Carlos Cardoso Aveline
A ausência de vitórias fáceis na luta pela ética na política brasileira não
deve ser fonte de frustração para os cidadãos conscientes. Ao contrário: o fato
é uma demonstração de que não há fita adesiva ou band-aid sendo usados
para disfarçar a profunda ferida ética do país.
O problema da honestidade na administração pública não é
recente, e é cultural.
Já na corte de Dom João VI no Brasil, entre 1808 e 1821,
havia acusações contra pelo menos dois administradores públicos. Eram Joaquim
de Azevedo, responsável pelas compras de estoques da Casa Real, e Bento
Targini, que comandava as finanças do Reino.
Ambos alcançaram a nobreza e foram nomeados viscondes enquanto,
em meio a aguda luta política, eram acusados de roubar o dinheiro público. Seus
detratores faziam circular estes versos:
Quem furta pouco é
ladrão
Quem furta muito é
barão
Quem mais furta e
esconde
Passa de barão a
visconde.
E ainda:
Furta Azevedo no
Paço
Targini rouba no
Erário
E o povo aflito
carrega
Pesada cruz ao
calvário. [1]
Embora os versos pareçam corretos, a verdade é que a
personalização do problema, como se bastasse combater este ou aquele corrupto
“mal-intencionado”, é uma armadilha histórica das mais amargas.
É preciso deixar de lado esta ingenuidade. [2]
A corrupção constitui um processo social amplo.
Na história do Brasil independente, foram poucas as oportunidades
em que a cultura da ética predominou. A escolha da ação criminosa raramente é
uma opção deste ou daquele indivíduo, apenas. Não se trata de algo que se cura
facilmente, porque é inseparável da falta de sabedoria e da injustiça social.
É preciso que haja um povo honesto e vigilante para que a
máquina de governo funcione de modo correto.
Por outro lado, é verdade que um governante de intenção
ética e que possua o dom da liderança pode inspirar uma nação inteira para o
bem. Um líder sábio surge quando tem apoio, e os líderes desonestos surgem quando
têm apoio.
O despertar do Brasil deve ser amplo e gradual, portanto.
Um país que respeita a si mesmo, que é verdadeiramente independente e tem
projeto histórico claro, pode organizar-se em torno de princípios éticos
sólidos. O cidadão deve fazer o que é possível e deixar que o tempo transcorra.
Tudo tem sua hora e ninguém perde por esperar: nem os honestos, nem os
ladrões.
A visão da filosofia esotérica em relação ao dever ético
de quem ocupa posições de poder político foi descrita de forma muito clara por
um Mestre de Sabedoria dos Himalaias. Ele escreveu:
“Para nós um lustrador de botas honesto é tão bom quanto
um rei honesto, e um varredor de ruas imoral é muito melhor e mais desculpável
do que um imperador imoral.” [3]
Quanto maiores as oportunidades que uma pessoa tem, maior
a sua responsabilidade cármica. A justiça cármica com frequência parece tardar, mas não falha, e suas
aparentes demoras não ocorrem por acaso. Grandes saltos se preparam lentamente.
NOTAS:
[1] “1808”, livro de Laurentino
Gomes, Ed. Planeta, SP, 2007, 414 pp., ver pp. 194-195.
[2] Cabe registrar que as acusações
de corrupção feitas contra Francisco Bento Maria Targini faziam parte da luta
política do momento, em que raramente predominava o respeito pela verdade. A
história dos povos é cheia de ilusão e injustiça. Targini era profundo
estudioso de filosofia clássica. Foi um pioneiro da filosofia no Brasil e em
Portugal e um trabalhador intelectual incansável. Pintá-lo como mero ladrão é
uma ideia falsa. Estudiosos de história mostram que Targini foi vítima de
injustiça.
[3] “Cartas dos Mahatmas Para A.P.
Sinnett”, Ed. Teosófica, Brasília, volume 1, Carta 29, página 158.
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Em setembro de 2016, depois de cuidadosa análise da situação
do movimento esotérico internacional, um grupo de estudantes decidiu formar a Loja
Independente de Teosofistas, que tem como uma das suas prioridades a construção de um futuro melhor nas
diversas dimensões da vida.
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