22 de outubro de 2025

O Brasileiro é o Homem Cordial

 
Como a Teosofia Vê a Bem
Conhecida Tese de Ribeiro Couto 
 
Carlos Cardoso Aveline




Grande parte da obra clássica “Raízes do Brasil”, de Sérgio Buarque de Holanda, gira em torno da complexa e polêmica ideia de que o brasileiro é um “homem cordial”.

Apesar de ter-se aparentemente perdido ao longo do tempo num emaranhado de interpretações contraditórias, a ideia de que o brasileiro é um ser humano cordial faz sentido teosoficamente, e tem relação com um futuro mais ou menos distante. Refere-se a civilizações que ainda estão por surgir: “o Brasil é um país do futuro”.

A ideia do “homem cordial” é intuitiva e não resultou de alguma investigação sociológica ou histórica. Rui Ribeiro Couto, pisciano nascido em 12 de março de 1898, tampouco se deu ao trabalho de defendê-la através de alguma argumentação detalhada. Apenas a colocou de modo sumário em dois parágrafos - hoje famosos - de uma carta pessoal de 1931.

Os websites da Loja Independente de Teosofistas contêm vasto material sobre a contribuição da teosofia na construção da humanidade fraterna que haverá no futuro. Também já foi reunida uma massa de evidências sobre como o Brasil caminha nesta direção. [1]

No presente texto, vamos examinar apenas os dois parágrafos sucintos em que Ribeiro Couto formula o conceito de Homem Cordial, em carta para um amigo seu de nacionalidade mexicana. Faremos isso sumariamente, em poucas palavras, visando estabelecer somente um par de ideias fundamentais a respeito.

Diz Ribeiro Couto:

“O verdadeiro americanismo repele a ideia de um indianismo, de um purismo étnico local, de um primitivismo, mas chama a contribuição das raças primitivas ao homem ibérico; de modo que o homem ibérico puro é um erro (classicismo) tão grande como o primitivismo puro (incultura, desconhecimento da marcha do espírito humano em outras idades e outros continentes). É da fusão do homem ibérico com a terra nova e as raças primitivas que deve sair o ‘sentido americano’ (latino), a raça nova, produto de uma cultura e de uma intuição virgem - o Homem Cordial. Nossa América, a meu ver, está dando ao mundo isto: o Homem Cordial. O egoísmo europeu, batido de perseguições religiosas e de catástrofes econômicas, tocado pela intolerância e pela fome, atravessou os mares e fundou ali, no leito das mulheres primitivas, e em toda a vastidão generosa daquela terra, a Família dos Homens Cordiais, esses que se distinguem do resto da humanidade por duas características essencialmente americanas: o espírito hospitaleiro e a tendência à credulidade. Numa palavra, o Homem Cordial. Atitude oposta do europeu: a suspicácia e o egoísmo do lar fechado a quem passa. (Como é bom, nos pueblos e aldeiolas da nossa América, no seu México como no meu Brasil, mandar entrar o caixeiro-viajante francês que vende peças de linho, ou o engenheiro alemão que está estudando a geologia local, e convidá-lo para almoçar! A gente grita logo lá para dentro: - Ó fulana, manda matar uma galinha!)…”

“O fato, porém, é que se não somos latinos, nós, oriundos da aventura peninsular celtibérica em terras americanas (alimentada pelas redes nupciais de índias bravias e pela sensualidade dócil de negras fáceis), se não somos latinos, somos qualquer coisa de muito diferente pelo espírito e pelo senso da vida cotidiana. Somos povos que gostam de conversar, de fumar parados, de ouvir viola, de cantar modinhas, de amar com pudor, de convidar o estrangeiro a entrar para tomar café, de exclamar para o luar em noites claras, à janela: - Mas que luar magnífico! Essa atitude de disponibilidade sentimental é toda nossa, é ibero-americana… Observável nos nadas, nas pequeninas insignificâncias da vida de todos os dias, ela toma vulto aos olhos do crítico, pois são índices dessa Civilização Cordial que eu considero a contribuição da América Latina ao mundo.”[2]

Até aqui Ribeiro Couto.

Esta visão inicial do tema é bastante vaga. Com a passagem do tempo e graças aos debates que suscitou, parece ter ficado também confusa. Felizmente, é possível esclarecer a ideia usando a chave teosófica dos diferentes patamares ou princípios da consciência.

A experiência humana ocorre em diversos níveis de ação e percepção. Alguns deles são celestes e divinos, mas outros são terrestres ou animais.  

A promiscuidade sexual, por exemplo, gera apenas dor e desencontro, e dela mais adiante surgem o ódio, a frustração e a violência. Este é um fato decisivo que Rui Ribeiro Couto esqueceu de mencionar. A miscigenação entre os povos não é o mesmo que promiscuidade sexual: bem pelo contrário.

O espírito de união e fraternidade entre nações diferentes não significa imoralidade, mas expressa ao invés disso uma moralidade superior, e só pode fluir corretamente na presença do verdadeiro amor, que é profundo e durável, porque flui harmoniosamente unido com a alma imortal.

O exagero da sensualidade, como podemos ver por exemplo no processo dos carnavais brasileiros, acaba unindo-se ao crime, às drogas, à corrupção, à violência e ao alcoolismo - ou seja, ao contrário da Cordialidade Essencial do povo brasileiro.   

É preciso entender o amor entre as pessoas e os povos como ele é. Trata-se de um processo fundamentalmente espiritual, sagrado e ético. De outro modo, predomina a infelicidade e surgem o ódio, o medo e o desespero. Faltou apenas esta constatação básica à improvisada afirmativa de Ribeiro Couto. 

O brasileiro já é o homem cordial, agora mesmo, quando tem autoconhecimento, quando age com a modéstia natural do povo,  quando avança com cautela como faz todo cidadão sensato, quando age corretamente e detesta as diferentes formas de exagero cego e descontrole.

Segundo a teosofia, o povo brasileiro e as outras nações das Américas vivem hoje os primeiros passos de uma longa construção das civilizações sábias e fraternas do futuro. Neste sentido, definir o brasileiro como o Homem Cordial é dizer que o brasileiro é essencialmente teosófico: é o ser humano da fraternidade universal.

Mas não há fraternidade sem sabedoria, equilíbrio e discernimento. A busca da sabedoria começa com o autorrespeito, o autoconhecimento, a moderação, a pureza nos pensamentos e sentimentos, a honestidade em tudo o que se faz, e a profundidade e a responsabilidade no amor.

Este realismo sóbrio é indispensável na construção do futuro. Não se pode esquecer desta referência básica.

NOTAS:

[1] Veja em um dos nossos websites a seção temática “Brasil e Portugal: a Ética na Construção do Amanhã”.

[2] “Raízes do Brasil”, livro de Sérgio Buarque de Holanda, edição comemorativa de 70 anos da primeira edição, Companhia das Letras, 448 páginas, 2006, ver pp. 397-398.

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O artigo acima está disponível nos websites da Loja Independente de Teosofistas desde 22 de outubro de 2025.  Uma versão inicial e mais curta dele foi publicada na edição de junho de 2025 de “O Teosofista”.

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Leia mais:







* Examine nos websites da LIT a seção temática sobre Cristianismo e Teosofia.

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Helena Blavatsky (foto) escreveu estas palavras: “Antes de desejar, faça por merecer”. 

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