23 de março de 2012

A Psicologia da Ação Teosófica


Compaixão, Cautela e Paciência
Fazem Parte da Arte de Viver Corretamente

John Garrigues

Na roda da vida, a felicidade deve surgir de dentro para fora  



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Nota Editorial:

O texto a seguir foi publicado pela primeira vez na
revista “Theosophy”, de Los Angeles, na edição de março
de 1928, pp. 211-213, e apareceu sem indicação de autor.
Uma análise do seu conteúdo e estilo indica que foi escrito
por John Garrigues. Título original: “Stumbling Stones”.
Como citação de abertura, Garrigues selecionou um trecho
de “A Voz do Silêncio” em que é mencionada a virtude Shila.
Esta palavra sânscrita significa “harmonia em palavras e ações”. 

(CCA)

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“O medo, ó Discípulo, destrói a vontade e
paralisa toda ação.  Se houver uma falta da
virtude Shila - o peregrino tropeça e pedras
cármicas ferem seus pés ao longo do caminho rochoso.”

 (“A Voz do Silêncio”, H.P. Blavatsky, Fragmento III)



O verdadeiro estudante de Teosofia é aquele que finalmente compreendeu que há um caminho de ação a seguir, e decidiu avançar por ele.

Todos tomam - de vez em quando - a decisão de levar sua vida mais a sério e de viver melhor. A pessoa resolve que irá fazer alguma coisa ou abandonará algo. Normalmente a decisão é pela renúncia. Imediatamente, todos os seus velhos hábitos, tendências e desejos, conhecidos e desconhecidos, parecem surgir para opor-se à decisão. Na verdade não é isso que ocorre; mas parece assim.

O que realmente acontece é que o indivíduo adotou uma atitude diferente da natureza que ele adquiriu ou acumulou até o momento, e a sua natureza antiga tem que ser desalojada. Isso não é fácil, e em geral o aspirante à sabedoria desiste da luta em pouco tempo, porque não entende a sua própria natureza e não tem uma base firme sobre a qual possa desenvolver a sua guerra interna.

Mas a decisão do estudante de teosofia é uma coisa diferente. Ela é na verdade a realização de um voto solene, o voto de obediência à sua natureza superior, que ele sabe que existe e é imortal.  

A decisão do estudante de Teosofia é a evocação da Vontade. Não se trata daquilo que estamos acostumados de chamar vontade, mas da vontade espiritual. Esta é a força do eu superior, a Consciência Una que ele reconhece como o verdadeiro Eu em todos os seres, e do qual está determinado a tornar-se um instrumento consciente.

Esta decisão evoca ao mesmo tempo Compaixão, Cautela e Paciência. Compaixão, porque ele vê e sabe que todos os seres fazem parte do Ser, sejam ou não conscientes disso; que todos estão igualmente aprendendo as lições da vida, e, como ele, cometem erros e necessitam ajuda. Cautela, porque ele compreende que interferir fortemente na ação consciente de outrem não é ajudar o outro, mas atrapalhá-lo, e sabe que ele tem direitos completos apenas sobre a sua própria conduta e não sobre a de outros. Paciência, porque embora ele veja o caminho a ser percorrido, em seguida percebe que para percorrê-lo é necessário reconstruir completamente a natureza adquirida com a qual ele vem evoluindo há eras incontáveis.

O corpo, a mente, o coração e o cérebro - tudo o que ele adquiriu e tudo aquilo com o que ele se acostumou a identificar-se -, deve ser transformado em um mero instrumento, em uma ferramenta das suas ações.

Colocar esta percepção em prática em toda a nossa natureza envolve mais fatores do que se pode pensar à primeira vista. A tarefa exige eliminar completamente qualquer autoidentificação com esta ou aquela forma de agir. O que surge em seu lugar é uma firme e completa autoidentificação com o todo da consciência, seja nossa ou do outro, sem levar em conta a forma externa que a consciência assume. Trata-se de renunciar ao sentido de posse sob qualquer forma, deixando que nasça em seu lugar uma percepção da Presença do Ser em todas as formas.

Tendo chegado a este ponto, o passo seguinte envolve a compreensão de que a real mudança está na atitude a ser adotada diante da Vida em suas diversas ramificações.

As relações do indivíduo com o seu próprio corpo, seus próprios desejos, sua própria mente, seu próprio ambiente, físico, metafísico e espiritual, diferem apenas em grau, mas não em substância, das suas relações com outros corpos, outras mentes e outras circunstâncias. Todas estas são formas usadas pelo Ser, que é idêntico nos outros todos e em si mesmo.

As virtudes dos outros são suas virtudes, na medida em que ele sente a harmonia entre elas e a verdadeira natureza do Ser. Os erros dos outros são seus mestres, na medida em que ele percebe a desarmonia entre eles e a verdadeira natureza do Ser. 

Ele percebe que as suas próprias virtudes seriam apenas defeitos, se fossem vistas como propriedade sua, ou dessem lugar a uma impressão de que ele é superior e está livre de fraquezas. Os seus próprios erros se tornam degraus na escada, à medida que ele os vê como obstáculos e defeitos que limitam e impedem o seu trabalho altruísta pelos outros.

Os nossos defeitos, hábitos, qualidades e desejos - sejam eles bons, maus, ou indiferentes - não são mudados através da inação. O Caminho é sempre o caminho da ação. Mas quando se percebe que é a atitude da Alma diante do ambiente ao seu redor que determina e sustenta esse ambiente - seja ele qual for -, e quando a verdadeira atitude é compreendida, então a luta passa a ser travada com a meta de manter a atitude verdadeira em todas as circunstâncias e em cada uma delas. Neste contexto as ações se tornam exercícios no sentido em que Patañjali usa o termo. [1]

A alma está sempre no centro do ambiente. Portanto, o seu trabalho é em todos os casos uma expressão, ou seja, uma ação que surge de dentro para fora. Esta atividade inclui sempre criação, preservação e destruição, isto é, re-criação. E estes três fatores não ocorrem separadamente, mas ao mesmo tempo.

A percepção da atitude verdadeira a ser mantida é o próprio ato criativo realizado pela Alma aqui na mente e no corpo que ocupamos atualmente. A luta para manter esta atitude de modo inalterável, no meio das alterações mentais e corporais, é o ato de preservação realizado pela Alma. A reforma gradual de toda a natureza adquirida ocorre a partir da atitude assumida diante da vida e constitui o ato de “destruição” realizado pela Alma. Esse ato acontece através da regeneração que coloca a natureza do ser a serviço da essência do ser. 

Estamos sempre em transformação. Estamos constantemente criando, preservando e destruindo, e assim nos tornamos melhores ou piores.

Mas o caminho do aprendiz é diferente dos caminhos indicados acima. O caminho do aprendiz consiste no processo gradual de libertação da Alma em relação ao corpo. A palavra “corpo”, aqui, significa toda a natureza com a qual até este momento o aprendiz se identificou. Tal libertação ocorre através da gradual autoidentificação do aprendiz com o Ser em toda a natureza. A natureza não deixa de existir neste processo. O que cessa é a identificação. A Alma é então libertada e toda a Natureza se torna seu instrumento.

A emancipação da Alma é o efeito de causas colocadas em movimento, assim como a escravidão da Alma é também um efeito de causas que um dia foram colocadas em ação. 

A Alma que vive em ignorância cria um falso ambiente e está presa através da autoidentificação com aquilo que ela própria cria. Finalmente, a Alma percebe que ela mesma é o Criador e passa a desidentificar-se das suas criações. Isso é alcançado através da identificação da Alma com o Ser. No processo, o ambiente é mudado e a Alma passa a viver fundamentalmente no espírito e não na matéria. 

NOTA:

[1] “Exercício”. No livro I, Aforismos 12 a 14, de “Aforismos de Ioga, de Patañjali”, versão de William Q. Judge, podemos ler: “12. A inibição das modificações da mente (.....) deve ser obtida por meio de exercício e de desapego. 13. O exercício é um esforço ininterrupto, ou repetido, para que a mente permaneça em estado imóvel. (.....) 14.  Esse exercício é uma posição firme mantida em função do objetivo que se tem em vista, e na qual se persevera durante um longo tempo sem intervalo.” A obra “Aforismos de Ioga, de Patañjali”, está publicada na íntegra em nossos websites associados. (CCA)   

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O  texto acima foi publicado pela primeira vez na língua portuguesa em março de 2012. O artigo pode ser encontrado em inglês em nossos websites associados sob o título de “The Psychology of Wisdom”.

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