A Ideia da Responsabilidade
Presidencial
Não Pode Mais Ser Vista
Como Peça de Museu
Michel Temer

000000000000000000000000000000000000000000
Nota Editorial:
O artigo a seguir faz
parte da obra
“Constituição
e Política”, de Michel Temer,
Malheiros Editores,
SP, 1994, 135 pp.; ver
pp. 100-102. Temer
não defende no texto o
parlamentarismo mas
questiona o tradicional excesso
de poder dos
presidentes. Ele propõe um presidencialismo
que funcione com base
em estreita colaboração com o
Congresso, e faz o
elogio do impeachment, sempre que
o afastamento do
presidente for necessário.
(Carlos Cardoso
Aveline)
00000000000000000000000000000000000000000000000000000
O nosso sistema governativo, mesmo antes da independência no
Brasil colônia, por exemplo, é unipessoal. Desde as Capitanias, com a figura do
Capitão-Mor, aos Governos Gerais, ao Vice Reinado, em tudo temos um arremedo de
Presidencialismo.
No Império tivemos uma tentativa de Parlamentarismo. Mas o fato
inegável que nem sempre se relembra é de que esse Parlamentarismo foi praticado
com a condescendência do Imperador que, juridicamente, detinha como competência
o Poder Executivo e o Poder Moderador.
Na República o governo foi, sempre, presidencialista e a
experiência de 1961 a 1963 - nem é preciso ressaltar - catastrófica. Até porque
naquele instante o Parlamentarismo surgia para superar uma crise. E só gerou
crises! Estas, em decorrência, precisamente, da permanente queda do primeiro-ministro
que encarnava a figura do Chefe de Governo. Bastou levar ao povo a decisão
sobre o sistema de governo que este, preso às tradições governamentais do país
e atento ao que acontecia, optou pelo Presidencialismo. Tudo porque o povo
brasileiro está acostumado a alojar em uma certa pessoa a figura do Chefe de
Estado e Chefe do Governo, fazendo fulgurar a nossa tradição Presidencialista.
Dessa forma penso ser difícil implantar um Parlamentarismo puro,
porque o povo passaria a perceber, na figura do primeiro-ministro, aquele
que Chefia. A sua constante modificação ensejaria crises e mais
crises, desestabilizando as relações sociais, circunstâncias indesejadas pelo
Direito.
Ademais disso, é preciso relembrar que o Parlamentarismo puro
surge por força de tradições históricas e não em razão de uma regra escrita.
Veja-se o caso do Parlamentarismo Inglês, exemplo conspícuo. Lá,
o Parlamentarismo surgiu consuetudinariamente. O Monarca exercia todo o poder.
Num dado momento assume o trono inglês o Rei Jorge I, que era Imperador da
Alemanha. Não falava o inglês. Conhecia o latim e o alemão, e, por isso, tinha
dificuldade de comunicação com o Parlamento. Um dos parlamentares, Robert
Walpole, conhecia o alemão. Ia conversar com o Rei, ouvia o que este desejava,
voltava ao Parlamento, reunia os seus pares e lhes contava o que conversara com
o Rei. Os parlamentares, então, legislavam segundo a vontade do Monarca.
Ocorreu, entretanto, que, pouco a pouco, Jorge I foi se desinteressando pelos
negócios políticos e administrativos internos, interessando-se apenas em
revelar-se para as demais nações como Chefe do Estado Inglês. E foi deixando ao
Parlamento a função não apenas de legislar mas também a de executar aquilo
sobre que se legislara. E foi assim, durante um reinado, que uma parcela da
atividade executiva transladou-se, automaticamente, para o Parlamento, surgindo
espontaneamente também a figura do primeiro-ministro que era o parlamentar que
conversara com o Rei. Jorge II, seu filho, encontrou essa situação e não se
insurgiu contra ela firmando-se em definitivo, na Inglaterra, um sistema de
governo dicotômico: a Chefia de Estado com um e a Chefia de Governo com outro
governante. Este, localizado no Legislativo. Mas não há na Inglaterra, uma
regra escrita instituidora do Parlamentarismo. Ele é fruto da forte tradição
histórica, e, por isso indestrutível.
Nem se invoque a possibilidade de um Parlamentarismo misto. Dois
centros de poder - o Presidente da República e o primeiro-ministro dividindo as
funções governativas internas - fariam nascer constante disputa por espaço
político e em consequência, ainda nessa hipótese, a intolerável crise que se
quer evitar mediante a acertada escolha de um sistema de governo.
Entretanto, é preciso dar resposta àqueles que anseiam, querem e
exigem uma participação ativa do Poder Legislativo no processo de decisão
governativa. Mas para tanto não é preciso chegar ao Parlamentarismo de nenhum
matiz. E aqui é preciso recordar a forte tradição histórica em favor do
Presidencialismo.
De que maneira chegar a este ideal?
Os Profs. Miguel Reale [1]
e Miguel Reale Júnior [2] escreveram
artigo apresentando a fórmula de um Presidencialismo em que o Presidente da
República é o Chefe Integral do Poder Executivo. E, nesse mister, é auxiliado
por um primeiro-ministro ou Chefe do Ministério e pelos Ministros de Estado.
Não haveria uma dicotomia na Chefia do Governo e de Estado exercidos, como
salientei, pelo Presidente da República. Mas a indicação do Chefe do Ministério
seria feita após consulta ao Presidente e aos Presidentes dos partidos
políticos que compuserem a Maioria do Congresso Nacional, e este, Congresso
Nacional, é quem aprovaria o nome indicado. Coordenará a atuação dos
Ministérios e demais órgãos da administração federal e o Plano do Governo, mas,
basicamente, sua função será a de servir como elemento de mediação entre o
Presidente da República e o Poder Legislativo.
Assim, teríamos a unidade da Chefia de Governo e da Chefia de
Estado, corporificados pelo Presidente da República; porém, com grande
participação do Poder Legislativo, que se manifestaria tanto no instante da
nomeação do primeiro-ministro - elo de ligação com o Executivo - como no
instante de sua exoneração, uma vez que se prevê moção de censura pelo
Congresso Nacional seis meses após sua nomeação.
Além disso, o Presidencialismo com atuação efetiva do
Legislativo importa em regime responsável. A figura institucional da responsabilidade
presidencial, geradora do impedimento, não pode mais ser vista como peça de
museu. Há de ser retirada dos escaninhos constitucionais para ser
aplicada todas as vezes em que haja descumprimento, pelo Presidente, dos
pressupostos constitucionais da sua atuação.
Necessitamos de presidencialismo responsável perante o
Parlamento.
NOTAS:
[1] Miguel
Reale (1910-2006) foi jurista e filósofo de destaque. (CCA)
[2] Miguel
Reale Jr.; um dos principais juristas que estiveram ativos no impeachment de
Dilma Rousseff em 2016. (CCA)
000