O Eu Superior Produz
Uma
Satisfação Interna
e Essencial Diante da Vida
Carlos Cardoso Aveline
Carlos Cardoso Aveline
A filosofia esotérica faz uma
afirmação aparentemente contraditória. Ela ensina que o caminho para a
felicidade é, na verdade, o caminho da renúncia às satisfações de curto prazo.
Qual é a explicação deste paradoxo?
Por estranho que pareça, a fonte de sofrimento está
no eu inferior. É dali que vem tudo que é incômodo. Quem renunciar ao eu
inferior renuncia à fonte de sofrimento. Quando faz isso, ainda que de modo
imperfeito, o indivíduo passa a utilizar o eu inferior como instrumento prático
para alcançar a felicidade nos planos da realidade em que a felicidade
realmente existe, isto é, nos planos superiores da consciência. Quando um
estudante de filosofia observa o funcionamento deste processo em sua própria
vida, ele consegue compreender melhor por que H. P. Blavatsky escreveu o
seguinte em “A Chave para a Teosofia”:
“Todo verdadeiro teosofista tem a obrigação moral
de sacrificar o que é pessoal para o que é impessoal, e seu próprio bem atual
para o futuro benefício de outras pessoas.”[1]
Para ilustrar este ponto, vale a pena ler outro trecho
da mesma obra, que foi escrita em forma de perguntas e respostas entre um
curioso questionador e um teosofista experiente.
Diz o diálogo, depois de ficar claro que o caminho
da sabedoria não é cômodo:
“P: Sua posição não
me parece muito invejável.”
“R: E não é. Mas você
não acha que tem de haver algo muito nobre, muito exaltado e muito verdadeiro
por trás da Sociedade e de sua filosofia, quando os líderes e fundadores do
movimento ainda continuam a trabalhar por ele com todas as forças? Sacrificam a
ele todo conforto, toda prosperidade e sucesso mundanos, mesmo seu bom nome e
reputação - e até a sua honra - recebendo em troca uma incessante maledicência,
contínua perseguição e incansável calúnia, constante ingratidão e má
compreensão de seus melhores esforços, golpes e bofetadas de todos os lados -
quando simplesmente abandonando seu trabalho eles se livrariam imediatamente de
toda responsabilidade e se escudariam de todo ataque posterior.”
“P: Confesso que tal
perseverança me parece estarrecedora, e me pergunto o porquê de terem feito
tudo isso”.
“R: Acredite-me que não por gratificação pessoal; apenas na esperança de treinar alguns indivíduos para conduzir o nosso trabalho pela humanidade, conforme o programa original, quando seus fundadores estiverem mortos e se forem. Eles já encontraram algumas almas nobres e devotadas para substituí-los. As gerações futuras, graças a esses poucos, encontrarão o caminho que conduz à paz um pouco menos espinhoso, e a estrada um pouco mais larga, e então todo esse sofrimento terá produzido bons resultados, e seu autossacrifício não terá sido em vão. No presente, o principal e fundamental objetivo da Sociedade é lançar sementes nos corações dos homens, que a seu tempo poderão germinar, e sob circunstâncias mais propícias conduzir a uma reforma mais saudável, que ofereça às massas maior felicidade do que até agora usufruíram.”[2]
Este é o desafio que está diante dos estudantes do
século 21. E é necessário que cada um se aproxime do ideal em seu próprio
ritmo. Devemos contemplar com calma o mistério da relação diretamente
proporcional entre o total autossacrifício e a completa felicidade interior.
A combinação entre estes dois fatores ocorre quando
se está em um Caminho autêntico. Mas seu processo não pode ser forçado.
A vida de H.P.B. é um claro exemplo de como a
felicidade interna é causada pelo sacrifício externo. E há os exemplos de
Alessandro Cagliostro, de Giordano Bruno, de William Judge, de Robert Crosbie e
muitos outros, incluindo milhares de trabalhadores anônimos pelo bem da humanidade.
Pitágoras, Platão, Epicteto, Cícero, Marco Aurélio, e Lúcio Sêneca são alguns
poucos exemplos, na tradição da filosofia ocidental.
A vida do aprendiz é de certo modo a jornada do
herói. O sexto princípio da consciência, buddhi, tem uma forte dimensão
emocional, porque graças a ele ocorre a renúncia. Quando a alma mortal decide
seguir seu mestre interno, o eu superior, ela faz a trajetória heroica do
caminho das provações. Então o eu inferior abre mão da vida para si mesmo e
coloca sua breve existência a serviço da lei universal. Assim, ele renasce em
planos mais elevados de consciência.
NOTAS:
[1] “The Key to
Theosophy”, H. P. Blavatsky, Theosophy Co., Índia, p. 280.
[2] “A Chave Para a
Teosofia”, de H. P. Blavatsky, Editora Teosófica, Brasília, pp. 222-223.
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Uma versão inicial do texto acima
foi publicada de modo anônimo na edição de julho de 2009 de “O Teosofista”.
Sobre o mistério do despertar individual para a sabedoria
do universo, leia a edição luso-brasileira de “Luz no Caminho”, de M. C.
Com tradução, prólogo e notas de Carlos Cardoso Aveline, a
obra tem sete capítulos, 85 páginas, e foi publicada em 2014 por “The Aquarian Theosophist”.
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