E a Sua Importância Decisiva Para o Ser Humano
Carlos Cardoso Aveline
Árvores. A mera presença delas
desperta uma paz e um sossego na alma humana. Esse é um segredo que explica por
que - desde os tempos mais remotos - em todos os cantos do mundo, os sábios e
místicos têm usado florestas como locais
de refúgio e de inspiração.
Há uma
relação natural e instintiva entre a árvore e o homem. Até os seus modos de
respirar se completam. Aquele que medita pode aprender com as árvores uma sábia
e serena imobilidade. Na antiga Índia, conta a lenda que Gautama Buda alcançou
a iluminação ao pé de uma grande árvore chamada Bodhi, símbolo da sabedoria
universal. Sentou-se ali em um entardecer, foi saudado amorosamente pelos seres
da floresta, e travou sua batalha final. No momento da aurora, venceu definitivamente a ilusão e a ignorância.
É
difícil imaginar seres tão benéficos quanto as árvores. Elas embelezam a paisagem, dão sombra,
madeira, frutas, e são o refúgio e abrigo de pássaros e outras espécies de
animais. Comunicam o subsolo com a atmosfera e purificam o ar. Atraem nuvens, regulam as chuvas, estabilizam
o clima e garantem a umidade do solo. Combatem a erosão e evitam o excesso de
ventos.
Mas,
além das suas funções vitais e práticas, a árvore tem uma forte natureza
mágica. Ela é universalmente considerada um símbolo do relacionamento entre céu
e terra. Com sua estrutura vertical - o tronco - a árvore estabelece um eixo
simbólico de ligação entre o mundo físico e o mundo divino. Por outro lado, seus galhos, ramos, folhas e
frutos reúnem toda uma comunidade de aves, insetos, répteis e pequenos
mamíferos, o que é um símbolo da infinita diversidade da vida.
Naturalmente,
o Paraíso da tradição judaico-cristã é um bosque. Ali, segundo Gênesis, II,
“Deus fez crescer do solo toda
espécie de árvores formosas e boas de comer”. Porém, há duas árvores que se destacam
nesse local sagrado. Uma delas é a árvore da sabedoria, que dá o conhecimento
do bem e do mal. A outra é a árvore da vida, que simboliza a imortalidade.
Estas duas árvores não são inteiramente exclusivas da
Bíblia: em seu tratado sobre história das religiões, Mircea Eliade destaca que
os antigos babilônios também situavam duas árvores na entrada leste do Céu. Uma
era a árvore da vida, e a outra a da verdade.
No Bhagavad Gita hindu (Cap. XV), o
Universo é uma árvore invertida que tem suas raízes no céu e suas folhas e
frutos na Terra. Seu nome é Asvartha,
e sua imagem simboliza a manifestação concreta da vida cósmica. A mesma árvore com raízes no céu e frutos na
terra aparece sob o nome de Yggdrasil
no folclore dos países do Norte da Europa.
Do
ponto de vista microcósmico, essa árvore mitológica representa cada alma
humana, cujas origens e raízes estão na eternidade, mas cujas folhas e frutos
são as atividades práticas do mundo concreto.
Mas,
macrocosmicamente, esta árvore simboliza o universo material como um todo, que
surge periodicamente do mistério e do mundo oculto para florescer em uma vida
física e espiritual infinitamente variada.
Cada
ser humano, como cada árvore, é uma miniatura e um resumo do universo. Esse é
um dos motivos pelos quais temos tanto a ganhar convivendo com as árvores. A
experiência de comunhão com elas faz parte de uma comunhão maior com toda a
natureza e liberta a alma humana de seu sofrimento. John Muir, o grande
pioneiro da preservação ambiental, deu seu testemunho a respeito.
Certo
dia, no final do século 19, John estava decepcionado com alguns seres humanos. Para recuperar a consciência
da sua unidade interior com todas as formas de vida, ele foi nadar sozinho em
um grande lago, em região desabitada. Mais tarde, contou: “Foi o melhor batismo
de água que jamais experimentei.” Ao sair do lago, ele olhou para o norte
e viu as montanhas. Observou como as curvas suaves do vale desciam até
mergulhar nas águas do lago. Então
decidiu: “Agora terei outro batismo.
Vou mergulhar minha alma no alto céu. Avançarei entre os pinheiros, entre as
ondas de vento do topo das montanhas.”[1]
Para Muir, não havia templo melhor que a
natureza a céu aberto.
A árvore é cantada em prosa e verso nas mais diferentes
culturas, e está presente nas imagens primordiais das várias religiões. O taoismo
ensina que uma árvore sagrada, um pessegueiro, cresce na montanha K’un-lun e
floresce uma vez a cada mil anos. São necessários três mil anos para que o
fruto desse pessegueiro amadureça. O seu pêssego milenar é grande como um
melão, mas vermelho e brilhante. Uma mordida
nele é suficiente para que a pessoa prolongue sua vida até mil anos. Só os
imortais, que alcançaram a sabedoria eterna, têm as credenciais necessárias
para alimentar-se com o fruto do pessegueiro em flor.[2]
Era nas florestas que os sábios taoistas, budistas e
hindus se refugiavam, mantendo-se afastados ao mesmo tempo da sociedade mundana
e das burocracias religiosas. Também os
magos druidas desenvolveram sua sabedoria nas florestas.
O humilde e silencioso crescimento de cada árvore é um
símbolo cósmico da transformação do que é pequeno no que é grande, do que é
potencial no que é real. No Novo Testamento, Jesus afirma que o Reino dos Céus
é “semelhante a um grão de mostarda que um homem tomou em suas mãos e lançou em
sua horta; ele cresce, torna-se árvore, e as aves do céu se abrigam em seus
ramos.” (Lucas, 13: 18)
Mas a
popularidade universal das árvores não impediu a sua constante destruição em
função de interesses materiais de curto prazo.
No mundo antigo, as novas civilizações surgiam saudáveis em regiões bem florestadas. Algum
tempo depois, as populações já se multiplicavam e o consumo de madeira crescia
excessivamente. As árvores eram usadas como
lenha - algo indispensável para fundir metais - e também como material para construir casas
e barcos.
É verdade que o mundo grego já procurava proteger suas
florestas desde Aristóteles. As cidades da Grécia tinham os seus arvoredos
sagrados, equivalentes aos parques
nacionais de hoje. Mas, apesar das cautelas, esses bosques intocáveis foram
destruídos. A decadência de Atenas, a
partir de 404 a.C. está relacionada com o esgotamento das suas florestas
durante as guerras.
Cada sociedade que ganhava poder e influência usava a
guerra como meio de expandir-se. Então as reservas florestais eram usadas para
fundir metais, para produzir armas e construir navios de combate. O desmatamento descontrolado provocava a erosão do solo, que destruía a
produtividade agrícola, provocando a decadência da sociedade e finalmente a sua
derrota nas guerras. Por isso, Helena
Blavatsky escreveu que a decadência de uma civilização se segue à destruição
das suas florestas tão inevitavelmente quanto a noite segue o dia.
O mundo romano, como a sociedade grega, devia sua força
às árvores. A floresta era considerada mãe de Roma. Todo o crescimento do império
romano se baseou sobre o uso das florestas e de outros recursos naturais, no
seu próprio território e nos territórios de povos distantes. Mas valeu a regra
geral e o caso de Roma não foi uma exceção: no seu devido tempo, a destruição
das florestas e da base ecológica da vida ajudou a provocar a decadência e o
fim do vasto império que dominava o
mundo.[3]
Ao longo de milênios, enquanto alguns cortavam as
árvores, outros as viam como seres sagrados. Com seu charme encantador, elas
sempre inspiraram sentimentos religiosos. Na Inglaterra, só no século 11 a
Igreja cristã, finalmente, decretou que era “pecado” construir um santuário em
torno de uma árvore. Em 1429, o clérigo de Bungay ainda sustentava que as
imagens religiosas não tinham grande valor, e que as árvores possuíam mais
energia e virtude, “sendo mais adequadas ao culto do que pedras ou madeira
morta esculpida com a forma de um homem”. Alguns dos primeiros protestantes
consideravam que se podia rezar tanto nos bosques como nas igrejas.
Quando a madeira começou a escassear na Inglaterra do
século 17, surgiu a prática do reflorestamento e a preservação florestal ganhou
força. A admiração pelas árvores também se apoiava em certos mitos cristãos, na
época considerados literalmente verdadeiros. Em 1670, por exemplo, John Smith,
especialista em silvicultura, sustentava que alguns carvalhos ingleses ainda
vivos haviam surgido no primeiro verão
depois do Dilúvio, e que uns poucos entre eles eram, inclusive, “do momento
da Criação do mundo”.
Os fiéis das paróquias inglesas faziam uma peregrinação
anual. Durante a caminhada, paravam de quando em quando diante de um carvalho
de maior porte para ler as escrituras e rezar ao pé da árvore, que consideravam sagrada. O poeta
inglês Alexander Pope escreveu que uma árvore é “uma coisa mais nobre do que um
príncipe em traje de coroação”. As árvores eram temas de livros. Plantá-las era
um esporte em toda a Europa. Essa tendência cultural compensou, em parte, a
devastação causada pela revolução industrial, cuja poluição ambiental era
extrema.[4]
As árvores ocupam lugar central na história do Brasil. O
nome do país é o nome de uma árvore. As lendas tradicionais falam de Curupira,
o deus que protege as florestas do país. Ele é um pequeno índio com os pés
voltados para trás, e seu corpo não tem os orifícios necessários para as
excreções indispensáveis à vida. Por isso, o povo do Pará o chama de muciço. No Amazonas, Curupira é visto
como um pequeno índio de quatro palmos de altura, careca, mas com o corpo
coberto de pelos. No rio Tapajós, ele tem apenas um olho.
O pequeno deus Curupira é dotado de uma força
extraordinária. Para experimentar a resistência das árvores antes de uma
tempestade, ele bate nelas com o calcanhar. Curupira tanto mostra a caça como a
esconde. Sua função é proteger a mata e seus habitantes. Todo aquele que
derruba ou estraga inutilmente as árvores é punido por ele com o castigo de
caminhar indefinidamente pelo bosque sem poder lembrar do caminho de casa. Por
isso era temido pelos indígenas.
“Curupira foi o primeiro duende selvagem que a mão branca
do europeu fixou em papel e comunicou a países distantes”, escreveu Luís da
Câmara Cascudo. José de Anchieta já o citava em uma carta de 1560. Mas seu nome
tem variações: no Maranhão, esse deus da floresta se chama Caipora. Ele
tem uma presença marcante nas lendas do
sul brasileiro, e ganha o nome de Curupi no Paraguai e na Argentina.[5]
Os mitos brasileiros registram o conceito de caapora (caipora no norte e nordeste) para designar genericamente qualquer
um dos espíritos da natureza que aparecem nas florestas. Mas Caapora também
está associado aos pequenos animais selvagens, enquanto que Anhanga é o
espírito que protege os animais maiores, como a paca, a anta, a capivara e o
veado. A caipora nordestina é mulher, aparece quase sempre montada em um
porco-do-mato, e ressuscita os animais abatidos.
O simbolismo universal das árvores é rico e complexo - e
estimula a busca da sabedoria. Cada espécie de árvore irradia uma influência e
uma vibração próprias, que os seres humanos buscam descrever com palavras. O
espírito do cipreste, por exemplo, representa a imortalidade. O pinheiro, a
árvore escolhida para as festas de Natal, é outro símbolo da vida espiritual. Em
todo o mundo a acácia representa a verdade, assim como o sicômoro simboliza a
bondade.
O carvalho é a árvore de Zeus, de Júpiter, e simboliza a
força divina e o eixo do mundo. A figueira e a oliveira simbolizam a
abundância. A figueira também pode representar o eixo do mundo, como o
carvalho. A aveleira, que dá a avelã, representa a fertilidade e ainda fornece
a madeira de que são feitas as varinhas mágicas.
Em francês, avelã é “Aveline”. Há vários sobrenomes
luso-brasileiros inspirados por nomes de árvores. Entre eles estão Pinho,
Oliveira, Carvalho, Pereira, Pinheiro, Figueira, Teixeira, Matos, e Nogueira.
Silva e Silveira também possuem acepções relativas a mato e floresta. O nome
Cardoso significa “terreno em que há numerosos cardos”. São plantas espinhosas frequentes
em Portugal: algumas das suas espécies têm efeito terapêutico.
A videira é uma árvore sagrada tanto na tradição egípcia
como na antiga Israel. Alguns a associam à Árvore da Vida. A mamona - que
aparece na breve história bíblica de Jonas - simboliza a imprevisibilidade do
futuro e nos ensina o desapego. Ela nos faz lembrar que, apesar das aparências,
a vida raramente é linear e contínua.
Os significados e as influências espirituais das árvores
são inesgotáveis. Em diferentes momentos da nossa vida, cada árvore - em um
parque, uma rua ou um quintal - traz a nós mensagens diferentes. Devemos estar
abertos ao diálogo silencioso com estes seres benéficos. Há inúmeras vantagens
nisso.
Segundo o filósofo Plotino, as plantas buscam a
felicidade. De fato, a filosofia esotérica ensina que, assim como os animais
mais evoluídos já fazem força para aproximar-se do desenvolvimento mental, as
plantas, por sua vez, avançam no sentido do desenvolvimento das emoções.
Ora, as árvores estão entre os habitantes mais sábios e
evoluídos de todo o reino vegetal. Há inúmeros relatos de que elas são capazes,
à sua maneira, não só de receber os
nossos sentimentos de amizade mas também de responder a eles. Nossa pobre
inteligência humana só tem a ganhar quando percebemos a inteligência das
árvores. O conteúdo das lições que elas nos trazem, porém, depende da nossa
capacidade de deixar de lado as coisas pequenas, que pensamos que conhecemos, e
de abrir-nos para a magia da vida.
NOTAS:
[1] “The Life of John Muir”, de
Linnie Marsh Wolfe, The University of Wisconsin Press, Wisconsin, EUA, 364 pp.,
ver p. 193.
[2] “Seven Taoist Masters”, tradução
do chinês para o inglês de Eva Wong, Ed. Shambhala, Boston e Londres, 1990, 178
pp. Ver p. 19.
[3] Para saber mais sobre a
importância decisiva das florestas na história das civilizações humanas, veja a
obra “História das Florestas”, de John Perlin. Ed. Imago, RJ, 1992, 490 pp.
[4] Sobre a importância das árvores
na cultura inglesa, veja a obra “O Homem e o Mundo Natural”, de Keith Thomas,
Cia. das Letras, SP, 1988, 454 pp.,
especialmente as pp. 253-266.
[5] “Geografia dos Mitos
Brasileiros”, Luís da Câmara Cascudo, Ed. Itatiaia (USP), SP, 1983, 345 pp.,
ver pp. 84-86.
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Sobre a ecologia da mente e a teosofia
do ambiente natural, veja o livro “A Vida
Secreta da Natureza”, de Carlos Cardoso Aveline.
O livro foi publicado pela Editora
Bodigaya, de Porto Alegre, tem 157 páginas divididas por 18 capítulos e está na
terceira edição, de 2007.
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