimo de pedra fundamental. Em
inglês, a expressão é a mesma nas duas cartas: “corner-stone”.
Aqui
estão, lado a lado, a unidade e a pluralidade da religião do futuro. A pedra
angular, a fonte e o alicerce da religiosidade futura devem ser dados pela
filosofia do movimento teosófico original.
O
texto completo da carta de 1900 não é conhecido por todos. Ele contém duras
advertências em relação aos erros da Sociedade de Adyar. Em poucos parágrafos,
a carta antecipa quase todos os erros que a Sociedade de Adyar iria cometer ao
longo do século 20 e que ainda comete na primeira parte do século 21.
Entre
eles estão:
1)
O abandono dos ensinamentos originais;
2)
O culto à personalidade dos dirigentes;
3)
O endeusamento dos Mestres;
4)
A criação de um “papado esotérico”;
5)
A adoção de rituais e cerimônias desta ou daquela religião.
As
advertências não foram ouvidas. Ponto por ponto, Annie Besant fez quase
exatamente o oposto do que foi recomendado pelo Mestre. Provavelmente por este
motivo, Besant também tomou a providência prática de ocultar a carta. O
documento só foi publicado 19 anos depois, e mesmo assim despojado de algumas das
suas frases e palavras de maior importância. Mais tarde, o texto integral da
Carta de 1900 foi finalmente resgatado e publicado por setores independentes do
movimento. Isso ocorreu já durante a década de 1980.
Hoje,
ele pode ser lido em português em nossos websites associados. [5]
É
verdade que Besant tirou a Sociedade de Adyar do rumo original, mas ela não arruinou
o movimento como um todo. Dentro da Sociedade de Adyar, há ainda hoje alguns estudantes
que percebem o que é joio e o que é trigo, e optam pela verdade. Além disso,
setores significativos do movimento teosófico - organizados em diferentes
países e continentes - permaneceram desde o início leais à filosofia esotérica
e ao ensinamento autênticos. Estes setores detêm algumas chaves filosóficas de
grande utilidade para a atual transição mundial. A
teosofia original esclarece o processo cíclico das civilizações, dando-nos
clareza e tranquilidade ao olhar o futuro. Ela mostra que estamos a caminho de
uma civilização eticamente correta e carmicamente sustentável. Ela desperta o
princípio da sabedoria eterna e da inteligência universal na mente daquele que
a estuda com atenção e perseverança.
Transcrevemos
a seguir (logo depois das notas bibliográficas) a íntegra da profética “Carta
do Grande Mestre”, com a devida correção na frase sobre a religião do
futuro.
Veja-se
a força extraordinária que este documento histórico possui, e que estimula em
cada leitor não só o necessário espírito crítico em relação às ilusões do
momento atual, mas também uma calma confiança no futuro da nossa humanidade, a
curto, médio e longo prazo.
3. A Íntegra da Carta do Grande
Mestre
[Carta 01, primeira série, “Cartas dos
Mestres de
Sabedoria”, Ed. Teosófica, Brasília,
1996 - com uma correção.]
A doutrina que promulgamos, por
ser a única verdadeira, deve, apoiada em provas como as que estamos por
oferecer, triunfar, afinal, como qualquer outra verdade. Contudo, é
absolutamente necessário incuti-la gradualmente, colocando em prática suas
teorias, fatos inquestionáveis para aqueles que sabem, com inferências diretas
deduzidas das - e corroboradas pelas - evidências fornecidas pelas modernas
Ciências Exatas. Esta é a razão pela qual o Coronel H.S.O., que trabalha apenas
para reviver o Budismo, pode ser visto como alguém que se esforça na verdadeira
senda da teosofia, muito mais do que qualquer outra pessoa que escolha como
meta a gratificação de suas próprias e ardentes aspirações ao conhecimento
oculto. Despojado de suas superstições, o Budismo é verdade eterna, e aquele
que se esforça por encontrar esta última está buscando a Theo-Sophia, Sabedoria Divina, que é um sinônimo da verdade.
Para
que nossas doutrinas ajam de forma prática sobre o assim chamado código moral,
ou as ideias de retidão, pureza, autoesquecimento, caridade, etc., temos de
popularizar o conhecimento da Teosofia. O que caracteriza o verdadeiro
teosofista não é o objetivo individual e determinado de obter para si mesmo o
Nirvana (culminação de todo conhecimento e sabedoria absoluta) - o que, afinal,
é apenas um sublime e glorioso egoísmo -
mas a dedicação à busca com autossacrifício do melhor meio para levar nosso
próximo ao caminho correto, beneficiando o maior número possível de nossos
semelhantes.
Os
setores intelectualizados da humanidade parecem estar-se dividindo rapidamente
em dois grupos. Um prepara-se inconscientemente para longos períodos de
aniquilação temporária, ou estados de não-consciência, devido ao abandono
deliberado de seu intelecto, e aprisionamento nas estreitas trilhas do
fanatismo religioso e da superstição, processo que inevitavelmente conduz à
total deformação do princípio intelectual; o outro entrega-se desenfreadamente
a seus impulsos animais, com a intenção deliberada de submeter-se à aniquilação pura e simples em caso de fracasso, e a
milênios de degradação após a dissolução física. Essas “classes intelectuais”,
agindo sobre as massas ignorantes que elas atraem, e que as veem como nobres e
dignos exemplos a seguir, rebaixam e degradam moralmente aqueles que deveriam
proteger e orientar. Entre a superstição degradante e o ainda mais degradante e
brutal materialismo, a pomba branca da verdade dificilmente encontra um lugar
onde possa descansar seus pés desprezados e exaustos.
Já
é tempo de a teosofia entrar em cena; os filhos dos teosofistas serão mais
provavelmente teosofistas, em seu tempo, do que qualquer outra coisa. Nenhum
mensageiro da verdade, nenhum profeta jamais conquistou, durante seu tempo de
vida, um completo triunfo, nem mesmo Buda. A Sociedade Teosófica foi escolhida
como a pedra fundamental, o alicerce da religião futura da humanidade. Para
alcançar o objetivo proposto, foi determinado que houvesse uma convivência
maior, mais sábia, e especialmente mais benevolente, do superior com o
inferior, do Alfa e do Ômega da sociedade. A raça branca deve ser a primeira a
estender a mão da fraternidade aos povos de cor escura e a chamar de irmão o
pobre “negro” desprezado. Esta perspectiva pode não agradar a todos, mas não é
teosofista aquele que se opõe a este princípio.
Em
vista do sempre crescente triunfo e, ao mesmo tempo, mau uso do
livre-pensamento e da liberdade (o
reino universal de Satã, como o chamaria Eliphas Levi), como poderia o instinto
combativo natural do homem ser impedido de infligir crueldades e atrocidades,
tirania, injustiça, etc., até hoje inimagináveis, se não através da tranquilizadora
influência de uma fraternidade e da aplicação prática das doutrinas esotéricas
de Buda?
Pois,
como todos sabem, a libertação total da autoridade do poder único ou lei que a
tudo impregna, chamada de Deus pelos padres - Buda, Sabedoria Divina e
iluminação ou Teosofia pelos filósofos de todas as épocas - significa também a
emancipação, no mesmo sentido, da lei humana.
As
doutrinas fundamentais de todas as religiões se comprovarão idênticas em seu
significado esotérico, uma vez que sejam desagrilhoadas e libertadas do peso
morto representado pelas interpretações dogmáticas, dos nomes pessoais, das
concepções antropomórficas e dos sacerdotes assalariados. Osíris, Krishna, Buda
e Cristo serão apresentados como nomes diferentes de uma mesma estrada real
para a bem-aventurança final, o Nirvana.
O
Cristianismo místico, isto é, aquele Cristianismo que ensina a autolibertação
através do nosso próprio sétimo princípio - o Para-Atma (Augoeides) libertado, chamado por alguns de Cristo, por
outros, de Buda, e equivalente à regeneração ou renascimento em espírito - será
visto como exatamente a mesma verdade do Nirvana do Budismo. Todos nós temos de
nos livrar de nosso próprio Ego, o ser ilusório e aparente, a fim de reconhecer
nosso verdadeiro ser em uma vida divina transcendental. Mas, se não formos
egoístas, devemos esforçar-nos e fazer com que outras pessoas vejam essa
verdade, e reconheçam a realidade desse ser transcendental, o Buda, Cristo ou
Deus de cada pregador. Esta é a razão por que mesmo o Budismo exotérico é o
caminho mais seguro para conduzir os homens em direção à única verdade
esotérica.
Do
modo como se encontra o mundo agora, seja cristão, muçulmano ou pagão, a
justiça é desconsiderada, enquanto a honra e a piedade são atiradas ao vento.
Numa palavra, vendo que os objetivos principais da S.T. são mal interpretados
por aqueles mais interessados em nos ajudar pessoalmente, como iremos lidar com
o restante da humanidade, em meio à maldição conhecida como “luta pela vida”,
que é a real e mais prolífica causa da maioria das desgraças e tristezas e de
todos os crimes? Por que esta luta teve que tornar-se o esquema quase universal
do universo? Nós respondemos: porque nenhuma religião, com exceção do Budismo,
ensinou até agora um desapego prático por essa vida mundana, enquanto cada uma
delas - sempre com aquela única e solitária exceção - através de seus infernos
e danações, inculcou o maior pavor em relação à morte. Por isso nós
encontramos, de fato, esta luta pela vida imperando mais violentamente nos
países cristãos, prevalecendo especialmente na Europa e na América. Ela é mais
fraca nas terras pagãs e praticamente desconhecida entre as populações
budistas. (Na China, durante um período de fome, onde as massas são mais
ignorantes em relação a sua própria religião ou a qualquer outra, foi notável o
fato de que aquelas mães que devoraram seus filhos pertencessem às localidades
onde se encontrava a maior quantidade de missionários cristãos; onde não havia
nenhum deles e apenas os bonzos possuíam a terra, a população morria com o
máximo de indiferença). Ensine-se ao povo a ver que a vida nesta Terra, mesmo a
mais feliz, é apenas um fardo e uma ilusão, que apenas o nosso próprio karma, a causa que produz um efeito, é nosso próprio juiz, - nosso
salvador em vidas futuras - e a grande luta pela vida em breve perderá sua
intensidade. Não há penitenciárias nas terras budistas, e o crime é
praticamente desconhecido entre os budistas no Tibete. (O que foi dito acima
não é dirigido a você, ou seja, A.P.S., e nada tem a ver com o trabalho da
Sociedade Eclética de Simla. Pretende apenas dar uma resposta à impressão
equivocada do Sr. Hume a respeito do “trabalho do Ceilão” como não sendo
Teosofia).
O
mundo em geral, e especialmente a cristandade, abandonado por dois mil anos ao
regime de um Deus pessoal, bem como a seus sistemas políticos e sociais
baseados nessa ideia, provou agora ser um fracasso. Se os teosofistas dizem:
“Nada temos com tudo isso; as classes mais baixas e as raças inferiores
(aquelas da Índia, por exemplo, na concepção dos britânicos) não são motivo de
preocupação para nós e devem arranjar-se como podem” - o que acontece com
nossas belas declarações sobre benevolência, filantropia, reforma etc.? Serão
tais declarações falsas? E se forem falsas, poderá a nossa senda ser a
verdadeira? Não deveríamos nos dedicar a ensinar a alguns poucos europeus, que
vivem na abundância - muitos deles carregados com as dádivas de uma fortuna
imerecida - a explicação racional dos fenômenos de campainhas soando no ar, da
materialização de xícaras, do telefone espiritual e da formação do corpo
astral, e deixar os numerosos milhões de ignorantes, de pobres e desprezados,
humildes e oprimidos, tomar conta de si mesmos e de sua vida futura da melhor
forma que puderem? Nunca! Antes pereça a S.T., com os seus dois infelizes
fundadores, do que permitirmos que ela se transforme em mera academia de magia,
um centro de ocultismo. Que nós, os devotados seguidores daquele espírito
encarnado do absoluto autossacrifício, da filantropia, da divina benevolência,
assim como de todas as mais elevadas virtudes que se pode alcançar nesta terra
de tristeza - o homem dos homens, Gautama Buda - permitíssemos, em algum
momento, à S.T. representar a corporificação
do egoísmo, o refúgio dos poucos que jamais pensam nos muitos, é uma
estranha ideia, meus irmãos.
Entre
os poucos vislumbres obtidos pelos europeus acerca do Tibete e de sua
hierarquia mística de “Lamas perfeitos”, há um que foi corretamente
compreendido e descrito. “A encarnação do Bodhisattva, Padma
Pani, ou Avalokitesvara e Tsong-ka-pa e
a de Amitabha, que renunciavam, na
sua morte, à obtenção do Budado - ou seja, o summum bonum da bem-aventurança e da felicidade pessoal individual
- de forma a nascerem mais e mais vezes em benefício da humanidade”. (R.D.) Em
outras palavras, que deveriam ser submetidos reiteradamente à miséria, ao
aprisionamento da carne e a todas as tristezas da vida, para que, através deste
autossacrifício, repetido através de longos e monótonos séculos, pudessem
tornar-se os meios de assegurar a salvação e a bem-aventurança futura para um
punhado de homens escolhidos entre uma das muitas raças da humanidade. E é de
nós, os humildes discípulos destes Lamas perfeitos, que se espera aprovação
para que a S.T. abandone seu nobre título de Fraternidade da humanidade e
torne-se uma simples escola de Psicologia. Não, não, bons irmãos, vocês já
estão equivocados há demasiado tempo. Vamos entender-nos bem. Aquele que não se
sente competente o bastante para compreender suficientemente a nobre ideia,
para trabalhar por ela, não necessita assumir uma tarefa que é muito pesada
para ele. Mas dificilmente haverá um teosofista em toda a Sociedade, que não
possa auxiliá-la eficientemente através da correção das impressões errôneas dos
de fora, quando não ajudar realmente através da propagação dessa ideia. Ah, o
homem nobre e altruísta que nos auxiliar efetivamente,
na Índia, nesta divina tarefa! Todo nosso conhecimento, passado e presente, não
seria suficiente para recompensá-lo.
Tendo
explicado nossos pontos de vista e aspirações, tenho apenas mais umas poucas
palavras a acrescentar. Para serem verdadeiras, a religião e a filosofia têm de
oferecer a solução de todos os problemas. Que o mundo esteja moralmente em tão
má condição é uma evidência conclusiva de que nenhuma de suas religiões e
filosofias, aquelas das raças civilizadas
menos do que qualquer outra, jamais possuíram a verdade. As explanações corretas e lógicas sobre os problemas dos
grandes princípios duais - certo e errado, bem e mal, liberdade e despotismo,
dor e prazer, egoísmo e altruísmo - são tão impossíveis para elas agora como
eram há 1881 anos atrás. Elas estão tão longe da solução quanto sempre
estiveram; mas deve haver, em algum lugar, uma solução consistente para estes
problemas e, se nossas doutrinas provarem sua competência em oferecê-la, então
o mundo será o primeiro a confessar que esta deve ser a verdadeira filosofia, a
verdadeira religião, a verdadeira luz, a qual dá a verdade e nada mais que a
verdade.
(Final
da Carta)
NOTAS:
[1] Sobre a alusão ao “futuro como uma página aberta”, veja “Cartas
dos Mestres de Sabedoria”, editadas por C. Jinarajadasa, Editora Teosófica,
Brasília, 1996, p. 57. Sobre a alusão a “rocha das idades” ou “rocha das eras”,
veja “Cartas dos Mahatmas Para A.P. Sinnett”, Ed. Teosófica, Brasília, primeiro
parágrafo da Carta 18, volume I, p. 112.
[2] Carta 01, primeira série, em “Cartas dos Mestres de Sabedoria”, obra
citada, p. 18.
[3] “View of the Chohan on the T.S.”, texto incluído no
volume “Combined Chronology - For use
with ‘The Mahatma Letters to A.P. Sinnett’ and ‘The Letters of H.P.B. To A.P. Sinnett’
”, by Margaret Conger, T.U.P., Pasadena, California, 1973, 48 pp., ver
especialmente a p. 44.
[4] “Cartas dos Mestres de Sabedoria”, obra citada, pp. 106-107.
[5] Leia em nossos websites associados “A Carta de 1900, na Íntegra”.
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Em setembro de
2016, depois de cuidadosa análise da situação do movimento esotérico internacional,
um grupo de estudantes decidiu formar a Loja Independente de Teosofistas,
que tem como uma das suas prioridades a construção
de um futuro melhor nas diversas dimensões da vida.
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