O Exame de um
Fragmento
Iniciático de
Helena P. Blavatsky
Carlos Cardoso Aveline
Carlos Cardoso Aveline
A fundadora do movimento esotérico moderno escreveu
dezenas de volumes de grande porte. Mas a quantidade não é o mais importante. É
a profundidade que chama a atenção.
Os textos de H.
P. Blavatsky possuem diversos níveis de significado, e o leitor só pode
descobri-los gradualmente, conforme aumenta o seu grau de discernimento.
Há muito por perceber
nas entrelinhas. O estudante é convidado a ler os livros de HPB com a alma. Isso
fará com que ele passe por uma experiência de expansão de consciência ao longo
da qual não faltarão desafios. As descobertas que faz transformam a sua vida, ainda que ele não
queira.
À medida que o
mais elevado se expande, o que é inferior se desinfla e deixa de existir, para
decepção de quem se apegava ao passado. Cada trecho vivenciado do ensinamento teosófico
amplia os horizontes, e faz isso de uma maneira nem sempre agradável, porque
destrói as ilusões prediletas do eu inferior. Em compensação, o indivíduo
começa a compreender o mistério do tempo
eterno, e rompe-se diante dele a prisão do tempo de curto prazo.
Em “Ísis Sem
Véu” há um fragmento iniciático em que H.P. B. escreve a respeito do
futuro. O trecho merece ser tema de uma
reflexão. Ele transmite uma visão clara do conceito teosófico de Tempo, e
esclarece a relação entre presente, passado e futuro.
H. P. B. diz:
“De acordo com a
doutrina cabalística, o futuro existe na luz astral em embrião, assim como o
presente existiu em embrião no passado. O homem é livre para agir como quiser,
mas a maneira como ele agirá pode ser conhecida o tempo todo, não com base em
fatalismo ou na ideia de destino, mas simplesmente devido ao princípio da
harmonia universal e imutável, do mesmo modo como se pode prever que, quando
uma nota musical é tocada, as suas vibrações não podem se transformar, nem se
transformarão, nas vibrações de qualquer outra nota.” [1]
Ao examinar este
trecho, é possível tirar conclusões práticas.
Em primeiro
lugar, a tarefa de cada indivíduo que busca a sabedoria não é um esforço por
“mudar a si mesmo” como quem altera a fachada de um prédio e a pinta com cores mais
agradáveis para obter o aplauso dos outros.
A tarefa é aumentar
a ligação com a sua própria nota-chave essencial. Isso irá romper vários tipos
de rotina ao seu redor e desagradará a mais de uma pessoa. Ele deve ouvir o “som do silêncio” e aprender
com a voz sem palavras do seu mestre interno, o eu superior, a alma imortal. A meta
da aprendizagem teosófica é fazer soar a nota-chave que expressa este processo
de despertar. A filosofia esotérica
ensina que, assim como há sete notas na escala musical, também existem sete níveis
de vibração na alma humana.
A vida é como a
música dos pitagóricos.
Cada vez que
alguém passa a fazer soar a sua própria nota-chave, ainda que no início fracamente,
todas as outras notas começam a reagir e a adequar-se ao fato novo que está
surgindo do centro da aura do indivíduo.
O processo de
adaptação inclui resistências. Há boicotes subconscientes e semiconscientes. Há
sofrimento. Há desafios. O aprendizado é probatório. É experimental. Tudo nele
precisa ser testado mais de uma vez. As derrotas são parte importante da alquimia
do aprendizado. O indivíduo avança
melhor quando observa serenamente o conjunto da vida em seus vários níveis de
consonância e dissonância. Ele fortalece sua vontade tentando o melhor em
condições pouco favoráveis. Não há outro caminho a seguir, porque, quando as
condições são agradáveis, a sua vontade geralmente perde força.
Nada existe
separado. O processo individual está inevitavelmente ligado ao carma coletivo
e, assim, o altruísmo é indispensável. Não pode haver autolibertação sem um
projeto solidário. Todos os seres estão unidos pelos fios invisíveis do carma.
É ajudando que se é ajudado. Sem
altruísmo não é dado um só passo à frente.
O individual e o
coletivo estão ligados em harmonia nos níveis superiores de consciência. Só os cegos espirituais não sabem disso. Uma
das funções do movimento teosófico é mostrar a ligação direta que há entre a
felicidade individual e a felicidade de todos os seres, e desfazer a ilusão da “felicidade
egoísta”. O dever do movimento teosófico
é tocar coletivamente uma nota elevada da consciência humana. O nome técnico
desta nota-chave, na filosofia esotérica oriental, é “buddhi-manas”.
As notas
dissonantes que vemos no mundo externo, tanto individual como coletivo, são
necessárias para comprovar a solidez da força com que surge a nova consciência.
Estamos no início do despertar humano. No começo, as notas dissonantes fazem mais
barulho que a nota-chave elevada. O que
falta às notas dissonantes, porém, é
consistência. E também durabilidade. A nota-chave não faz barulho, mas ela vence,
porque é imortal e pode esperar que a ignorância perca sua força.
Cabe ao
estudante de teosofia ter, portanto, uma visão de longo prazo, e desenvolver a
determinação necessária para plantar bom carma no presente, mesmo tendo que
avançar contra a correnteza. As sementes de futuro podem ser percebidas no instante
do agora, através da simples observação do que estamos plantando.
Passado,
presente e futuro são partes inseparáveis de um mesmo conjunto, e H.P.
Blavatsky escreveu:
“... A
eternidade não pode ter passado ou futuro, mas apenas o presente, assim como o
espaço infinito, no seu sentido estritamente literal, não pode ter lugares
próximos nem distantes. As nossas concepções, limitadas à área estreita da
nossa experiência, tentam localizar, se não o final, pelo menos um começo do
tempo e do espaço; mas nem o início nem o final existem em realidade, porque se
existissem o tempo não seria eterno, nem o espaço seria ilimitado.”
Blavatsky prossegue:
“O passado e o
futuro não podem existir exceto precariamente (....). Só nossas memórias
sobrevivem; e nossas memórias são apenas vislumbres que obtemos dos reflexos
deste passado nas correntes da luz astral (...).” [2]
O que se pode fazer
diante do mistério do tempo ilimitado?
O indivíduo deve
deixar que despertem em si mesmo os princípios superiores da consciência humana.
São eles que lhe darão os meios práticos de ter acesso direto ao tempo e ao
espaço infinitos.
Pouco a pouco, ele
perceberá melhor as relações cíclicas entre o presente, o passado e o futuro. Pagando o preço de buscar a sabedoria e
deixando que morram aos poucos as suas ilusões, ele reconhecerá o tempo e o
espaço infinitos como a grande essência universal que anima e transcende cada
forma de vida.
NOTAS:
[1]
“Isis Unveiled”, Theosophy Co., Los Angeles, volume I, p. 184. Outra tradução pode ser encontrada na versão
brasileira da obra: “Ísis Sem Véu”, Helena P. Blavatsky, Ed. Pensamento, edição
em quatro volumes, ver volume I, p. 249.
[2]
Ver “Isis Unveiled” e “Ísis Sem Véu”, nas mesmas
edições, volumes e páginas citados na nota anterior.
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Sobre
o mistério do despertar individual para a sabedoria do universo, leia a edição
luso-brasileira de “Luz no Caminho”,
de M. C.
Com tradução,
prólogo e notas de Carlos Cardoso Aveline, a obra tem sete capítulos, 85
páginas, e foi publicada em 2014 por “The
Aquarian Theosophist”.
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