Refletindo Sobre a Escolha da Palavra Certa
Carlos Cardoso Aveline

Desde a segunda metade do
século 20, a necessidade de escolher entre os termos “teósofo” e “teosofista” tem
inspirado ocasionalmente algum debate no mundo lusófono.
Há teosofistas
que preferem usar o termo “teósofo”, e alguns pensam que só esta palavra é
adequada. Alegam que “teosofista” é uma tradução demasiado literal do inglês -
“theosophist” - e que em português o termo mais correto seria “teósofo”, equivalente
à palavra “filósofo”.
Para
examinar serenamente a questão, vale a pena levar em conta em primeiro lugar o
fato de que inúmeros termos da filosofia teosófica estão sujeitos a ser
qualificados de anglicismos, isto é, de expressões transplantadas do inglês. E
há motivos reais para isso. A teosofia moderna surgiu, de fato, em língua
inglesa. Ainda hoje a literatura teosófica é imensamente mais forte em língua
inglesa do que em qualquer outro idioma. A influência do inglês nos termos
teosóficos é, pois, enorme e inevitável.
Em segundo
lugar, cabe registrar que, se em inglês o termo é “theosophist”, esta não
foi a única opção disponível para os principais fundadores do movimento
esotérico moderno - Helena Blavatsky, Henry Olcott, William Judge - e mesmos
para os Mestres de Sabedoria que supervisavam de perto a criação do movimento
teosófico em 1875.
É
inegável que a teosofia tem muito em comum com a filosofia, e H.P. Blavatsky poderia
ter designado o membro do movimento teosófico como “theosopher”, em
inglês, o que seria linguisticamente coerente com “philosopher”, isto é,
“filósofo”.
Neste
caso, nós teríamos tido “theosopher” em inglês, a língua-mater do
movimento. A tradução para “theosopher” teria sido “teósofo”, assim como a
tradução de “philosopher” é “filósofo”.
Implícita
ou explicitamente, porém, optou-se, em 1875, por incluir a componente
ativista, a ideia da defesa ativa dos princípios da filosofia
teosófica -; esta ideia está presente no sufixo “phist”, mas não tanto
no sufixo “pher”. E escolheu-se a palavra “theosophist” ao invés
de “theosopher”.
Quem
pode alegar que Helena Blavatsky e os outros fundadores erraram ao optar pelo
termo “theosophist”?
Cabe
acrescentar, por outro lado, que os especialistas e estudantes de inúmeras
áreas científicas são chamados em inglês por termos que terminam com o sufixo “ist”,
como é o caso de “physicist”, “físico”, o conhecedor da Física.
Em português,
várias destas áreas de conhecimento dão lugar a termos que terminam com o sufixo
“ista”. É o caso, entre muitos exemplos, do médico “otorrinolaringologista”,
ao qual ninguém se refere, no Brasil, pelo menos, como “otorrinolaringólogo”.
É
verdade que temos o termo técnico “odontólogo”. Mas usamos de fato o
termo popular “dentista”. E os exemplos são vários, e eles recomendam
flexibilidade.
Deve-se
registrar que, em português brasileiro, a terminação “ólogo” ou “ósofo”
também parece possuir uma acepção ou tonalidade pretensiosa, como se o
indivíduo que usa este título pretendesse assumir a atitude de um profundo
conhecedor, um “doutor” na matéria.
Em
compensação, “teosofista” também tem suas desvantagens. A prática demonstra que
não há palavras perfeitas, mas, se o pensamento for lúcido, haverá compreensão.
O
movimento teosófico, nos países ibéricos, tem uma influência francesa
inegavelmente maior. Em francês, a palavra para teosofista é “théosophe”,
que corresponde a “teósofo”. Na América do Sul, em compensação, a
influência norte-americana é mais forte. Como os Estados Unidos são o berço do
movimento teosófico, e também são o país em que o núcleo de teosofia autêntica
e original foi melhor preservado, podemos encarar esta influência como algo que
é perfeitamente aceitável.
O
processo cultural dos Estados Unidos (muito próximo do processo do Reino Unido)
está relacionado com o núcleo preparatório da sexta sub-raça da nossa quinta
raça-raiz, e por isso é natural que esteja - com seu idioma predominante, o
inglês - na vanguarda da civilização. Do ponto de vista da filosofia esotérica,
não há nada de surpreendente nisso. Ao mesmo tempo, a Índia está na base e no alicerce
da evolução humana, porque é o berço e o centro de toda a quinta raça-raiz, que
abrange basicamente a humanidade inteira. Na Índia de hoje também é
predominante o uso da língua inglesa.
Já
que a literatura da filosofia esotérica é muito maior e mais completa em inglês
do que em qualquer outro idioma, o movimento teosófico não é prejudicado pelo
fato de que, a cada dia que passa, o idioma coloquial falado em qualquer país
do mundo parece ser mais e mais influenciado pelo idioma inglês.
A Loja
Independente de Teosofistas, LIT, aceita ambas as designações, teósofo
e teosofista. Não vemos motivo para uma grande polêmica, assim como não
há notícias de amargas discussões entre aqueles que preferem o termo odontólogo
e aqueles que usam a palavra dentista. É oportuno tomar uma posição
inclusiva. Considerar os dois termos como corretos constitui um exercício saudável
de flexibilidade mental, e este exercício é possível não só nos países de fala
portuguesa, mas, também, nos países de fala hispânica. Em espanhol, usa-se
quase em todos os casos o termo “teósofo”. No entanto, o “Diccionario
de la Real Academia” - principal dicionário da língua - menciona a palavra “teosofista”
como uma alternativa correta e aceitável.
Estudar
vivencialmente a filosofia esotérica - ou teosofia - é um processo complexo e
abrangente.
É
algo que implica desenvolver passo a passo uma capacidade de ter clareza mental
sem apego impensado a esta ou aquela palavra. Cabe usar as palavras corretamente,
lembrando que elas são instrumentos valiosos, mas limitados.
É
recomendável ter plena atenção, para perceber em que sentido as palavras são
usadas. E também devemos possuir uma certa grandeza interior, para fazer delas
pontes, que unem, e não muros, que separam.
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Em setembro de 2016, depois de cuidadosa análise da situação
do movimento esotérico internacional, um grupo de estudantes decidiu formar a Loja
Independente de Teosofistas, que tem como uma das suas prioridades a construção de um futuro melhor nas
diversas dimensões da vida.
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