25 de novembro de 2013

Resistência à Mudança, em Teosofia

O Preço Que Se Deve Pagar Pela Busca da Verdade

Carlos Cardoso Aveline

 Sigmund Freud (1856-1939): o criador da psicanálise



O conceito de “resistência à mudança” é de origem psicanalítica, mas aponta para a lei do carma e constitui um dos aspectos da psicanálise freudiana que têm importância decisiva em filosofia esotérica. [1] 

Resistência psicológica é o processo pelo qual um indivíduo se opõe de modo direto ou indireto à mudança do seu próprio comportamento para melhor, ou se recusa a recordar, conversar e pensar sobre experiências relevantes para o seu próprio autoconhecimento. 

Quando vista em profundidade, a ideia dos obstáculos internos é cem por cento teosófica.  A resistência é uma expressão da lei do carma em suas operações psicológicas. Ela ocupa lugar de destaque nos textos da escola esotérica criada por H. P. Blavatsky em 1888, e está presente sob outras formas em diversas partes da literatura teosófica. 

A resistência subconsciente à mudança é tanto individual como coletiva. A associação teosófica, a família e todo e qualquer grupo humano devem lutar entre a tendência de renovar-se e a tendência oposta, de negar a necessidade de renovação. Como ocorre em todos os aspectos da vida, um equilíbrio dinâmico entre as duas tendências apontará o melhor caminho a seguir.  

A “Advertência aos Esoteristas”, feita por HPB

Todo contato direto com a sabedoria provoca intensa resistência, interna e externa. Isso é inevitável em teosofia. 

As distâncias geográficas entre os Mestres de Sabedoria e os membros da nossa humanidade não contam. A única distância real existe nos estados de consciência ou estados mentais, e um Mahatma escreveu:

“A Natureza uniu todas as partes do seu Império por meio de fios sutis de simpatia magnética, e há uma relação mútua até mesmo entre uma estrela e o homem; o pensamento corre mais rápido do que o fluido elétrico, e o seu pensamento irá encontrar-me caso seja projetado com um impulso puro (....). Nossa lei manda aproximar-nos de todo aquele que tenha dentro de si ainda que só o mais leve lampejo da verdadeira luz do ‘Tathagata’ (....)”.  [2] 

As afinidades vibratórias definem a vida.  Antes de desejar a sabedoria, devemos fazer por merecê-la.   

O caminho teosófico provoca situações perigosas.  Todo e qualquer esforço feito em uma direção nobre está sujeito à lei da simetria, e cada passo adiante deve ser testado de várias maneiras. É difícil para os seres humanos desenvolver um amor  incondicional à verdade.   Os piores cegos são os que não querem ver, segundo o ditado popular, e eles são numerosos.

Em sua obra monumental “Ísis Sem Véu”, H. P. Blavatsky cita as seguintes palavras de Sergeant Cox:

“Não há falácia mais fatal do que a ideia de que a verdade prevalece por sua própria força, e de que basta ela ser vista para ser aceita. Na realidade, o desejo de encontrar a verdade dos fatos só existe em muito poucas mentes, e a capacidade de discernir a verdade em um número ainda mais reduzido. Quando os seres humanos dizem que estão procurando pela verdade, o que querem  dizer é que estão procurando por evidências para apoiar os seus próprios preconceitos e suas opiniões preconcebidas. Eles veem tudo, e mais do que tudo, o que parece confirmar o que desejam; e são cegos como morcegos para tudo o que contraria suas opiniões.” [3] 

Em linguagem teosófica, alguém que está “em provação” é um estudante que assumiu o compromisso solene perante si de dedicar sua vida à busca da verdade, e Helena Blavatsky escreveu o seguinte, em um texto de cerca de 1890, dirigido a seus estudantes esotéricos:  

“Há uma estranha lei em Ocultismo, que tem sido verificada e comprovada durante milhares de anos de experiência prática; e ela não deixou de operar, quase em todos os casos, durante os quinze anos transcorridos desde que a S. T.  [isto é, o movimento teosófico] existe. Tão logo alguém assume o compromisso como ‘estudante em provação’, certos efeitos ocultos ocorrem. O primeiro deles é a manifestação de tudo o que está latente na natureza do indivíduo: seus erros, seus hábitos, e suas qualidades  ou desejos suprimidos, sejam eles bons, maus ou indiferentes.” [4]

Deste modo emerge a luta probatória entre o amor à verdade e os impulsos inferiores da alma do estudante.

H. P. B. acrescenta:

“Por exemplo, se alguém é um sensualista ou ambicioso, seja por atavismo ou herança cármica, os seus vícios seguramente virão para fora, ainda que até o momento ele tenha tido êxito em reprimi-los. Eles se tornarão inevitavelmente visíveis, e ele terá que lutar cem vezes mais do que antes, até matar todos eles em si mesmo.”

“Matar” tendências destrutivas significa compreendê-las e transcendê-las. H. P. B. prossegue:  

“Por outro lado, se o indivíduo é bom, generoso, casto e abstêmio, ou tem qualquer virtude até aqui latente ou oculta em si, isso irá manifestar-se no exterior de modo tão irreprimível como o resto. Um homem da sociedade que odeia ser considerado um santo e portanto assume uma máscara, não será capaz de ocultar sua verdadeira natureza, seja ela nobre ou não. ESTA É UMA LEI IMUTÁVEL NO DOMÍNIO DO OCULTO. Seus efeitos serão tanto mais fortes quanto mais for intenso e sincero o desejo do candidato à sabedoria, e quanto mais profundamente ele tiver sentido o significado e a importância do seu compromisso.” 

O autoconhecimento é a meta, segundo H. P. B. explica:

“O antigo axioma oculto, ‘Conhece a ti mesmo’, deve ser algo familiar para cada membro desta Escola; mas poucos compreenderam o significado real desta sábia exortação do oráculo de Delfos. Todos vocês sabem dos seus ancestrais terrestres, mas quem entre vocês já localizou todas as ligações hereditárias, astrais, psíquicas e espirituais que fazem o que vocês sejam o que são? Muitos escreveram sobre seus desejos de unirem-se a seus Eus Superiores, mas ninguém parece saber do vínculo indissolúvel entre os seus ‘Eus Superiores’ e o SER Único Universal.”

Cada estudante deve estar preparado.  Durante algum tempo, é inevitável haver uma intensa luta entre aquela parte do nosso eu inferior que é leal à alma imortal, e aquela parte que não tem o mesmo compromisso. 

NOTAS:

[1] Como ciência do eu inferior e suas ilusões, a psicanálise de Sigmund Freud  tem muito em comum com a filosofia esotérica. Sua visão sobre um eu superior, no entanto, parece limitada a vislumbres ocasionais. Embora exista, sua percepção do mundo da alma imortal é principalmente implícita e ocorre através da Ética e do amor à verdade. Em Erich Fromm, os elementos teosóficos são muito mais numerosos. Fromm fez vários estudos interdisciplinares, inter-religiosos e budistas, e escreveu obras a respeito. 

[2] “Cartas dos Mahatmas para A. P. Sinnett”, Ed. Teosófica, vol. I, pp. 217-218.

[3] Sergeant Cox, citado por Helena Blavatsky  em “Isis Unveiled”, Theosophy Co.,  Los Angeles, volume I, p. 615. Veja outra tradução destas palavras na  edição brasileira de “Ísis Sem Véu”, Ed. Pensamento, volume II, p. 283.

[4] “Collected Writings”, H. P. Blavatsky, T. P. H., volume XII, pp. 515-516.

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Uma versão do texto acima foi publicada na edição de novembro de 2013 da publicação mensal “The Aquarian Theosophist”, sob o título “Resistance to Change in Theosophy”.

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Sobre o mistério do despertar individual para a sabedoria do universo, leia a edição luso-brasileira de “Luz no Caminho”, de M. C.


Com tradução, prólogo e notas de Carlos Cardoso Aveline, a obra tem sete capítulos, 85 páginas, e foi publicada em 2014 por “The Aquarian Theosophist”.

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