26 de outubro de 2014

A Experiência Direta do Sagrado

Autoesquecimento e Simplicidade
Pessoal Produzem Bem-Aventurança

Carlos Cardoso Aveline




A busca da sabedoria é uma coisa, e a busca do sagrado é outra.

A sabedoria está implícita na percepção do sagrado. A percepção do sagrado está implícita na sabedoria. Ainda assim, são duas coisas diferentes. É mais fácil falar da sabedoria.

Se experimentamos diretamente o que é divino, podemos sentir que dizer qualquer coisa a respeito, mesmo para nós mesmos e apenas em pensamento, seria um modo de perder a  sintonia com a energia do sagrado, e de distorcê-la. 

É desta maneira que os reais segredos são mantidos. Eles pertencem a seus próprios níveis de consciência e não podem ser transportados ou traduzidos para dimensões mais grosseiras. Seria o mesmo que pretender fritar neve, ou prender ar puro em um quarto pequeno com portas e janelas fechadas. Há uma diferença entre ver diretamente o nascer do sol e olhar para uma foto do sol, tirada quando ele estava surgindo no horizonte. 

Além disso, a experiência direta do mundo sagrado é uma coisa, e a maneira como ela vem até o buscador é outra coisa. Na escada entre céu e terra, algumas energias sobem, outras descem. 

Quando a experiência do sagrado vem até alguém, ela responde ao bom carma da busca realizada, e usa a energia criada pelo esforço na direção do mais alto; mas a usa de uma maneira inesperada e transcendente. 

O sentimento do sagrado sugere para cada buscador algo que lhe é familiar. Trata-se de um sentimento íntimo. Ele ocorre no nível mais interno e verdadeiro do “eu”. A pessoa em seguida sabe que não poderia explicar esta experiência para mais ninguém. Ao mesmo tempo, a experiência sagrada traz consigo mudanças e potencialidades que fluirão de modo natural desde o interior da sua própria alma. 

O convívio com o sagrado dá a você um sentido de paz e de força. Desperta-lhe uma humildade, uma satisfação de ser pequeno.  A humildade é irmã da sabedoria eterna e faz com que tenhamos um sentido ilimitado de tempo. 

A humildade no caminho espiritual decorre do fato de que nosso contato consciente com o infinito depende de uma certa renúncia. O eu inferior pode perceber sem intermediários as dimensões sagradas da vida. Para isso, no entanto, ele deve  transcender os acontecimentos de curto prazo e  expandir sua visão da evolução da alma de modo a reconhecê-la como um processo de milhões de anos. 

O estudo do céu desde um ponto de vista teosófico possibilita esta expansão. A infinitude ocorre no espaço, assim como ocorre no tempo. A teosofia original prepara os seus estudantes para a compreensão da Lei eterna e os capacita a deixar de lado a ilusão.

A observação da vida como um processo de milhões de anos desenvolve o autoesquecimento e a simplicidade pessoal, sentimentos que frequentemente se manifestam como devoção.  A ausência de egocentrismo leva o peregrino a um nível de percepção da vida em que há uma liberdade ilimitada para plantar o bem. O medo e a ansiedade tendem a desaparecer. Mas há sempre ilusões a evitar. 

O Sagrado, o Sacrifício e a Bênção  

Uma vez que decidimos viver na presença interior do que é sagrado, nossa ingenuidade pode levar-nos a pensar que teremos direito a um pouco de conforto e estabilidade ao nosso redor. 

Na verdade,  o próprio fato de que alguém tenta viver na presença divina é mais do que suficiente para provocar uma espécie de “febre probatória”, que atinge não só o  processo do seu carma individual, mas também o seu carma familiar, o carma do seu casamento, de suas relações pessoais e vários níveis do carma coletivo de que o peregrino espiritual é parte. Até mesmo o carma de um país é afetado, quando nele brilha uma nova luz espiritual, mesmo pequena. 

Por isso o caminho da sabedoria é descrito como desconfortável. Qualquer caminho muito cômodo, caso seja descrito como “espiritual”, é falso e consiste em uma armadilha. 

Aquele que busca pela sabedoria pode ser capaz de dar alguma paz aos outros, mas não é necessariamente provável que tenha paz para si mesmo, exceto no plano interno. E isso é suficiente, quando a alma tem a experiência necessária. 

Em todas as situações, as expectativas pessoais levam à derrota, enquanto o cumprimento impessoal do dever produz a bênção da vitória interior. 

Os que buscam a felicidade exclusivamente em coisas exteriores estão equivocados, e os que a buscam somente no mundo interior também estão.  A bem-aventurança não pode ser encontrada exclusivamente “dentro” ou apenas “fora” de si mesmo. A experiência direta do sagrado resulta de um tipo de diálogo entre as dimensões “internas” e “externas” da vida, no qual o sentido de separação entre as duas coisas é eliminado gradualmente.  

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Uma versão inicial do texto acima foi publicada na edição de novembro de 2013 de “O Teosofista”.

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Sobre o mistério do despertar individual para a sabedoria do universo, leia a edição luso-brasileira de “Luz no Caminho”, de M. C.


Com tradução, prólogo e notas de Carlos Cardoso Aveline, a obra tem sete capítulos, 85 páginas, e foi publicada em 2014 por “The Aquarian Theosophist”.

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