Todo Ensino e Aprendizado
Verdadeiros
Têm Como Base a
Autonomia do Aprendiz
Carlos Cardoso
Aveline
“Ensinar não é transferir
conhecimento, mas criar as
possibilidades para a sua
própria produção ou a sua construção.”
Paulo Freire
Com frequência, estudantes escrevem aos editores dos nossos websites
associados para fazer um par de perguntas cuja importância é fundamental.
Eles querem saber qual
é o melhor método para estudar teosofia. Desejam conhecer a sequência mais adequada
de textos, em suas leituras de filosofia esotérica.
Nem todos ficam
entusiasmados com a resposta: no aprendizado, a independência é tão importante quanto
a ajuda mútua. A sabedoria só pode ser alcançada por decisão própria. O poeta
espanhol Antonio Machado explicou em um poema:
“Caminante no hay
camino, se hace camino al andar.” [1]
De fato, não há um
programa de estudos eficiente para todos. O caminho e a aprendizagem corretos são
feitos “ao andar”, e acontecem a cada passo. Internamente, o caminho da
sabedoria universal é um só. Mas, no mundo externo, cada estudante deve
construir com independência sua própria trajetória para chegar ao conhecimento.
Em “A Voz do Silêncio”, de Helena Blavatsky, encontramos esta advertência:
“Prepara-te, pois
terás de viajar sozinho. O Instrutor só pode apontar o caminho. O Caminho é um
para todos, os meios para chegar à meta devem variar de acordo com os
peregrinos.” [2]
Assim, não é possível
dizer às pessoas exatamente o que elas devem ler, ou como devem estudar. A
tarefa pedagógica da teosofia original consiste em dar elementos para que cada
estudante construa o seu próprio modo e método de estudo.
Enquanto as mais
diversas seitas e igrejas estimulam a crença cega, o caminho da filosofia aponta
para a direção correta. Os grandes sábios de todos os povos ensinaram, e
ensinam, que é necessário compreender a vida por mérito próprio. A busca da
verdade deve estruturar-se de dentro para fora na mente e no coração de cada estudante.
O pensador brasileiro Paulo Freire expressou o método filosófico quando escreveu:
“Ensinar não é
transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria
produção ou a sua construção.” [3]
E Freire acrescentou:
“O respeito à
autonomia e à dignidade de cada um é um imperativo ético e não um favor que
podemos ou não conceder uns aos outros.” [4]
A ajuda mútua é
fundamental, mas, ao mesmo tempo, cada um deve saber pensar por si. Por isso um
dos lemas dos nossos websites associados é “independência solidária”. No mundo
teosófico não há lugar para clero, sacerdotes, rituais, gurus e mestres que
pensam e decidem por seus discípulos transformados em cordeiros.
A teosofia mostra a
falsidade da figura do “intermediário”. O impulso em busca do conhecimento
filosófico deve ser individual, porque a responsabilidade cármica diante da
vida pertence a cada um e não pode ser transferida para alguma organização ou
líder. Embora a motivação teosófica seja altruísta e solidária, a tomada de
decisão e a responsabilidade devem ser predominantemente individuais.
O estudo da filosofia
teosófica provoca uma expansão de consciência que não pode ser alcançada
através da crença em salvadores externos. O ponto de vista correto para
compreender o ensinamento surge gradualmente. A intenção eficiente emerge ao
lado do discernimento. A habilidade de diferenciar o verdadeiro do falso resulta
da prática de “tentar repetidamente o melhor, aprendendo com a observação dos
resultados”.
Ao entrar em
contato com nossos websites associados,
o estudante deve ler livremente o que mais chama a atenção. É correto observar quais
são os textos e autores que despertam em sua consciência um sentimento de proximidade
interior. As decisões sobre o rumo do estudo devem ser guiadas pelo critério da
afinidade.
Para que a
informação se transforme em conhecimento, ela deve ser testada e confirmada
vivencialmente. A preguiça mental é um dos obstáculos a serem vencidos, mas há
também a preguiça emocional. É preciso estabelecer uma relação transformadora
entre a leitura e a vida diária do estudante, e isso ocorre pouco a pouco. É deste
modo que o indivíduo vê abrir-se, diante de si, o caminho do autoconhecimento,
da autodisciplina e da autolibertação.
Ao estudar
teosofia, devo perguntar-me de que modo ela muda a minha vida para melhor. A
resposta nem sempre será óbvia, porque o progresso é homeopático e, no começo, quase
imperceptível.
A teosofia ensina a
viver com sabedoria, mas o despertar acontece pouco a pouco. Progressos espetaculares
são enganosos. É útil comprar um caderno para fazer anotações e registrar a
data em que cada reflexão é feita. Com o tempo, será possível observar um aprendizado
real, que na maior parte das vezes não tem nada de espetacular, mas cura e
liberta. Vale a pena examinar regularmente quais princípios e preceitos já são
sabidos e praticados; e quais, entre eles, são já compreendidos, mas ainda falta
vivenciar. A aprendizagem interior ocorre em silêncio, e os desafios e
obstáculos são mais fáceis de ver do que o progresso durável que está sendo
feito.
É indispensável pensar
no significado da expressão “colocar algo em prática”. Nem tudo que é real ocorre
no plano físico. O calmo estudo das leis universais é algo muito prático, embora
não pareça. A reflexão filosófica deve ser realizada diariamente, porque torna
possível a abertura de circuitos mais amplos de percepção e ação cerebral. Ela capacita
o indivíduo para ouvir e compreender a sua própria alma imortal, cuja voz
silenciosa não necessita de palavras.
Cabe a cada
estudante de teosofia evitar as receitas prontas. Quais são os livros e artigos
de teosofia que despertam o melhor e o mais elevado dentro de si? Pode ser o
“Dhammapada” budista. Ou talvez os Aforismos de Ioga de Patañjali, ou os textos
curtos de H. P. Blavatsky, Robert Crosbie, John Garrigues e William Judge. Talvez
a consciência seja mais fortemente ampliada pela leitura dos artigos sobre a
mudança planetária; ou sobre a história do movimento teosófico. Estas e outras áreas
temáticas são objetos de estudo diário no e-grupo SerAtento. Todas elas são necessárias: mas o estudante deve
perceber qual é, para si mesmo, a sequência natural de prioridades. Deste modo ele
cria o seu jeito próprio de buscar a verdade através da teosofia clássica.
A filosofia
esotérica original apenas indica o caminho em termos gerais. Ela dá a
chave-mestra para abrir a porta que leva à sabedoria. Ela permite chegar a um
ponto de vista a partir do qual é possível compreender as filosofias e
tradições culturais de todos os povos e de todas as épocas. Neste processo, é
válido o método Paulo Freire da autonomia do aprendiz.
Cada um deve ser, basicamente,
seu próprio mestre e seu aluno. Aprender e ensinar são dois processos
inseparáveis, e eles acontecem graças à solidariedade natural que existe entre todos
os seres.
Ninguém sabe tanto
que já não precise aprender algumas lições fundamentais sobre a arte de viver.
Ninguém é tão ignorante que não tenha algo de valioso para ensinar aos outros. Mas
é recomendável examinar a seguinte pergunta:
“O que é mais
importante para mim: aquilo que penso que já sei, ou aquilo que ainda não sei,
mas posso aprender?”
A teosofia flui
livremente para os que aprendem por mérito próprio, compartilhando com os outros
as lições da caminhada.
NOTAS:
[1] “Caminhante, não há caminho, o
caminho se faz ao andar.”
[2] Ver o segundo parágrafo do
Fragmento III (Parte III) de “A Voz do Silêncio”. A obra, traduzida e comentada
por H. P. Blavatsky, está disponível em PDF em nossos websites.
[3] “Pedagogia da Autonomia”, Paulo
Freire, Ed. Paz e Terra, nona edição, 1998, edição de bolso, 165 pp., ver p.
52.
[4] “Pedagogia da Autonomia”, Paulo
Freire, p. 66.
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Sobre o mistério do despertar individual para a sabedoria do universo, leia
a edição luso-brasileira de “Luz no
Caminho”, de M. C.
Com tradução, prólogo e notas de Carlos Cardoso Aveline, a obra tem sete
capítulos, 85 páginas, e foi publicada em 2014 por “The Aquarian Theosophist”.
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