Sete Notas Sobre o Ponto de
Encontro
Entre Ética, Psicologia e
Filosofia Esotérica
Carlos Cardoso Aveline

Helena Blavatsky, Sigmund Freud e Carl G. Jung, que foi um
colaborador do nazismo
1. O Chamado
“Inconsciente” Não Existe
Exatamente pelo fato de que é universal, a consciência universal não tem e
não poderia ter limites. Por isso, Helena Blavatsky escreveu:
“O Ocultismo nos diz que cada átomo, como a mônada de
Leibnitz, é um pequeno universo em si mesmo, e que cada órgão e célula do corpo
humano tem um cérebro próprio, com memória, e, portanto, com experiência e
poderes de escolha próprios.” [1]
Um outro texto registra uma afirmação quase idêntica de
HPB, porém, com algumas nuances significativas:
“O Ocultismo, ao contrário da ciência moderna, sustenta
que cada átomo material, uma vez diferenciado, fica dotado da sua própria espécie de Consciência. Cada
célula do corpo humano (como em todos
os animais) dispõe do seu próprio discernimento, instinto, e, falando em termos
relativos, da sua própria inteligência.” [2]
Não há, pois, coisa alguma no universo destituída de
consciência. O termo “inconsciente” é, tecnicamente, inadequado. Não há
inconsciente: o que há são formas
desconhecidas de consciência. Há
níveis de consciência humana, planetária e cósmica, que são
involuntários, não-verbais, não “mentais” e pouco conhecidos.
Apesar destes fatos, ainda circula amplamente
o conceito de “inconsciente”. E pior: circula como se fosse invenção recente.
Na verdade, as formas involuntárias e pouco conhecidas de consciência sempre
foram estudadas pela tradição esotérica. Mas os antigos não caíam na ilusão de imaginar que existe alguma
coisa destituída de vida ou de
consciência.
Um Raja-Iogue dos Himalaias
ensinou:
“Considere a árvore genealógica
da vida da raça humana e outras de Darwin, mantendo sempre em mente o velho e
sábio axioma ‘como embaixo, assim é em cima’ - isto é, o sistema universal de
correspondência - e tente compreender por analogia. (...) Nesse dia, nesta Terra atual, em cada
mineral, etc., há um tal espírito. Direi mais. Cada grão de areia, cada pedra
arredondada ou rochedo de granito é aquele espírito cristalizado ou
petrificado.” [3]
Quando se lê no templo de Delfos na Grécia antiga o
conselho: “Conhece-te a ti mesmo”, está-se lendo uma alusão aos aspectos
desconhecidos da nossa própria consciência. Porque, se é necessário buscar o
autoconhecimento, fica claro que não nos conhecemos e que pouco sabemos das
camadas profundas e não-verbais da nossa própria consciência.
A filosofia esotérica sabe distinguir bem, no entanto,
entre a consciência não-verbal inferior, da alma animal, e a consciência não-verbal
superior, ou supraconsciente, que é a consciência divina em cada ser humano.
Sobre isso, será útil ler ou reler em nossos websites associados o texto
“Chelas e Chelas Leigos”, de H. P. Blavatsky (1831-1891).
Sigmund Freud não descobriu, portanto, a pólvora. Nem a
roda. E muito menos descobriu o chamado “inconsciente”. Freud tem, porém, o
mérito de abordar esta questão em linguagem científica e por métodos
experimentais modernos, revelando aspectos úteis do funcionamento do eu
inferior e do nível não-verbalizado da alma animal.
Freud era ético. Ao contrário de Hitler e seus
admiradores - entre os quais esteve Carl Gustav Jung -
Freud não era um ladrão de ideias. Ele apoiou-se explícita e lealmente na
sabedoria antiga, e tomou o Mito de Édipo e as obras de diversos outros
pensadores antigos ou anteriores a ele (como Fiódor Dostoievsky), para
construir suas teorias. Vale a pena mencionar, neste ponto, que a obra de
Dostoievsky tem dimensões teosóficas e é
amplamente citada nas “Cartas dos Mahatmas” e nos escritos de H.P. Blavatsky.
Em seu ensaio “O Futuro de Uma Ilusão”, Freud escreveu
que a sua divindade pessoal, a divindade que ele seguia, era o Logos grego
antigo. Isto é, sua divindade pessoal era a verdade, exatamente a mesma ideia
presente no lema do movimento teosófico, “Não há Religião Mais Elevada que a
Verdade”. Uma comparação entre a visão de Freud em relação às grandes religiões
organizadas, e a visão teosófica clássica, exposta na Carta 88 e outros textos
das “Cartas dos Mahatmas”, mostra a identidade dos dois pontos de vista, e pode
ser encontrada na obra “Três Caminhos Para a Paz Interior”. [4]
Freud errou. Ele teve claras limitações, mas também
acertou. Os seus diversos discípulos e seguidores - entre eles Erich Fromm,
Wilhelm Reich, Alfred Adler e Carl G. Jung - foram, depois, criando os seus
próprios enfoques. Destes, Erich Fromm construiu uma obra que não só está ligada
à verdadeira Ética, mas possui muitos pontos em comum com a verdadeira teosofia
e com o budismo, dois campos de conhecimento que, quando abordados de modo autêntico,
são inseparáveis da Ética.
Os níveis involuntários e não-verbais da consciência
humana são investigados desde a origem do pensamento humano. Exemplos disso são
a Astrologia e a Mitologia. Qual é, por exemplo, o significado de Plutão - tanto
o deus como o planeta - no plano mitológico e portanto no plano das camadas
não-verbais da consciência individual e coletiva?
Plutão é Hades, o deus do inferno, o deus da morte, o
deus subterrâneo, o deus da consciência não-verbal inferior, o deus da transmutação,
da transcendência, do renascimento, da regeneração. E ele corresponde também à
energia nuclear. Plutão/Hades é a mudança súbita. Ele corresponde, no sentido
positivo, à geração de vida, à renovação, à luta pelo bem e pelo novo. Ele
simboliza as camadas desconhecidas da mente animal e terrestre, que se
transmutam inevitavelmente e se purificam em conexão com as camadas não-verbais
superiores.
Astronomicamente, Plutão foi o último planeta importante
a ser descoberto, em 1930. Até esta data, ele era, portanto, literalmente uma
consciência celeste desconhecida para a nossa humanidade. Seu irmão Netuno
(descoberto em 1846) simboliza predominantemente a consciência cósmica no seu aspecto não-guerreiro. As trajetórias
astronômicas dos dois têm profundas ligações matemáticas, geométricas e
ocultas.
Vivemos uma transição mundial. Plutão - o puxador de
tapetes, o despertador de vulcões - tem um papel especial a cumprir, e já está
fazendo isso. Tudo que é favorável tem um preço a pagar, e considera-se que “as
portas do inferno precisarão ser abertas”, para que a re-ligação com o mundo
divino possa ocorrer.
De fato, no momento atual, a emergência do que é Desconhecido
na consciência humana, o surgimento da Necessidade de Renovação da Substância e
não da Forma, é um fenômeno planetário, geológico, cultural, global, nacional,
e também pessoal para cada cidadão.
Abre-se a Caixa de Pandora do Carma Coletivo; destapa-se a panela de
pressão; ou, como também se pode dizer, “abrem-se as portas do céu e do inferno”.
A abertura simultânea destas duas portas se deve a um
fato simples: é impossível abrir as portas da consciência desconhecida superior
(Céu) sem abrir ao mesmo tempo as portas da consciência desconhecida inferior (Inferno).
Assim, quando Hades/Plutão, o senhor do carma negativo,
abre as portas do “inferno” e traz para o consciente o resultado acumulado da
ignorância humana, abrem-se ao mesmo tempo as portas do céu ou da consciência
divina.
Plutão é, sobretudo, um regenerador. Ele abre caminho para a paz universal, simbolizada
por um gigante azulado de tênues anéis, que também trabalha na ligação entre este
nosso pequeno sistema solar e o cosmo maior da galáxia: o misterioso Netuno, o senhor do Oceano.
2. Os Níveis Desconhecidos de Consciência
Desde os primórdios da nossa humanidade, a tradição
esotérica estuda e ensina sobre os níveis pouco conhecidos da consciência.
A famosa alegoria da caverna, de Platão (na parte sete de
“A República”) discute o tema da consciência superior, não-visual e não-verbal.
Quando o teosofista moderno estuda o tema dos sete
princípios da consciência, e quando ele pesquisa sobre conceitos como skandhas, akasha e reencarnação, ou
investiga como ocorre o despertar da consciência buddhi-manásica da alma
espiritual, ele está lidando com formas e níveis de consciência alheios à
percepção convencional da realidade.
O que Sigmund Freud fez, no início do século 20, foi
codificar do ponto de vista da ciência experimental o conhecimento destes níveis
de consciência não-verbais, chamando-os, de modo pouco feliz, de “inconsciente”.
Freud fez uma investigação útil sobre o tema, usando a linguagem
moderna e ocidental. Ele propôs e impulsou corretamente a transmutação da
consciência involuntária e não-verbal em consciência voluntária e verbal.
Nisso, ele coincidiu com as teses do humanismo, da filosofia e da teosofia.
Carl Gustav Jung seguiu pelo caminho oposto. Ele fez o
elogio do inconsciente e da irresponsabilidade, e se descompromissou por
completo em relação à ética ou ao pensamento racional. Ele lavou as mãos diante
de “irrupções de irracionalidade inconsciente” como o nazismo e o fascismo,
entre outras.
O caminho da teosofia é o caminho pelo qual se expande a
área conhecida da consciência. Todo estudante teosófico deve enfrentar,
conhecer e responder perante a lei do Carma por tudo o que antes era
“desconhecido”, em sua própria vida e em sua consciência.
A teosofia ensina o caminho da responsabilidade.
Quem quiser aproximar-se do caminho espiritual deve
compreender duas coisas: 1) A Ética é a arte de plantar bom carma; e 2) Não há
colheita cármica agradável que dure, se o carma não tiver sido devidamente
plantado em algum momento anterior. Esta mesma lei está presente nos ensinamentos
de Buddha, Confúcio, Cristo, Krishna, Pitágoras e os verdadeiros instrutores de
todos os tempos.
Carl Jung ainda é relativamente popular, hoje, em meios “esotéricos”
ocidentais. Mas é recomendável dar a devida atenção ao fato de que o pensamento
de Jung fica muito longe dos ensinamentos éticos dos grandes instrutores da
humanidade.
O caminho espiritual é uma transmutação total do
indivíduo no caminho da ética universal. O aprendiz passa, gradualmente, a respirar
ética. Ideias como “Amor impessoal”, “compaixão universal”, e “fraternidade”
são apenas nomes alternativos para a ética universal.
Tal ética decorre naturalmente de uma percepção direta,
que o indivíduo adquire, da unidade dinâmica de todos os seres.
3. Carl G. Jung e o Nazismo
Alemão [5]
Em seu livro “Psicanálise
e Religião”, o pensador Erich Fromm faz uma análise comparada dos pontos de
vista de Carl Jung e Sigmund Freud. Fromm resgata a crítica radical de Freud em
relação às religiões dogmáticas que funcionam como rebanhos de crentes proibidos
de raciocinar por si mesmos.
Para Fromm, é a visão
de Freud, e não a visão de Jung, que coincide com a doutrina budista segundo a
qual a ética é inseparável de toda experiência de expansão de consciência.
Depois de constatar que o conceito de Jung sobre religião fica pobremente
limitado ao plano das emoções, Fromm escreve sobre a questão da Verdade. Ele
reivindica a sabedoria profunda presente nas grandes religiões:
“O conceito de Jung
no que concerne à verdade está em oposição aos preceitos do budismo, do
judaísmo e do cristianismo. Nestes, a obrigação de procurar a verdade é um postulado
fundamental. A pergunta irônica de Pilatos, ‘o que é a verdade?’, simboliza uma
atitude antirreligiosa, não apenas do ponto de vista do cristianismo, como de
todas as outras grandes religiões”.
E Fromm completa:
“De outro lado, Jung
reduz a religião a um fenômeno psicológico, e ao mesmo tempo eleva o
inconsciente à categoria de fenômeno religioso”. [6]
A ausência de Ética
no pensamento de Jung ajuda a explicar a sua posição em relação a Adolf Hitler,
ao racismo autoritário e à política nazista de assassinatos em massa. A trajetória de Jung ao longo do
ciclo do Nazismo e do Fascismo parece semelhante à trajetória do Vaticano: no início,
havia uma simpatia. Depois, quando as forças democráticas demonstraram ser mais
fortes, houve uma adequação oportunista à realidade dos fatos. Jung não gostava
de estar do lado do mais fraco, e sempre foi um amigo dos poderosos.
De fato, não há indícios de que
Jung tenha sido, pessoalmente, um nazista, mas parece ser um fato estabelecido
que sua posição diante do nazismo foi no mínimo ambígua. Enquanto os
intelectuais alemães e amigos da democracia eram perseguidos por Hitler durante
a primeira metade dos anos 1930, Jung mantinha uma boa convivência com os nazistas.
Ele aceitou, em 1933, ocupar um cargo de confiança e foi nomeado para ele pelo partido
de Hitler. Deste modo, ele trabalhou na “Sociedade Médica Internacional para a
Psicoterapia”, cujo administrador era sobrinho de Goering.
Embora tivesse amigos judeus, no
início de 1934 Jung afirmou, num artigo intitulado “Sobre a Situação Atual
da Psicoterapia”, que o Judeu, sendo nômade, não pode jamais criar a sua
cultura própria; para desenvolver os seus instintos e talentos tem de apoiar-se
em um “povo anfitrião mais ou menos civilizado”. É uma maneira (não muito
sutil) de qualificar o povo judeu como “não-civilizado” e “parasita”, segundo a
velha cartilha do antissemitismo nazista.
Alguns seguidores de Jung não dão qualquer importância ao
fato de que um pensador da área de ciências humanas tenha exercido um cargo de
confiança sob os nazistas, enquanto a liberdade já era suprimida, e quando os
psicólogos judeus e não-nazistas (inclusive seu ex-mestre Sigmund Freud) eram
perseguidos e necessitavam refugiar-se em países livres. Esta postura não
resiste a um exame ético. Ela só se harmoniza com os ensinamentos de Jung, que
propõem, precisamente, o abandono da
ética.
Na verdade, a ausência de compromisso moral em Carl Jung
está vinculada à forma como ele vê o mundo humano. Todo ser verdadeiramente
espiritual ou filosófico, é solidário
com a vida. A cegueira ética não pode ocorrer por acaso.
4. Erich Fromm,
Carl Jung e a Necrofilia
Em seu livro “The Anatomy of Human Destructiveness” (“A
Anatomia da Destrutividade Humana”) [7],
Erich Fromm discute o que ele chama de necrofilia, isto é, o culto
doentio à morte, e o impulso pela destruição cega.
Citando Lewis Mumford, Fromm afirma que já no Egito antigo o culto à morte era algo
que andava junto com a adoração das máquinas. [8] Fromm mostra a predominância da admiração pela morte no nazismo
de Hitler e no fascismo espanhol. Havia, de fato, um misticismo do avesso
no modo como nazistas e franquistas matavam pessoas indefesas.
Várias décadas depois de Fromm, vemos hoje, na primeira
parte do século 21, um avanço sem precedentes no desenvolvimento de novas
máquinas. Há um abuso crescente contra a vida das plantas, dos animais, das
crianças, dos pobres, das populações pobres da África, enquanto se espalha o
consumismo fútil das “classes médias altas”. A atual civilização das
máquinas apresenta uma ameaça inédita
às mais diferentes formas de vida em nosso planeta. Do ponto de vista
psicanalítico, isso pode ser relacionado a um “instinto de morte” ou
“necrofilia”.
Os sinais de decadência de uma civilização, quando os
impulsos destrutivos parecem predominar, são apenas um modo que a natureza
humana tem de ver-se livre de estruturas psicológicas e civilizatórias que já
não servem para o crescimento da sua Alma.
Assim, as “maldades” que se exacerbaram desde o ano de
1900, quando ingressamos na era de Aquário, não impressionam os teosofistas bem
informados. Eles confiam no futuro, e sabem que há uma lei pela qual o egoísmo
destrói a si mesmo.
No entanto, é necessário compreender com clareza os
mecanismos da ignorância espiritual, e Erich Fromm torna esta tarefa mais fácil.
Em outro livro significativo, “The Heart of Man - its genius for good and evil”[9], Fromm discute o que chama de “caráter necrófilo”, a estrutura
psicológica da pessoa que despreza a vida, e admira a morte.
Depois de analisar a vida e as ideias de Hitler, ele vê o mesmo
caráter necrófilo em Carl Gustav Jung.
Eichman foi um dos auxiliares famosos de Hitler, e Fromm
escreve:
“Mas os exemplos do caráter necrófilo não estão, de modo
algum, limitados aos inquisidores, aos Hitlers, e aos Eichmanns. Há grande
número de indivíduos que não têm a oportunidade nem o poder de matar, e cuja
necrofilia se expressa de modos diferentes e, quando vistos superficialmente,
inofensivos.”
Fromm descreve em seguida a atitude de certas mães que,
obsessivas com os filhos, impedem o livre desenvolvimento das suas
individualidades. E prossegue:
“Um exemplo notável
deste tipo de caráter necrófilo foi C. G. Jung. Em sua autobiografia,
publicada postumamente, ele dá ampla evidência disso. Os seus sonhos eram
predominantemente ocupados por cadáveres, sangue, e assassinatos. (...) As suas
simpatias por Hitler e suas teorias raciais foram outra expressão da sua
afinidade com as pessoas que amam a morte.” [10]
Do ponto de vista esotérico, o infeliz e autoderrotante culto
à morte é apenas uma forma externa de expressar o fracasso interior. É um
modo suicida e assassino de buscar inconscientemente a transcendência e a
unidade com a Lei do Universo, através da aniquilação da vida.
Com o Antahkarana interrompido e portanto sem ligação
entre sua alma mortal e sua alma imortal, o indivíduo busca o Absoluto através
de um impulso cego e destituído de todo discernimento. Para ele, não existe a
escada de Jacó que liga a consciência celestial à consciência humana. Ele é
digno de compaixão, mas o horror da sua situação deve ser identificado para que
não se transmita a mais pessoas.
O caminho teosófico, por outro lado, avança em harmonia
com a verdadeira psicologia - a ciência da alma. O conhecimento da alma ou
psiquê é inseparável da Ética e do respeito a todas as formas da vida. A
verdadeira Psico-logia consiste, na
verdade, em aumentar o conhecimento
mútuo e a ajuda mútua entre a alma imortal e a alma mortal, entre céu e terra,
em cada indivíduo e na sociedade como um todo.
Não é por acaso que um dos raja-iogues que inspiraram a
criação do movimento teosófico moderno definiu a ciência esotérica como “psicologia
asiática”. Esta é a psicologia do respeito pela verdade e do amor à
sabedoria: philo-sophia. Nas próximas décadas, o culto das máquinas e o
desprezo pela vida deverão ceder cada vez mais terreno à simplicidade
voluntária, ao respeito por todos os seres e à sabedoria universal ou theos-sophia.
Para nós, como cidadãos e do ponto de vista prático, o mais importante é fazer
essa transição no interior dos nossos próprios mundos psicológicos, enquanto
desenvolvemos relações solidárias e de ajuda mútua.
5. Carl Jung e
Pôncio Pilatos: Lavando as Mãos
Há uma falsa “neutralidade ética” circulando amplamente
hoje em dia. E ela se apresenta como “espiritual”. Esta abstenção moral circula
graças à boa vontade ingênua de muitos. Ela empresta uma falsa legitimidade à omissão
diante da injustiça e à cumplicidade com o que é inaceitável.
Tudo o que existe tem as suas premissas, os seus
princípios. O movimento teosófico também tem os seus.
Nas pessoas que estão sob a influência do pensamento de Carl
Jung, podemos encontrar a falsa premissa de que “ser espiritual” é imitar
Pôncio Pilatos e omitir-se. Vemos em tais indivíduos uma estranha apatia, e
também o hábito de buscar água e sabonete para lavar as mãos diante de toda injustiça,
seja ela política, social, ou espiritual. Essa atitude não é espiritual, embora
busque apresentar-se como tal. Psicologicamente, é algo profundamente
patológico, conforme demonstra Erich Fromm.
Há exceções, mas esta atitude é típica e frequente mesmo
em meios considerados espirituais e esotéricos. O pensamento de Jung circula
comodamente entre os partidários da pseudoteosofia de Adyar. É possível
enumerar alguns dos argumentos - quase sempre implícitos - usados por certos
seguidores de Jung e vários sofistas para justificar a omissão. Tais indivíduos
se comportam como se pensassem assim:
1)
“Há poderosos falando mentiras e enganando pessoas? Eu aceito e perdoo, porque
sou espiritual, e a espiritualidade fica acima da ética e da justiça.”
2)
“Estão sendo traídos os ideais elevados de sabedoria universal? É melhor evitar
o assunto, porque ser espiritual é não fazer escolhas morais. Defender a ética
é uma atitude neurótica; especialmente quando sou beneficiado pela omissão. O
normal é ser medíocre, e todo idealismo é uma forma de neurose, exceto quando não
passa de um discurso astucioso, feito para obter prestígio.”
3)
“Talvez a civilização atual esteja caminhando para a sua própria ruína, devido
à sua irresponsabilidade ética e
ambiental? Não sou responsável. Não tenho o dever de combater as injustiças
estruturais, mas, ao contrário, é mais astucioso beneficiar-me delas, discretamente.”
4) “Há
alguém denunciando e combatendo as estruturas da injustiça? Isso me parece
errado e até antifraterno. Psicologicamente, não é saudável.”
5) “Estão
defendendo a quem foi injustamente atacado? Não é adequado. Esta atitude gera
conflitos.”
A proposta teosófica é diametralmente oposta. A filosofia
esotérica promove a defesa dos que são injustamente atacados, e tem como lema a
ideia de que “não há religião, nem interesses, nem instituições, que possam
ser colocados acima da verdade”.
Para evitar as fraudes pseudoespirituais, e para reduzir o
poder das “psicoterapias” que legitimam o egocentrismo, é recomendável estimular em todos os momentos o livre debate sobre os
erros e os acertos das diferentes escolas de pensamento.
6. H.P.B., Jung e a Biblioteca de Nag Hammadi
James M. Robinson foi o editor
geral em língua inglesa da “Biblioteca de Nag Hammadi”, uma coleção de textos
gnósticos do século 4 da era cristã, descoberta em 1945 no Egito. Um dos textos
mais famosos de Nag Hammadi é o Evangelho de São Tomé.
O posfácio da valiosa Biblioteca
foi escrito por Richard Smith. Ali vemos o honesto registro de um fato histórico:
“Foi a senhora Blavatsky que
proclamou em primeiro lugar os gnósticos como precursores do movimento
ocultista moderno. Em sua ação para estabelecer uma distinção entre os aprendizados
especulativos esotérico e exotérico, entre verdade e religião, os gnósticos
estavam em uma oposição óbvia ao que ela chamava de ‘igrejianismo’.” [11]
Ou seja, o ponto de vista esotérico
(gnóstico) se opõe ao ponto de vista exotérico (das religiões dogmáticas).
A seguir, Richard Smith faz uma
longa citação de “Ísis Sem Véu”, de HPB, obra publicada em 1877, e discute o
papel de H.P.B. na reivindicação moderna dos gnósticos. Ele reconhece o papel
pioneiro da fundadora do movimento esotérico moderno. Em seguida, Smith alerta
para o fato de que Jung substituiu a ideia de mundo divino pela ideia de
inconsciente coletivo.
Qual o problema disso? O problema
é que, enquanto o mundo divino é sinônimo de Lei do Equilíbrio, da bondade, e
da inofensividade, o “inconsciente coletivo” de Jung abriga todo tipo de
coisas, algumas profundamente absurdas e involutivas. Richard Smith cita uma
obra escrita por Carl Jung em 1916, intitulada “The Seven Sermons to the Dead”
(“Os Sete Sermões aos Mortos”) e assinada na época sob o pseudônimo de “Basilides”.
Um dos trechos citados por Smith faz uma homenagem a “Abraxas”. Nele, Jung
escreve:
“Abraxas produz verdade e
mentira, bem e mal, luz e escuridão, com a mesma palavra e com a mesma ação.
Portanto Abraxas é terrível. Ele é amor e é o assassinato do amor. Ele é o
santo e o seu traidor. Ele é a luz mais clara do dia e a noite mais escura da
loucura”. [12]
No início dos anos 1950, um
grande escritor judeu, Martin Buber, criticou duramente Jung por sua obra “Sete
Sermões aos Mortos”, segundo relata Smith.
[13] Buber tinha razão.
A questão da ética - que pode ser
definida como a arte de perceber o certo e o errado - é central para a identificação
do tipo de carma que estamos plantando; e para a compreensão da verdadeira meta
em cuja direção avançamos, com nossas ações.
Os Mahatmas dos Himalaias esclarecem
(em “Cartas dos Mahatmas”, volume dois, Carta 88) que toda maldade e todo mal
são criação provisória do estágio humano atual, e serão amplamente compensados
de acordo com a lei do Equilíbrio. Não há em qualquer instância divina porção
alguma de ambivalência ética ou indecisão moral, e muito menos de maldade. O
que permeia igualmente o certo e o errado é a LEI Universal e
impessoal segundo a qual o que se planta, se colhe.
7. Carl Jung ou a Alquimia do Egoísmo
Cada vez que um estudante da
ética universal examina com cuidado algum texto de Carl Jung, ele vê problemas.
Escrevendo sobre Alquimia, por exemplo, Jung faz grande quantidade de afirmações
sem sentido. Vale a pena selecionar uma delas, que parece especialmente
significativa e indicativa das águas cármicas escuras em que Jung
realmente navegava.
Em um texto sobre Paracelso, Jung
escreveu:
“... A verdade da Igreja e o
ponto de vista cristão nunca poderiam concordar com o pensamento básico
implícito em toda alquimia, ou seja, ‘Deus abaixo de mim’.” [14]
O que dizer sobre isso? Em
primeiro lugar, a filosofia esotérica desmancha o mito do deus monoteísta. Não
faz sentido falar em um Deus único ou singular, que manipula de fora para
dentro a evolução da Natureza.
Em segundo lugar, é uma ideia
absurda - se não for uma falsidade deliberada - afirmar que a alquimia visa
colocar-se acima do mundo divino, ou acima da Lei Divina, ou que visa colocar as
divindades sob o alquimista. Do ponto de vista ético e cármico, este é o erro
máximo que alguém poderia tentar cometer. A afirmativa de Jung mostra uma
profunda ignorância espiritual. A alquimia visa, isto sim, conhecer e colaborar
com as Leis da Natureza, e com a Lei Universal, que são divinas e
transcendentes. O alquimista procura colocar-se a serviço do mundo divino. Esse
é o máximo a que ele pode aspirar, e ele fica feliz e contente com isso. É apenas
a feitiçaria hitlerista e nazista, ou bruxarias inferiores de outros tipos, que
invertem os sinais e colocam o ser humano não-ético em uma posição de
ladrão das coisas divinas.
A alquimia é inseparável da Ética,
um tema que, significativamente, não se encontra nas obras de Carl Jung. O
egoísmo “elegante” e “ilustrado” não se preocupa com a Ética; mas todos os
campos autênticos de conhecimento são inseparáveis dela.
Na sua busca de poder absoluto,
Adolf Hitler manipulou conceitos e realidades do mundo astral e sutil, mas fez
isso com os sinais invertidos, usando de ambiguidade calculada, e, claro, sem
qualquer consciência humanista. Em outro trecho do seu texto sobre Paracelso,
Jung repete a ideia de que, no processo alquímico, o homem coloca a divindade
abaixo de si. Usando palavras como “demônio” e “demoníaco” de modo perigosamente
ambivalente, Jung desvincula a alquimia de toda ética ou decência. Ele demonstra
que nada sabe do que está falando, a menos que esteja conscientemente chamando
de Alquimia uma bruxaria da pior espécie, como, por exemplo, a de Hitler. Isso,
porém, nada teria a ver com Paracelso, nem com a verdadeira alquimia. Carl Jung
afirma:
“O mais profundo e íntimo esforço
da alquimia é uma presunção, cuja grandiosidade demoníaca, por um lado, e cuja
periculosidade anímica, por outro, não podem ser subestimadas. Não pouco da
orgulhosa arrogância e presunção que contrastam estranhamente com a humildade
verdadeiramente cristã de Paracelso proviria dessa fonte.” [15]
A alquimia é exatamente o oposto
do que Jung escreve. Ela se harmoniza com a mística cristã, com a ética cristã,
e com a mística e a ética das outras religiões. Sem ética, não há alquimia.
O importante, na tarefa de
abordar a obra de Jung desde um ponto de vista filosófico e esotérico, é ter
como premissa a constatação de que todo conhecimento desligado de uma Ética não
é conhecimento verdadeiro. Quando este conhecimento lida com realidades astrais
e sutis, mas não se coloca humilde e honestamente a serviço do mundo divino,
então ele pode e deve ser classificado como bruxaria inferior ou magia egoísta.
Todo conhecimento autêntico tem intenção ética. E é a intenção que
determina o campo magnético em que está o buscador de conhecimento.
Ao contrário do que pensava Jung,
Paracelso é um dos grandes nomes da mais elevada tradição mística e alquímica, cuja
meta é aumentar a luz da Razão humana e estimular a prática correta da
fraternidade universal.
NOTAS:
[1] “H.P. Blavatsky Quotation Book”,
Theosophy Company (Índia), 110 pp., 1991, p. 73.
[2] “Transactions of the Blavatsky
Lodge”, Theosophy Company, Los Angeles, 150 pp., 1923, ver p. 25.
[3] “Cartas
dos Mahatmas Para A.P. Sinnett”, Ed. Teosófica, Carta 67, vol. I, p. 288.
[4] “Três
Caminhos Para a Paz Interior”, Carlos
Cardoso Aveline, Ed. Teosófica, Brasília, 2002, ver capítulo 11, “A Psicanálise
das Religiões”.
[5] Uma
versão anterior desta anotação foi publicada em “O Teosofista”, edição de
agosto de 2008.
[6] “Psicanálise e Religião”, Erich Fromm, Ed. Livro Íbero-Americano
Ltda., RJ, 1966, 140 pp., ver pp. 26 e 27.
[7] “The Anatomy of Human
Destructiveness”, Erich Fromm, Fawcett Publications Inc., Freenwhich, Connecticut,
USA, 1973, paperback edition, 576 pp.
[8] “The Anatomy of Human
Destructiveness”, Erich Fromm, obra citada. Sobre a relação entre culto às máquinas
e negação da vida, ver especialmente as páginas 380 e seguintes. A parte final
do livro, capítulos 11 a 13, é dedicada à discussão da necrofilia como “doença”
social e individual.
[9] “The Heart of Man - its genius
for good and evil”, Erich Fromm, Harper & Row, Publishers, New York, Evanston,
San Francisco, London, 1964, paperback edition, 212 pp.
[10] “The Heart of Man - its genius
for good and evil”, Erich Fromm, obra citada, pp. 43 a 45, especialmente 43.
[11] “The
Nag Hammadi Library”, revised edition, James M. Robinson, HarperSanFrancisco,
New York, USA, 1990, 550 pp., ver pp. 537-538.
[12] “The
Nag Hammadi Library”, 1990, 550 pp., ver p. 539.
[13] “The
Nag Hammadi Library”, obra citada, mesma página.
[14] “Estudos
Alquímicos”, Carl Gustav Jung, Ed. Vozes, RJ, 422 pp., 2003, ver p. 123.
[15] “Estudos Alquímicos”, obra
citada, pp. 130-131.
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Em setembro de 2016, depois de cuidadosa análise da
situação do movimento esotérico internacional, um grupo de estudantes decidiu
formar a Loja Independente de Teosofistas, que tem como uma das suas
prioridades a construção de um futuro
melhor nas diversas dimensões da vida.
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