Exemplo de Vida do Imperador
Ilumina o Presente e o Futuro do Brasil
Carlos Cardoso Aveline
O último retrato de
Dom Pedro II
Nascido em 2 de
dezembro de 1825, Dom Pedro II foi a vida toda um humanista em busca da verdade
e da sabedoria. Seu reinado é reconhecido como um dos pontos altos da história
do Brasil, e isso se deve em grande parte ao fato de ele ter procurado sem
pressa e sem pausa pelo conhecimento superior, universal.
O
fato está amplamente documentado. Em 1847, o escritor português Alexandre
Herculano escreveu sobre Dom Pedro II:
“É
geralmente sabido que o jovem imperador do Brasil dedica todos os momentos que
pode salvar das ocupações materiais de chefe de Estado ao culto das letras…” [1]
Em
1842, quando o imperador tinha 17 anos de idade, um representante diplomático
da França no Brasil visitou Pedro II. Descobriu-o mergulhado na leitura de
Platão, em obra traduzida para o francês por Victor Cousin. [2]
Jules
Itier viu-o em 1844 e anotou:
“Tinha
o Imperador pressa provavelmente de voltar ao convívio de seus livros, no meio
dos quais a vida lhe corre amena. As ciências e a literatura são as suas mais
agradáveis ocupações do trono.”[3]
O
biógrafo Pedro Calmon afirma que Pedro de Alcântara “preferiu aos amigos
políticos os escritores que lhe falassem de mundos distantes, de outra
humanidade, para lá de sua corte pacata”. Entre eles, os indianistas, como
Gonçalves Dias. Era admirador de Homero, Horácio, Apuleio, e do poeta Henry
Longfellow. [4]
Embora
católico disciplinado, o que provavelmente via como um dos seus deveres de
monarca, Dom Pedro II defendeu a força do poder civil não só contra o
militarismo, mas também contra o autoritarismo do papa Pio IX. Agiu em aliança
com a maçonaria no Brasil, perseguida pelo papa, e colocou bispos papistas radicais
na cadeia, em episódio bem relatado por José Murilo de Carvalho.[5] Esta ação destemida teve horizontes
amplos e generosos, mas foi um dos fatores que criaram as bases da conspiração golpista
de 1889.
Pedro
Calmon explica que o imperador “tinha pelo livre exame um culto voltairiano;
era um racionalista, contente de suas conclusões”. Era também um estoico. Depois
de uma longa conversa com o imperador brasileiro, em Paris, o escritor Victor
Hugo disse que via uma afinidade entre ele e o imperador-filósofo da Roma
antiga:
“Senhor,
sois um grande cidadão; sois o neto de Marco Aurélio.” [6]
Em
1871, Dom Pedro II entrou em Londres em uma sinagoga, para ler em hebraico os
cânticos, “como um judeu”.[7]
Estudioso
do judaísmo, interessado na Cabala, o imperador pesquisava as tradições e
filosofias pagãs. Não era mero leitor. Processava por si mesmo a sabedoria
universal. A busca de poder pessoal não o interessava. Registrou a sua
filosofia ética em versos axiomáticos que mais tarde foram publicados por seu
amigo Múcio Teixeira, teosofista, poeta e admirador de Helena Blavatsky.
Pedro
de Alcântara escreveu:
FRAGMENTOS [8]
O homem é um deus inconsciente
Da sua indiscutível divindade;
Se há trevas no passado, no presente
Vai despontando o dia da Verdade.
- - -
Sempre de mal a pior,
Sente o peito e mente o lábio;
E o que se julga mais sábio
É o que engana melhor.
- - -
Eu gosto das crianças. Coitadinhas!
São tão pequenas e são tão mimosas!
Leves e loucas, como as andorinhas;
E lindas como as pétalas das rosas.
- - -
‘Mais sabe o que menos fala,
Muito diz quem não diz tudo;
O mais discreto precisa
Às vezes fingir-se de mudo.’ [9]
Não
por acaso Dom Pedro II foi amigo de Múcio Teixeira. Sua vida e escritos revelam
uma afinidade interna com a visão teosófica da vida.
Comemorando a Independência em Versos
A
alma de um país inclui os momentos passados e as sementes de futuro. A jornada
brasileira vem da fase pré-colonial, quando seu nome tupi era “Pindorama”, e
atravessa trezentos anos de vida colonial até chegar à independência. A
autonomia de fato do Brasil ocorreu em 1808 com a transferência da família real
e da sede do reinado. A chegada ao Rio de Janeiro foi a sete de março. Desde
aquele momento, o país já não voltou a ser colônia. O que houve em 1822 foi
apenas a separação política de Portugal no plano da forma.
Cabe
examinar neste contexto a real importância histórica do dia sete de setembro. O
significado do evento improvisado em meio a uma viagem é contraditório. A verdade
é que a independência do Brasil já havia sido formalmente declarada, sem que
implicasse uma separação total de Portugal. Isso ocorrera um mês antes em dois
documentos escritos e oficiais, assinados por Dom Pedro I, datados dos dias
primeiro de agosto e seis de agosto de 1822. O documento do dia seis de agosto foi
dirigido aos outros povos do mundo.[10]
A
proclamação improvisada de sete de setembro, que avançou para o afastamento completo
de Portugal, ganhou importância popular e simbólica, passando a ser a data
nacional. A adoção desta data constitui em si mesma um fato histórico. A visão
que os povos têm de si próprios é com frequência lendária: mitos e lendas possuem
a sua própria maneira não-literal de preservar e transmitir verdades. A
celebração de setembro deve ser respeitada, portanto, e o imperador aderiu ao
processo.
Coincidindo
com o calendário astrológico, no calendário romano primitivo o ano começava em
março. Setembro era o sétimo mês ou “sétima morada”, o mês em que temos a maior
parte do detalhista e trabalhador signo de Virgo.
Em
1843, Dom Pedro II escreveu os seguintes versos abordando a “sétima casa” [11] do Sol ao longo do seu ciclo de
doze meses:
Sete
de Setembro
(Ao Povo Brasileiro)
Tu, que no calendário primitivo
Tinhas no céu a sétima morada,
De teu sétimo dia na alvorada
Despedaçaste os ferros do cativo…
Três séculos contava o Povo altivo
Da minha enorme Pátria bem fadada,
Quando encetou a intérmina jornada,
Belo, pujante, heroico e redivivo!
Mas, se aprouve à Divina Providência
Confiar-me, em tão verde e tenra idade,
A sagrada missão de alta incumbência;
Juro, - nas aras da fidelidade:
De meu Pai - recebeste a Independência,
Receberás de Mim - a Liberdade! [12]
Eram
tempos de otimismo e de afirmação da nacionalidade.
O Imperador Enfrenta o Desafio Final
Cabe
olhar para a história de um povo desde um ponto de vista realista. Quando se
aprende com os erros do passado, é possível deixar de repeti-los no presente.
As
ações altruístas podem ter uma aparência contrária à sua substância. As piores
ações são frequentemente disfarçadas com a roupagem da bondade. No plano
social, o autoritarismo costuma surgir em nome do “combate às elites”.
Depois
de um reinado longo e benéfico para o país, durante a década de 1880 a
ideologia autoritária do positivismo espalhou-se nos meios militares. Deste
modo abria-se espaço para o golpe de estado que iria proclamar a República e dar início a uma era de lutas cegas pelo poder.[13]
Dom
Pedro apoiou a abolição da escravatura, que aconteceu de modo gradual,
culminando em 1888.
Em 1889,
o imperador estava frágil e doente quando foi deposto em golpe militar
realizado por uma minoria de intolerantes, iludidos por ideias positivistas e
materialistas.
Não
foi o momento mais glorioso da história do país. O imperador teve a postura digna
que se poderia esperar de um estudioso da filosofia clássica. Enfrentou com
estoicismo a deposição e a expulsão do país. Pobre, esquecido, preparado para
morrer, escreveu no exílio dando mostras da sua grandeza interior:
A UM INGRATO
Não maldigo o rigor da minha sorte,
Por mais atroz que fosse e sem piedade,
Arrancando-me o trono e a majestade,
Quando a dois passos estou só da morte.
A roda da fortuna não tem norte;
Conheço-lhe inconstante variedade,
Que hoje nos dá contínua felicidade,
E amanhã nem um bem que nos conforte. [14]
Mas a dor que excrucia e que maltrata,
A dor cruel que o ânimo deplora,
Que fere o coração e quase o mata,
É ver na mão cuspir à extrema hora
A mesma boca, aduladora e ingrata,
Que tantos beijos nela deu outrora! [15]
Ao
escrever estas linhas, o imperador não se referia ao Brasil: o afeto de alguém
pelo seu povo se mede nas horas difíceis. Pedro de Alcântara estimulou o
progresso espiritual e político do Brasil. Agiu como amigo da democracia, e registrou:
AO POVO BRASILEIRO
Desfalecido, errante, forasteiro,
Já das sombras da morte circundado,
Súbito ouvi: - ‘Ressurge! que extirpado
Foi no Brasil para sempre o cativeiro!’
Presto a fugir, o alento derradeiro
Volveu-me ao coração quase parado:
-‘Grande povo! (exclamei): povo adorado!
Entre os demais da Terra és o primeiro!’
Traguei depois o meu cálice de amarguras,
Mas da verdade a lei não há quem mude:
Grande povo! eu dissera entre torturas.
Grande povo no brio e na virtude!
Sê feliz, goza em paz as mil venturas
Que deparar-te quis e que não pude! [16]
Quanto
maior a grandeza de uma alma, mais profunda deve ser sua humildade. A grande
alma esquece de si para concentrar-se no dever, e assim alcança a felicidade
interior, que nada abala.
Mandado
às pressas para o exílio pelos golpistas temerosos, Dom Pedro II deixou o país
no dia 17 de novembro. Morreu na Europa dois anos depois, e o seu exemplo de
vida permanece forte como uma inspiração luminosa, válida para o presente e
para o futuro.
NOTAS:
[1] “A Vida de D. Pedro II, o rei filósofo”,
de Pedro Calmon, Biblioteca do Exército-Editora, Rio de Janeiro, 1975, 316 pp.,
ver p. 67. Cabe registrar que Alexandre Herculano era amigo do teosofista
Visconde de Figanière (1827-1908).
[2] “A Vida de D. Pedro II, o rei filósofo”,
Pedro Calmon, obra citada, p. 66.
[3] “A Vida de D. Pedro II, o rei
filósofo”, Pedro Calmon, mesma p. 66.
[4] “A Vida de D. Pedro II, o rei
filósofo”, Pedro Calmon, p. 68.
[5] “D. Pedro II”, José Murilo de
Carvalho, Companhia das Letras, SP, 2007, 276 páginas. Ver capítulo 19,
intitulado “Dois Bispos na Cadeia”. À p. 153, Murilo de Carvalho define o
imperador como “um racionalista do século XVIII” e como alguém que colocava o
Estado acima da igreja. Na mesma página, é mencionado o fato de que sua firmeza
diante da igreja e dos militares foi um fator de enfraquecimento político do
império, enquanto já ganhava força o republicanismo.
[6] “D. Pedro II”, José Murilo de
Carvalho, obra citada, p. 172.
[7] “A Vida de D. Pedro II, o rei
filósofo”, Pedro Calmon, p. 70.
[8] “O Imperador Visto de Perto”, de
Múcio Teixeira, Livraria Editora Leite Ribeiro & Maurillo, Rio de Janeiro,
1917, 274 pp., ver p. 95.
[9] Nota de Múcio Teixeira: “Esta
estrofe é simplesmente a variante de uma quadrinha popular. O Imperador,
escrevendo-a entre aspas, quis naturalmente dizer que estes versos estavam em
perfeita harmonia com o seu modo de sentir.”
[10] Veja em nossos websites associados o
documento “O Manifesto da Independência do Brasil”, de Dom Pedro I.
[11] Veja em nossos websites os artigos
“O Número Sete”, de Helena Blavatsky, e “Brasil: A Importância de Sete de Março”,
de C. C. Aveline.
[12] Reproduzido da obra “O Imperador
Visto de Perto”, de Múcio Teixeira, Livraria Editora Leite Ribeiro &
Maurillo, Rio de Janeiro, 1917, 274 pp., ver pp. 80-81.
[13] Veja o livro “Nasce a República -
1888-1894”, de Hélio Silva, Editora Três, 1998, 170 pp., capítulo 1 e outros
capítulos.
[14] Múcio Teixeira informa em nota de
rodapé: “Os dois primeiros versos da segunda quadra deste soneto estão assim,
no original do próprio punho do Imperador. Mas no precioso arquivo do ilustre
Conde de Motta Maia, que seu digno filho, o Dr. Oscar, pôs à minha disposição,
encontro este mesmo soneto com estas variantes: ‘Do jugo das paixões minha alma
forte / Conhece bem a estulta variedade’.”
[15] “O Imperador Visto de Perto”,
Múcio Teixeira, ver pp. 98-99.
[16] “O Imperador Visto de Perto”, Múcio
Teixeira, p. 98.
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A imagem que ilustra o artigo acima constitui parte do último retrato de Dom
Pedro II, e é reproduzida do livro “O Imperador Visto de Perto”, de Múcio Teixeira, p.
132.
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