Observando a Vida de um Rio Brasileiro
Carlos Cardoso Aveline
A foto de Ivan de Andrade, do jornal “Vale do Sinos”,
mostra uma garça branca alçando voo no Rio dos Sinos, RS.
À direita, o livro “A Vida Secreta da Natureza”.
A garça branca é a mais bela ave do Rio dos Sinos, no
RGS. Chamada de “rainha dos banhados”
por Henrique Roessler, ela enche de
magia o pôr-do-sol e esbanja elegância na maneira como se movimenta. Mas é,
também, testemunha da longa história do planeta Terra.
Fósseis da família das garças, encontrados na América do Norte, mostram
que elas já viviam no período eoceno (há 40 milhões de anos) e no plioceno (há
11 milhões de anos).
Para que você tenha uma ideia do que isto significa, lembre-se que o
período eoceno - palavra que significa “aurora do recente” - começou há 55
milhões de anos, e durou cerca de 30 milhões de anos.
Naquele tempo a Europa estava ligada por terra à América do Norte.
Já o Plioceno foi entre cinco e dez milhões de anos atrás e somente nele
surgiram os primeiros hominídeos, os pioneiros representantes da futura espécie
humana.
A elegância da garça é, portanto, anterior à capacidade dos atuais seres
humanos de estar aqui no planeta para admirar o seu voo contra o horizonte, sob a
luz avermelhada do pôr-do-sol.
Da ordem dos ciconiiformes, a garça prefere terenos pantanosos e por
isso, sente-se bem em rios com muitos banhados e áreas alagáveis. Ela é, do
ponto de vista estético, a rainha do rio dos Sinos.
Com pernas e dedos compridos, seu porte varia bastante conforme cada
espécie da família, cujo nome científico é Ardeidae. O pescoço chama atenção
por ser duplamente angulado, e a ave fica muitas vezes em uma posição em que o
pescoço forma um “S”.
Helmut Sick escreve em “Ornitologia Brasileira, Uma Introdução” (Ed.
Universidade de Brasília), que o seu grasnido é em geral baixo e rouco.
Alguns já tentaram criticar a garça, afirmando que ela “come demasiados
peixes”. De fato, ela não obedece a uma dieta vegetariana ou macrobiótica. Mas
sua dieta inclui principalmente insetos aquáticos, caranguejos, moluscos, sapos
e répteis, de modo que a crítica é injusta. As garças latino-americanas,
especialmente, comem menos peixes, e comem peixes pequenos. Além disso, a natureza tem seus próprios modos de encontrar
o equilíbrio entre as espécies.
Apreciadora das águas rasas, a garça usa vários métodos para espantar
animais indesejáveis ocultos na lama, dentro da água. A garça-branca-pequena,
por exemplo, fica mexendo seus dedos e os faz tremer, enquanto outras espécies
movimentam um pé, lentamente, sem parar. Estes movimentos também facilitam a captura
das suas refeições.
Voam devagar, com o pescoço encolhido e as pernas esticadas, como todas
as aves pernilongas. À tardinha, quando voam para reunir-se em determinados
recantos de mata nativa, as garças brancas dão um dos mais belos e
impressionantes espetáculos. Elas associam-se em colônias, chamadas de “ninhais”
ou “garçais” mistos, isto é, onde também se abrigam colhereiros, biguás e
outras espécies amigas.
As garças fazem ninhos em árvores de 15 a 20 metros de altura, ou em
arbustos nos banhados e áreas de inundação do Rio dos Sinos. Mas dentro da área
da colônia, escreve Helmut Sick, “cada espécie ocupa uma determinada área”. Os
ovos são esverdeados ou verde-azulados, ou ainda brancos, e o período de
incubação é de 25 a 26 dias. Os adultos vão buscar comida a grande distância do
ninho para alimentar os filhotes.
Uma colônia de garças produz um barulho impressionante. Seu grasnido
rouco é feito com unanimidade, de modo que a soma total chama a atenção no
entardecer.
A colônia inclui desde casais em fase pré-nupcial até pares maduros com
filhotes já crescidos. A procriação é feita geralmente no início ou fim da
estação seca, quando a alimentação é mais farta. Em muitos casos, a garça faz
longas migrações e também por isto sua família é encontrada na maior parte do
mundo.
Enquanto houver bandos de garças, socós e biguás em nossos rios, eles
estarão em condições ecológicas pelo menos razoáveis.
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Para um estudo sobre os aspectos filosóficos da
ecologia, veja o livro “A Vida Secreta
da Natureza”, de Carlos Cardoso
Aveline, Terceira Edição, Ed. Bodigaya, 2007, 158 pp.
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