4 de julho de 2016

Visita a uma Mineração

Poema do Final do Século 19 Faz
Defesa Pioneira do Ambiente Natural

Augusto de Lima

Páginas de abertura da obra que contém o poema “Visita a uma Mineração”
                  

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Nota Editorial de 2016:

Décadas antes de Henrique Luiz
Roessler [1], Augusto de Lima era já um
defensor ativo do meio ambiente no Brasil.

O poema a seguir foi escrito no século 19
e reeditado em 1909 no volume “Poesias”.

(Carlos Cardoso Aveline)

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Duro penhasco, abre teu seio duro,
em que a luz primitiva adormecera;
o aço da Indústria, o cetro do futuro,
abutre novo, as fibras te lacera.

E eis já rasgada funda galeria,
túmulo aberto da avareza insana,
onde nunca chegaste, ó grande Dia,
mas onde chega a intensa força humana.

Partindo aos estilhaços o veeiro,
a dinamite  à rocha dá combate,
e em compassados golpes o mineiro
a retumbante picareta bate.

Um estampido, - e lasca-se o granito,
outro tiro, - e o granito rola em seixos.
Das máquinas de ferro ao forte atrito,
rincham as rodas nos candentes eixos.

E a rica flora mineral desata
e rompe o véu ao rútilo tesouro:
- brota o esmeril, em fios corre a prata,
floresce a gema, abrem-se rosas de ouro.

Feérica visão, mas verdadeira.
Aqui fantástico alvanel [2] gravara,
em fino esmalte, na época primeira,
plástica ideal da perfeição avara.

Colunas, arcarias, arabescos
brilham, para que a Memória [3] nos esconda
os fabulosos paços principescos,
e os tesouros de Ofir [4] e de Golconda [5].

Creso [6] da Lídia, foste um miserável,
também, Lúculo [7], um miserável foste,
Alhambra, arquitetura detestável,
Coluna de Vendôme, humilde poste.

O íris compõe-se em luz, a luz se coalha
e decompõe-se em íris, e de novo
cintila, ora na luz que o raio espalha,
ora na suave cor da gema de ovo.

Em cimbre augusto a abóbada suspendem
palmeiras de cristal e bronze e cobre;
racimos de ouro de seus troncos pendem,
entre a enroscada silva que as encobre.

E com a picareta e o camartelo [8],
o Homem que tem da criação o reino,
de destruir o esplêndido castelo,
novo Átila fatal, nada detém-no.

Demole, arrasa e quebra e faz escombros,
e ei-lo de novo ascende em áurea insânia,
levando sobre os suarentos ombros
os espólios da flora subterrânea.

E toda aquela maravilha imensa,
que de espanto  e de luz nos embebeda,
se apouca, se constringe e se condensa
no disco miserável da moeda!


NOTAS:

[1] Veja em nossos websites associados o artigo “Roessler, um Pioneiro da Ecologia”, de Carlos Cardoso Aveline.

[2] Alvanel: operário que trabalha com pedras.

[3] No original, “porque a Memória…” tem o sentido de “para que a Memória…”.

[4] O nome “Ofir” aparece na Bíblia judaica e designa uma terra onde se recolhia ouro.

[5] Golconda: cidade e fortaleza em ruínas da região central da Índia, conhecida por seus tesouros.

[6] Creso: rei da Lídia.

[7] Lúculo: político e militar romano do século I.

[8] Camartelo: um tipo de martelo terminado por uma parte em gume e a outra em forma esférica ou quadrangular. É usado como instrumento de demolição.

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O poema acima foi reproduzido do volume “Poesias”, Augusto de Lima, Editora H. Garnier, Rio de Janeiro / Paris, 1909, 300 pp., ver pp. 104-106. A ortografia foi atualizada.

Sobre o custo sociológico e ambiental da atividade mineradora, veja em nossos websites associados o conto “A Mina de Prata”, de Selma Lagerlöf.

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Sobre a ecologia da mente e a teosofia do ambiente natural, veja o livro “A Vida Secreta da Natureza”, de Carlos Cardoso Aveline.


A obra foi publicada pela Editora Bodigaya, de Porto Alegre, tem 157 páginas divididas por 18 capítulos, e está na terceira edição, de 2007.

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