Algumas Ideias Práticas
Para Transcender Conflitos
Carlos Cardoso Aveline
Carlos Cardoso Aveline
Ninguém tem dúvida de que a paz e a dignidade internas são
um direito e uma necessidade básica de todo ser humano. Estranhamente, porém, a
vida mostra que é quase sempre inútil procurar sossego ao nível das coisas
externas.
Por mais palpável que possa parecer, todo bem-estar
externo tem alicerces duradouros apenas no coração de cada um - e a verdadeira
paz só pode surgir de dentro para fora. A questão é saber como. De que modo se
produz paz, de fato?
O objetivo da vida não é responder a esta pergunta no
plano teórico, mas sim fazer da nossa própria existência individual uma
resposta substancialmente prática,
simples e vencedora a este desafio.
Ninguém alcança a paz e a ecologia interna fechando os
olhos para as situações e desafios da vida cotidiana. A serenidade surge pela
observação atenta, sem distorções, e pela transformação
decidida da nossa vida a partir do fato de que percebemos a paz como uma
realidade potencial em nosso interior, mas queremos, também, expressá-la
claramente nos diferentes aspectos da nossa vida.
Se já somos capazes de perceber o centro de paz em nosso
interior, a tarefa será focar nele porções sempre maiores da nossa consciência.
Uma vez dinamizado este centro de paz, ele se tornará cada vez mais
operacional, derramando uma luz diferente sobre os acontecimentos e as relações
na vida diária. As situações agradáveis e desagradáveis já não serão as mesmas,
porque, agora, estaremos observando os acontecimentos com o objetivo de
perceber todo o mecanismo dos conflitos, e deste modo sair do círculo vicioso da insatisfação.
O que você pode fazer, por exemplo, numa situação concreta
de divergência entre pessoas? Pode ser uma discussão no trabalho, ou uma
dificuldade de tomar uma decisão na escola.
Se você está em conflito, então está diante de uma
oportunidade concreta para produzir paz, que é a ecologia dos sentimentos.
“Os desacordos e divergências são muito comuns em todas
as relações humanas”, explicam Sam Deep e Lyle Sussman [1]. “Às vezes podem ser
infrutíferos e destrutivos. Mas é possível seguir algumas indicações para que
não se transformem em experiências desagradáveis”. Veja uma adaptação das sugestões de Sam e Lyle, em
dez pontos centrais:
1) Escute os argumentos da outra
pessoa.
Não precisa aceitar o que está sendo dito; mas escute.
Coloque-o em suas próprias palavras e resuma os pontos de vista da outra parte
para mostrar que você está escutando.
2) Faça perguntas de esclarecimento.
Mas evite perguntas que possam criar uma situação de
maior confronto. E escute bem as respostas.
3) Não fique irritado.
Não importa se a outra pessoa se mostra “completamente
insensível”. Lembre-se: é natural que alguém
se sinta cheio de razão quando trata de defender seu ponto de vista.
4) Expresse sua posição de modo claro
e completo.
Se o outro não está escutando atentamente, lembre-o de
que você foi capaz de escutar, quando era sua vez.
5) Discuta o conteúdo da questão e
padrões de comportamento.
Deixe de lado as emoções destrutivas. Não atribua
intenções à outra pessoa: ela sempre poderá negar o que você diz.
6) Concentre-se sobre o presente.
Não revolva destrutivamente o passado nem dê atenção a
velhos ressentimentos que contaminariam ainda mais o meio ambiente emocional.
Mas tire lições do passado.
7) Pense no futuro.
É produtivo perguntar: “Como poderemos evitar que isso
ocorra de novo?” É como fazer um projeto
de despoluição ambiental.
8) Assuma a responsabilidade pelo
próprio papel no conflito.
Dê o exemplo admitindo uma pequena atitude desnecessária
e errada sua. Observe que a outra pessoa seguirá o exemplo.
9) Faça um resumo das necessidades e
desejos de cada parte.
Descreva a situação com justiça e imparcialidade, levando
em conta os vários pontos de vista. O bom ecologista olha o ecossistema como um
todo.
10) Mantenha a comunicação.
Planeje novos contatos para ver como a situação evoluiu e
as soluções avançaram. Decida falar mais
abertamente sobre os problemas, no futuro.
A atitude ecológica diante da vida é válida para todas as
situações. A não-violência não consiste em uma resistência meramente passiva ao
erro. Ela é ativa e promove o acerto.
Além da violência física, existe a violência emocional e
mental. A não-violência não visa derrotar ou humilhar os oponentes, mas ganhar
sua amizade e compreensão. O ataque não-violento é dirigido contra o erro e não
contra as pessoas que estão fazendo coisas erradas.
No centro do princípio da não-violência estão a
capacidade de amar e a percepção de que o amor é uma lei e uma regra de conduta
a ser seguida impessoalmente, sejam quais forem as circunstâncias. Mesmo nas
ocasiões menos propícias ao seu florescimento, o amor impessoal - único verdadeiro
- estará presente sob a forma de respeito e de uma clara percepção da dignidade
alheia.
A estrutura familiar, cercada hoje de tensões por todos
os lados, é, ainda assim, um cenário de paz, e funciona como o ninho e o refúgio
onde se criam os filhotes da raça humana. É um santuário onde devem morar o
amor, o respeito e a consideração. Mas, isso nem sempre é fácil. Que casal
humano já não teve seus momentos difíceis? John Quesnell dá algumas indicações
sobre como o homem e a mulher podem “discordar agradavelmente”:
Aceite que o conflito é uma coisa normal. Não fique alarmado
quando surgirem diferenças de tempos em tempos.
Fale sobre seus sentimentos em relação à discordância, mas
mantenha-se calmo enquanto estiver expressando suas emoções.
Saiba por que cada um de vocês está irritado ou aborrecido.
Concorde com as soluções realistas que surgirem.
Evite a troca de acusações. Discuta o problema e não os erros
do outro.
Tenha paciência. Não espere milagres da outra pessoa, e dê tempo a você
mesmo para resolver seus problemas.
Mas suponhamos que - por exemplo - um conflito de
gerações apareceu em sua casa.
Seus filhos - ou seus pais - têm valores muito diferentes
dos seus e isto tem trazido conflito. Que fazer? O primeiro ponto é não entrar
em pânico nem perder a calma. O pânico só serve para polarizar o conflito. Além
disso - explicam Peter Buntman e Eleanor Saris - é importante compartir
informações. Seja transparente. Não
julgue o seu filho adolescente, e não faça generalizações apressadas sobre os
seus pais. Finalmente, busque o caminho do diálogo e da negociação. Não lute
com os outros. Lute com seus próprios
defeitos, porque só você poderá mudá-los.
“Se cinco por cento das pessoas trabalharem pela paz,
haverá paz”, diz um slogan bem conhecido
nos meios ativistas. Mas a postura de paz não deverá ser apenas uma
reação à boa educação que se espera dos outros. Como disse um pai a seu filho:
“Trate a todos de modo fraterno e respeitoso, mesmo aqueles que forem
mal-educados com você. Lembre que você não é amável com os outros porque eles são bem-educados, mas porque você
é bem-educado.”
Tudo o que se faz com rancor gera desarmonia. Por isso,
quando ficamos irritados, jamais devemos
descarregar a raiva, o que sempre causará consequências negativas a curto ou
longo prazo. Se você sente rancor, a primeira coisa a fazer é identificar a
fonte da irritação. É o meu chefe que está me tirando do sério? Alguém que está
pisando no meu pé?
O segundo ponto é investigar por que tal atitude ou
circunstância me irrita. Se é meu chefe,
pode ser porque eu me sinto paralisado e incapaz de fazer alguma coisa nesta
situação. Administre a raiva falando serenamente com a pessoa que o irrita. Se
isto for demasiado difícil no momento, escreva-lhe uma carta ou mensagem. A
confrontação não precisa ser agressiva.
Em todas as
situações, devemos operar a partir da percepção do centro de paz em nosso
interior. Este centro de serenidade merece uma atenção específica, já que é a
partir dele que olhamos de modo correto para o mundo externo, com suas
infinitas variações de cenário.
A Arte de Produzir Paz
Expandir o ponto de paz interior não é difícil,
quando há constância e
determinação. Uma prática pessoal eficaz
neste sentido pode ser feita do seguinte modo:
1) Encontre um lugar silencioso, respire profundamente e
relaxe. Se quiser, repita lentamente a palavra “paz” percebendo todo o seu
significado profundo.
2) Associe a palavra e o significado de “paz” a cada
pessoa ou situação que vier a sua mente. Revise situações da sua vida diária,
gerando e derramando harmonia sobre as suas imagens e lembranças.
3) Localize o centro de paz em seu interior. Concentre-se
neste ponto de luz radiante. Mantenha o cérebro físico
calmo, e se possível imóvel. Perceba que as imagens mentais não têm muita
importância quando se está num estado meditativo.
4) Encerre recitando mentalmente um pensamento que
inspire a paz mais profunda que você é capaz de conhecer neste momento. Um exemplo possível: “Meu verdadeiro eu é feito de uma
força eternamente harmoniosa”.
NOTA:
[1] “Peace Ideas”, publicação da Peace Library and
Research Center, The Theosophical Society in the Philippines, Quezon City,
Filipinas, Edição nº 1.
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Uma versão anterior do texto acima foi publicada como capítulo cinco da obra
“Apontando Para o Futuro”, de Carlos
Cardoso Aveline, Ed. PrajnaParamita, 107 pp., Porto Alegre, Brasil, 1996.
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Sobre a proposta original do movimento
teosófico, que envolve o despertar da
humanidade para a lei da fraternidade universal, veja o livro “The Fire and
Light of Theosophical Literature”, de Carlos Cardoso Aveline.
A obra tem 255 páginas e
foi publicada em outubro de 2013 por “The Aquarian Theosophist”. O
volume pode ser comprado através de Amazon Books.
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