Henrique Luiz Roessler Abriu Caminho
No Brasil Para a Defesa do Ambiente Natural
Carlos Cardoso Aveline
Foto
do primeiro semestre de 1954: Roessler, à direita,
junto
a armas e munições apreendidas de caçadores ilegais
Henrique Luiz Roessler (1896-1963) dedicou sua vida desde 1939 à
luta contra a pesca ilegal, o desmatamento, a caça clandestina e a poluição.
Contador de profissão, imprimia milhares de folhetos sobre a
proibição da caça. Em 1944, foi nomeado delegado florestal no Rio Grande do
Sul, cargo não remunerado.
A pioneira Delegacia Florestal tinha sede em São Leopoldo e chegou
a contar com 400 guardas voluntários espalhados pelo território gaúcho.
Roessler incomodava setores influentes da sociedade, até que na metade da
década de 1950 a pressão de madeireiros, caçadores e poluidores industriais
chegou a um ponto de não-retorno. Numa tentativa de neutralizá-lo, Roessler foi
destituído do cargo de Delegado Florestal sob a estranha alegação de que “não era
possível trabalhar gratuitamente para o governo”. Como resposta, ele fundou em
janeiro de 1955 uma das organizações ambientalistas mais antigas do país, a
União Protetora da Natureza, UPN.
Roessler foi um místico da natureza. Era um contemplativo e, ao
mesmo tempo, um homem de ação. Em crônicas semanais no jornal “Correio do
Povo”, de Porto Alegre, usava uma linguagem irreverente contra os infratores da
legislação ambiental. Seu trabalho preparou o surgimento de uma nova etapa do
movimento ecológico e da consciência ambiental brasileira a partir de 1971. Seu
exemplo pessoal de bravura, de ética e integridade ainda brilha hoje, e pode
inspirar futuras gerações. A seguir, uma breve entrevista com Roessler através
dos seus escritos. [1]
Henrique
Luiz Roessler, em torno dos 50 anos de idade
1) Você é um homem de
contrastes. Foi um místico e um guerreiro. Passava noites em claro no meio de
bosques, para surpreender caçadores clandestinos. E sempre lhe faltou paciência
para lidar com a demagogia. Como você vê a atitude dos políticos
profissionais?
Vivemos na idade dos anúncios bombásticos, da superficialidade e
das expressões inchadas, das palavras infladas de mentiras, do fraseado
oco. Isso é algo que temos de
considerar, quando ouvimos as palavras “proteção à natureza”. Tanto se fala e escreve sobre ela que vale a
pena perguntar: “Não será tudo fanfarrice, jactância? Temos realmente uma
proteção à natureza ou tudo não passa de uma bonita formulação de palavras? Se
a temos realmente, valerá mesmo alguma coisa? Ou é somente um expediente falso,
um pretexto para justificar gastos de verbas, uma passagem para a ruína, um
último constrangimento, um espernear, uma agonia de morte?”
2) Como você encara a
comemoração anual do Dia da Árvore, em setembro?
Em vez de dia de festa, devia ser um dia de luto pela floresta
desaparecida, e deviam chorar de vergonha os que deixaram de cumprir o seu
dever, especialmente aqueles que foram pagos ou obtiveram lucros e que
cometeram o crime da omissão, nada fazendo. O que não dá renda imediata,
ninguém gosta de fazer. Quem hoje em dia vai se lembrar do dia de amanhã?
Aquele que pensa em um futuro remoto, daqui a 100 ou 200 anos, e planta árvores
para as gerações futuras colherem os frutos do seu trabalho, é considerado louco
pela mentalidade atual.
3) Uma alternativa para a
preservação ambiental é a educação dos
jovens?
A juventude escolar, nossa esperança de um futuro melhor, devia
ser ensinada a amar a terra, a floresta e a fauna por meio de um sistema
pedagógico moderno, pondo-a em contato direto com a natureza, e isso
especialmente em relação à mocidade das cidades, que geralmente fica presa em
casa e assim não chega a conhecer a beleza de um mato nativo. A teoria pode
servir muito, mas não há nada melhor que a prática, que deixará recordações
mais duradouras no espírito das crianças. Levem-nas para dentro da mata,
ensinando-as a distinguir as diferentes espécies de árvores pelas folhas,
cascas e frutos; mostrem-lhes as minúsculas sementes, das quais se geram os gigantes
das selvas, as orquídeas, musgos e cipós que cobrem os galhos, o sub-bosque com
a infinidade de arbustos, os capins e folhagens que cobrem o chão tapetado de
folhas caídas que formarão o húmus fertilizante, os insetos, borboletas e
pássaros que povoam o mato.
Expliquem-lhes no ambiente natural a utilidade da floresta virgem para a
humanidade. Arrumem um silvicultor ou simples colono para ensinar aos jovens
como usar a pá e a enxada, como preparar canteiros, como semear, regar,
sombrear, arrancar inço, enfim, todos os cuidados culturais. (...) Tudo isso
deixaria impressões indeléveis na alma das crianças.
A última foto de
Roessler, tirada pouco antes da sua morte
4) Você seguia uma espécie de
disciplina interior e alcançava estados meditativos durante suas experiências
na floresta. O que você disse à sua neta sobre o modo certo de meditar?
Primeiro, é preciso fazer silêncio por muito tempo. Depois é
conviver com essa calma muda, como se fosse algo palpável.
No sossego de dentro, na alma capaz de ficar quieta, há uma vida
que a maioria das pessoas infelizmente desconhece. (...) Não se precisa falar o
tempo todo. O ser humano só poderá melhorar e crescer se o lugar do silêncio
for encontrado.
NOTA:
[1] As
fontes das respostas são respectivamente as seguintes: 1) “O Rio Grande do Sul e a Ecologia: Crônicas de um Naturalista
Contemporâneo”, coletânea de textos de Henrique Roessler publicada pela
Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural, AGAPAN, em 1986, 219 pp., ver p. 71. 2) “Crônicas...”, obra citada, p. 34. 3)
“Crônicas...” obra citada, pp. 35-36. 4)
“O Homem do Rio, Biografia Íntima de Henrique Luiz Roessler”, de Maria Luiza
Roessler, AGE Editora, Porto Alegre, 1999, 144 pp., ver p. 42.
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O texto acima apareceu pela primeira vez na revista “Planeta”, de
São Paulo, e foi escrito segundo a mesma técnica usada no livro “Conversas na Biblioteca”, de Carlos
Cardoso Aveline (Edifurb, Blumenau, SC, 169 pp., 2007). Foi publicado também na
edição de novembro de 2014 de “O
Teosofista”, sob o título de “Henrique
Luiz Roessler: o Pioneiro da Ecologia no Brasil” (pp. 12-15).
O trabalho de Roessler é citado na obra “A
Vida Secreta da Natureza”, de Carlos Cardoso Aveline (Bodigaya, Porto Alegre,
157 pp., 2007).
Outro pioneiro do pensamento ecológico no Brasil foi o poeta,
ex-governador de Minas Gerais e deputado federal Augusto de Lima (1859-1934).
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Sobre a ecologia da
mente e a teosofia do ambiente natural, veja o livro “A Vida Secreta da Natureza”, de Carlos Cardoso Aveline.
A obra foi
publicada pela Editora Bodigaya, de Porto Alegre, tem 157 páginas divididas por
18 capítulos, e está na terceira edição, de 2007.
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