Um Poema Sobre Pralayas e Manvântaras
Augusto de Lima
Páginas de Abertura
da obra “Poesias”, de 1909
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Nota Editorial:
A filosofia esotérica ensina que
o universo,
assim como os planetas e os
sistemas solares,
passa por períodos alternados de
manifestação
e não-manifestação no plano
físico. Isso
equivale a dizer que os planetas
e o próprio
universo experimentam processos
equivalentes
à reencarnação, isto é, eles
passam de tempos em
tempos por uma morte e uma
ressurreição. Estes
períodos - pequenas eternidades -
são abordados na
obra “A Doutrina Secreta”, de
Helena Blavatsky.
Eles são chamados de manvântara (tempo de
manifestação externa) e pralaya (tempo de repouso).
Para a teosofia original, esta
manifestação periódica
é uma lei da natureza - a lei dos
ciclos. Um aspecto
dessa lei foi teorizado pelo
físico do século vinte
David Bohm, que escreveu sobre
duas condições
alternadas dos fenômenos físicos:
a “ordem implícita”,
correspondente ao pralaya, e a “ordem explícita”,
correspondente ao manvântara. Em astronomia, o
conceito bem conhecido de
“big-bang” - a grande
expansão que teria dado origem ao
universo atual - é
complementado por outro conceito
menos famoso,
o
“big crunch”, o “grande esmagamento”, que
corresponde à passagem para um pralaya
ou período
de repouso do universo e de todos
os seres. Este é
o assunto do poema a seguir, de
Augusto de Lima.
Cabe comentar o motivo pelo qual
o poema
se refere à matéria como “mãe da
vida”. Para a
tradição esotérica oriental, é
“Maya”, a matéria sutil, o
akasha, que - a partir da sua relação com o Espírito
- dá
lugar à existência física e à
vida tal como a conhecemos.
Por isso, na lenda budista,
“Maya” é o nome da mãe de
Gautama, o Buddha. A matéria
primordial - mula-prakriti,
Maya, a “virgem Maria” -
corresponde à figura da mãe.
O Espírito é visto,
simbolicamente, como o pai. Há uma
complementaridade criativa entre
o espírito e a matéria
sutil, que é “virgem”. Os dois são eternos e, graças à sua
interação, o mistério da evolução pode nascer
uma e outra vez.
No quarto verso, vemos uma alteração
da ordem das palavras
para garantir a rima que faz do
poema um mantra. O significado
real é “há de volver à velha escuridão do caos
[primordial].”
Acrescentamos algumas notas explicativas.
(Carlos Cardoso Aveline)
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O Último
Dia
Um dia decomposta, exânime [1], inanida [2],
como um
astro a rolar da túrbida [3]
amplidão,
a
Matéria senil, a grande mãe da Vida,
há de
volver do caos à velha escuridão.
Cataclismo
inaudito! o forte alento de aço,
que
outrora do universo o peito rude enchera,
em
átomos desfeito há de rugir no espaço,
em
delírio feroz de rábida [4] pantera.
De um
gelado terror a lívida mortalha
então
envolverá a imensidade etérea ...
e um
súbito estampido, igual ao da metralha,
romperá
do profundo abismo da Matéria!
Orbes,
constelações, moléculas do Imenso,
que do
espaço habitais o páramo [5]
profundo,
até vós
subirá um negro vapor denso,
formado
do bramido estupendo do mundo.
Quebrado
já por fim o equilíbrio e apagadas
as luzes
siderais, um torpor tenebroso
largas
asas de chumbo, atrozes e pesadas,
abrirá
sobre o caos horrendo e silencioso ...
Mas
apenas soar a hora do Incriado
no
relógio infinito [6] a voz das
criações,
surgirá
soluçando um portentoso brado
do caos,
a se estorcer [7] em novas
convulsões!
É que
então, Natureza, um novo monstro geras
no
ventre maternal, um mais heróico feto
do que
esses que geraste em perpassadas eras.
……………………………………………….
E teu
parto será mais belo e mais completo.
NOTAS:
[1] Exânime: desmaiada, desfalecida,
aparentemente morta.
[2] Inanida: em estado de inanição,
extenuada.
[3] Túrbida: sombria, escura, turva.
[4] Rábida: raivosa.
[5] Páramo: planície deserta.
[6] Planetas, sistemas solares e
galáxias giram em torno dos seus eixos centrais, como ponteiros de diferentes
relógios que flutuam no cosmo. O universo poderia ser definido como um relógio
infinito.
[7] Estorcer: torcer com força,
contorcer.
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O poema acima, intitulado “O Último Dia”, foi reproduzido do
volume “Poesias”, Augusto de Lima, Editora H. Garnier, Rio de Janeiro / Paris,
1909, 300 pp., ver pp. 81-82. A ortografia foi atualizada.
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Para conhecer um diálogo
documentado com a sabedoria de grandes pensadores dos últimos 2500 anos, leia o
livro “Conversas na Biblioteca”, de
Carlos Cardoso Aveline.
Com 28 capítulos e 170 páginas, a
obra foi publicada em 2007 pela editora da Universidade de Blumenau,
Edifurb.
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