Compaixão, Cautela e Paciência
Fazem Parte da Arte de Viver Corretamente
John Garrigues
Na roda da vida, a
felicidade deve surgir de dentro para fora
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Nota Editorial:
O texto a seguir foi publicado pela primeira vez na
revista “Theosophy”,
de Los Angeles, na edição de março
de 1928, pp. 211-213, e apareceu sem indicação de
autor.
Uma análise do seu conteúdo e estilo indica que foi
escrito
por John Garrigues. Título original: “Stumbling
Stones”.
Como citação de abertura, Garrigues selecionou um
trecho
de “A Voz do Silêncio”
em que é mencionada a virtude Shila.
Esta palavra sânscrita significa “harmonia em palavras
e ações”.
(CCA)
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“O
medo, ó Discípulo, destrói a vontade e
paralisa
toda ação. Se houver uma falta da
virtude
Shila - o peregrino tropeça e pedras
cármicas
ferem seus pés ao longo do caminho rochoso.”
(“A
Voz do Silêncio”, H.P. Blavatsky, Fragmento III)
O verdadeiro estudante de Teosofia é aquele que finalmente
compreendeu que há um caminho de ação a seguir, e decidiu avançar por ele.
Todos tomam - de vez em
quando - a decisão de levar sua vida mais a sério e de viver melhor. A pessoa
resolve que irá fazer alguma coisa ou abandonará algo. Normalmente a decisão é
pela renúncia. Imediatamente, todos os seus velhos hábitos, tendências e
desejos, conhecidos e desconhecidos, parecem surgir para opor-se à decisão. Na
verdade não é isso que ocorre; mas parece assim.
O que realmente acontece é que o indivíduo adotou uma atitude
diferente da natureza que ele adquiriu ou acumulou até o momento, e a sua natureza
antiga tem que ser desalojada. Isso não é fácil, e em geral o aspirante à sabedoria
desiste da luta em pouco tempo, porque não entende a sua própria natureza e não
tem uma base firme sobre a qual possa desenvolver a sua guerra interna.
Mas a decisão do estudante de teosofia é uma coisa diferente. Ela
é na verdade a realização de um voto solene, o voto de obediência à sua
natureza superior, que ele sabe que existe e é imortal.
A decisão do estudante de Teosofia é a evocação da Vontade. Não se
trata daquilo que estamos acostumados de chamar vontade, mas da vontade
espiritual. Esta é a força do eu superior, a Consciência Una que ele reconhece
como o verdadeiro Eu em todos os seres, e do qual está determinado a tornar-se
um instrumento consciente.
Esta decisão evoca ao mesmo tempo Compaixão, Cautela e Paciência. Compaixão,
porque ele vê e sabe que todos os seres fazem parte do Ser, sejam ou não
conscientes disso; que todos estão igualmente aprendendo as lições da vida, e,
como ele, cometem erros e necessitam ajuda. Cautela, porque ele
compreende que interferir fortemente na ação consciente de outrem não é ajudar
o outro, mas atrapalhá-lo, e sabe que ele tem direitos completos apenas sobre a
sua própria conduta e não sobre a de outros. Paciência, porque embora
ele veja o caminho a ser percorrido, em seguida percebe que para percorrê-lo é
necessário reconstruir completamente a natureza adquirida com a qual ele vem
evoluindo há eras incontáveis.
O corpo, a mente, o coração e o cérebro - tudo o que ele adquiriu
e tudo aquilo com o que ele se acostumou a identificar-se -, deve ser transformado
em um mero instrumento, em uma ferramenta das suas ações.
Colocar esta percepção em prática em toda a nossa natureza envolve
mais fatores do que se pode pensar à primeira vista. A tarefa exige eliminar
completamente qualquer autoidentificação com esta ou aquela forma de agir. O
que surge em seu lugar é uma firme e completa autoidentificação com o todo da
consciência, seja nossa ou do outro, sem levar em conta a forma externa que a
consciência assume. Trata-se de renunciar ao sentido de posse sob qualquer
forma, deixando que nasça em seu lugar uma percepção da Presença do Ser em
todas as formas.
Tendo chegado a este ponto, o passo seguinte envolve a compreensão
de que a real mudança está na atitude a ser adotada diante da Vida em suas diversas
ramificações.
As relações do indivíduo com o seu próprio corpo, seus próprios
desejos, sua própria mente, seu próprio ambiente, físico, metafísico e
espiritual, diferem apenas em grau, mas não em substância, das suas relações
com outros corpos, outras mentes e outras circunstâncias. Todas estas são
formas usadas pelo Ser, que é idêntico nos outros todos e em si mesmo.
As virtudes dos outros são suas virtudes, na medida em que ele sente
a harmonia entre elas e a verdadeira natureza do Ser. Os erros dos outros são
seus mestres, na medida em que ele percebe a desarmonia entre eles e a
verdadeira natureza do Ser.
Ele percebe que as suas próprias virtudes seriam apenas defeitos, se
fossem vistas como propriedade sua, ou dessem lugar a uma impressão de que ele é
superior e está livre de fraquezas. Os seus próprios erros se tornam degraus na
escada, à medida que ele os vê como obstáculos e defeitos que limitam e impedem
o seu trabalho altruísta pelos outros.
Os nossos defeitos, hábitos, qualidades e desejos - sejam eles bons,
maus, ou indiferentes - não são mudados através da inação. O Caminho é sempre o
caminho da ação. Mas quando se percebe que é a atitude da Alma diante do ambiente ao seu redor que determina e
sustenta esse ambiente - seja
ele qual for -, e quando a verdadeira atitude é compreendida, então a luta
passa a ser travada com a meta de manter a atitude verdadeira em todas as
circunstâncias e em cada uma delas. Neste contexto as ações se tornam exercícios no sentido em que Patañjali
usa o termo. [1]
A alma está sempre no centro do ambiente. Portanto, o seu trabalho
é em todos os casos uma expressão, ou seja, uma ação que surge de dentro
para fora. Esta atividade inclui sempre criação, preservação e destruição, isto
é, re-criação. E estes três fatores não ocorrem separadamente, mas ao mesmo
tempo.
A percepção da atitude verdadeira a ser mantida é o próprio ato criativo
realizado pela Alma aqui na mente e no corpo que ocupamos atualmente. A luta
para manter esta atitude de modo inalterável, no meio das alterações mentais e
corporais, é o ato de preservação realizado pela Alma. A reforma gradual
de toda a natureza adquirida ocorre a partir da atitude assumida diante da vida
e constitui o ato de “destruição” realizado pela Alma. Esse ato acontece
através da regeneração que coloca a natureza do ser a serviço da essência do
ser.
Estamos sempre em transformação. Estamos constantemente criando,
preservando e destruindo, e assim nos tornamos melhores ou piores.
Mas o caminho do aprendiz é diferente dos caminhos indicados
acima. O caminho do aprendiz consiste no processo gradual de libertação da Alma
em relação ao corpo. A palavra “corpo”, aqui, significa toda a natureza com a
qual até este momento o aprendiz se identificou. Tal libertação ocorre através
da gradual autoidentificação do aprendiz com o Ser em toda a natureza. A
natureza não deixa de existir neste processo. O que cessa é a identificação. A
Alma é então libertada e toda a Natureza se torna seu instrumento.
A emancipação da Alma é o efeito de causas colocadas em movimento,
assim como a escravidão da Alma é também um efeito de causas que um dia foram
colocadas em ação.
A Alma que vive em ignorância cria um falso ambiente e está presa
através da autoidentificação com aquilo que ela própria cria. Finalmente, a
Alma percebe que ela mesma é o Criador e passa a desidentificar-se das suas
criações. Isso é alcançado através da identificação da Alma com o Ser. No
processo, o ambiente é mudado e a Alma passa a viver fundamentalmente no
espírito e não na matéria.
NOTA:
[1]
“Exercício”. No livro I, Aforismos 12 a 14, de “Aforismos de Ioga, de
Patañjali”, versão de William Q. Judge, podemos ler: “12. A inibição das modificações da mente (.....) deve ser obtida
por meio de exercício e de desapego. 13.
O exercício é um esforço ininterrupto, ou repetido, para que a mente permaneça
em estado imóvel. (.....) 14. Esse exercício é uma posição firme mantida em
função do objetivo que se tem em vista, e na qual se persevera durante um longo
tempo sem intervalo.” A obra “Aforismos
de Ioga, de Patañjali”, está publicada na íntegra em nossos websites
associados. (CCA)
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O texto acima foi publicado pela primeira vez
na língua portuguesa em março de 2012. O artigo pode ser encontrado em inglês em
nossos websites associados sob o título de “The Psychology of Wisdom”.
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