Antigo Texto Cristão de um
Filósofo Português da Tradição Estoica
Martinho Bracarense

Estátua de Martinho Bracarense na cidade de Braga, no
norte de Portugal
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Nota Editorial
de 2017:
S. Martinho Bracarense - também conhecido como
São Martinho de Dume - viveu no século seis da era
atual e foi um dos Pais da Igreja cristã na
Península
Ibérica. Estabeleceu e dirigiu mosteiros no Reino
Suevo, em região que hoje faz parte do norte de Portugal.
Viveu na capital sueva, a cidade atualmente
portuguesa
de Braga: daí o nome “Bracarense”. Considerado filósofo
português, Martinho escreveu na tradição neoestoica de
Lúcio Sêneca, Musônio Rufo e outros pensadores
clássicos.
O pensamento estoico tem especial interesse em
teosofia.
A pequena obra intitulada “Regra da Vida Honesta”
(“Formula Vitae Honestae”) é reproduzida do livro
“Vida e Opusculos de S. Martinho Bracarense”,
Antonio Caetano do Amaral, Typografia da Academia
Real das Sciencias, Lisboa, edição bilingue em latim
e
português, 1803, 288 páginas. [1] O vocabulário, a ortografia
e quando necessário a linguagem do português
clássico
foram atualizados. Para facilitar a leitura, abrimos
parágrafos
menores. O trabalho de pesquisa é de Joana Maria
Pinho.
(Carlos
Cardoso Aveline)
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Ao muito
glorioso e pacífico Rei
Miro [2] insigne
na Fé Católica e em piedade
Não ignoro, Rei
clementíssimo, que a ardente sede do teu ânimo insaciavelmente procura
estancar-se nas taças da Sabedoria, e que ansiosamente andas em busca das
fontes de onde manam as águas da ciência moral. E por isso muitas vezes com as
tuas letras estimulas a minha insuficiência para que escrevendo uma Carta à tua
Alteza te dirija algumas palavras que sejam de consolação, ou de exortação. Mas
embora o louvável empenho da tua piedade requeira isto de mim, sei bem que o
meu pequeno talento será para os prudentes uma insolente ousadia se faltar ao
decoro do Real acatamento com ditames contínuos e na maior parte dos casos vulgares.
Portanto,
para que nem - ao falar - abuse da licença da tua instância, nem (ao calar)
contrarie mais ainda o teu desejo, ofereço este Opúsculo nada ornado com
ostentação de agudezas, mas coligido com singela simplicidade para ser lido a
ouvidos de boa-fé. Não o escrevi particularmente para instrução tua, sendo-te
natural a sagacidade da sabedoria, mas para aqueles que, por estarem ao teu
serviço é bom que leiam, entendam e retenham estas coisas. É o título do
Opúsculo “Regra da Vida Honesta” (“Formula
Vitae Honestae”): e a razão de lhe pôr esta inscrição é porque não ensina
aquelas coisas árduas e perfeitas, mas apenas adverte as que, ainda sem os
positivos preceitos das Divinas Escrituras, só pela Lei Natural da Razão humana
podem ser cumpridas mesmo pelos leigos que vivam em justiça e retidão.
Regra da Vida Honesta
O parecer de
muitos sábios reduziu a quatro aquelas espécies de virtudes por cuja prática pode
o ânimo humano chegar à vida honesta ou virtuosa. A primeira delas é a
prudência; a segunda, a magnanimidade; a terceira, a temperança; a quarta, a
justiça. Estas, pois, por meios que abaixo se explicam, fazem o homem virtuoso.
CAPÍTULO
I
Da Prudência
Quem quer que tu
sejas, tu, que queres seguir a prudência, viverás bem regulado pela razão se
primeiro que tudo avaliares e pesares cada coisa e determinares o seu valor,
não pela opinião do grande número, mas pela sua própria natureza.
Porque
deves saber que há coisas que parecem boas sem o serem; e outras que não
parecem boas, e o são. Tudo quanto possuis de coisas transitórias, não o
admires, nem tenhas como grande o que é efêmero; não vejas como alheias as
coisas que de ti tens, mas governa-as e usa delas como tuas, e para o teu bem.
Se
abraçares a prudência, serás em toda a parte o mesmo; e conforme exigido pela variedade
das coisas e dos tempos, assim deves acomodar-te às ocasiões. Que tampouco as
coisas te mudem, mas amolda-te tu a elas, tal como a mão que, ou se abre e
estende, ou se fecha, mas é sempre a mesma.
É
próprio do prudente examinar os conselhos e não se deixar levar arrebatadamente
pelos falsos com fácil credulidade. Nas coisas duvidosas não decidas, mas
suspende o teu juízo.
Nada
afirmes sem o teres averiguado, porque nem tudo o que tem aparência de verdade
é verdadeiro; assim como muitas vezes o que à primeira vista parece incrível,
nem por isso é falso. Pois muitas vezes a verdade tem cara de mentira, e não
poucas a mentira se esconde debaixo da aparência de verdade.
E
assim como às vezes o amigo mostra o semblante carregado, e o lisonjeiro o
mostra risonho, assim a falsidade se cora com a verisimilhança, e para enganar,
ou se insinuar, toma essa cor.
Se
desejas ser prudente, olha sempre adiante e examina no teu ânimo todas as
coisas que podem acontecer. Nada faças de arrebatado, mas reflete primeiro com
vagar. Porque quem é prudente não diz: “Não percebi que isso aconteceria”,
porque não vacila, mas detém-se; não suspeita, mas previne.
Examina
tu a causa de qualquer fato, e tendo-lhe descoberto a origem, preverás o êxito.
Leva em conta que em algumas coisas deves continuar, já que as começaste;
aquelas, porém, em que o continuar é mau, nem as deves começar.
O
prudente nem quer enganar, nem pode ser enganado. É de homem bom não enganar
outro nem ao ponto da morte. Sejam as tuas opiniões juízos formados. Cogitações
vagas e inúteis e semelhantes a sonhos, não as abraces; pois se o teu ânimo se
deixar enganar por elas, afinal de contas ficarás triste; mas seja o teu
discurso estável e certo; ou deliberes, ou questiones, ou contemples, não te
afastes da verdade.
Não
sejam também inúteis as tuas palavras, mas que persuadam, ou movam, ou
consolem, ou ensinem. Deves ser parco em louvar, e mais ainda em vituperar, porque
tão repreensível é o louvar irresponsável, como o vituperar sem bom modo:
porque o primeiro te faz suspeito de adulação, e o vituperar, de malignidade.
Dá
testemunho à verdade, e não à amizade. Promete com consideração, e cumpre além
ainda do que prometeste. Se o teu ânimo é prudente, deve ser repartido pelos
três tempos; regula o presente, previne o futuro, recorda-te do passado. Porque
quem nada considera do passado, perde a vida; e a quem nada pensa sobre o
futuro, tudo o apanha desprevenido.
Põe
diante do teu ânimo os males e bens futuros para que possas suportar aqueles e
dirigir estes. Não estejas sempre em ação; mas dá de quando em quando folga ao
teu ânimo; e que este descanso seja preenchido com o estudo da sabedoria e com
bons pensamentos, porque o prudente nunca se entorpece com o ócio.
Sim,
o prudente tem às vezes o ânimo mais frouxo, mas nunca desatado; acelera as
coisas tardias, desenvolve as embaraçadas, abranda as duras, leva ao fim as
árduas; pois sabe por que caminho deve entrar em cada coisa, e conhece cada uma
delas, e as vê todas distintamente.
O
discernimento dos sábios decifra as coisas escuras pelas coisas claras, as
coisas grandes pelas pequenas, as coisas remotas pelas coisas próximas, e o
todo pelas partes.
Não
te arraste a autoridade de quem fala, nem prestes demasiada atenção a quem diz
algo, mas ao que diz; nem olhes a quantos agrada o que é dito, mas a quais
indivíduos.
Busca
só aquilo que podes achar; aprende o que podes saber; deseja o que se pode
desejar diante dos bons. Não te lances à coisa mais alta, na qual nem poderás
te sustentar sem tremor, nem subir sem queda. Toma para ti conselhos saudáveis.
Quando a prosperidade da vida te lisonjeia, considera que estás em terreno
escorregadio, e pára; tampouco te deixes levar pelos primeiros ímpetos, mas
lança o olhar para o local a que queres ir, ou até onde.
CAPÍTULO
II
Da Magnanimidade
Se na tua alma
morar a magnanimidade, que também se
chama fortaleza, em grande segurança
viverás livre, intrépido, desassustado. É um bem do homem magnânimo não
vacilar, não desmentir de si mesmo, e esperar desassombrado o fim da vida. Nada
há grande nas coisas humanas senão o ânimo que despreza as coisas grandes. Se
fores magnânimo, nunca pensarás que alguém te faz uma afronta. Do inimigo
dirás: “não me fez mal, teve intento de o fazer”; e quando o tiveres debaixo do
teu poder considerarás como vingança poder tomá-la: pois deves saber que é um
honrado e grande gênero de vingança o perdoar. A ninguém acometas
disfarçadamente, a ninguém roas na pele: busca-o com a cara descoberta; não
tenhas contenda sem a haver anunciado, porque as fraudes e os enganos só ao
fraco competem. Serás magnânimo se nem desafiares os perigos, como o temerário,
nem os receares, como o tímido; porque nada faz o ânimo timorato senão o
remorso da vida repreensível. Está portanto a medida da magnanimidade em não
ser o homem tímido, nem temerário.
CAPÍTULO
III
Da Temperança
Se amas a
temperança, corta o supérfluo e encurta os teus desejos. Considera contigo quanto
a natureza necessita, e não quanto apetece à cobiça. Se fores temperado,
chegarás a conseguir o contentar-te contigo mesmo, porque quem se satisfaz
consigo nasceu rico. Põe freio e modo aos teus apetites e repele os atrativos,
que com oculto engodo arrastam o ânimo.
Não
comas além do que podes, nem bebas até a embriaguez. Estejas atento para que,
em companhia de mesa, ou em outra qualquer da vida, não pareças condenar
aqueles a quem não imitas; nem te envolvas nos deleites presentes, nem estejas
suspirando pelos ausentes. A tua comida seja comum; não chegues a ela como a um
regalo, mas como a um sustento: que seja a fome que estimula o teu paladar, e
não os guisados. Atende com pouco os teus desejos, porque só deves cuidar em
que eles cessem, e, como amoldando-te ao Divino exemplo, passa o mais depressa
que puderes do corpo para o espírito.
Se
buscas a temperança, seja a tua morada não deleitosa, mas saudável; nem queiras
que o dono seja conhecido pela casa, mas sim a casa pelo dono. Não te atribuas
o que não hás de ser, nem queiras parecer coisa maior do que és. Cuida muito em
que a tua pobreza não seja imunda, nem a parcimônia sórdida, nem a singeleza
desatenciosa, nem a brandura lânguida; e se as tuas posses são poucas, não
sejam motivo de preocupação. Nem chores o que é teu, nem admires o alheio. Se
amas a temperança, foge das coisas indecorosas antes que se te avizinhem; nem
te preocupes com o recato de outrem mais que com o teu. Lembra que tudo é mais
tolerável que a indecência.
Abstém-te
também de palavras indecentes, porque a soltura nestas fomenta a impudência.
Gosta mais dos dizeres úteis que dos jocosos e agradáveis, mais dos ajustados
que dos obsequiosos. Poderás às vezes misturar entre as coisas sérias alguma
jocosidade, mas moderada e sem detrimento do respeito, ou do pudor. Porque o
riso se faz repreensível toda a vez que é excessivo, ou desatado puerilmente,
ou mulherilmente requebrado. Também torna odioso a um homem o riso ou
desdenhoso, ou claro, ou maligno e disfarçado, ou provocado dos males alheios.
Portanto se a ocasião pede alguma graça, diz a graça sempre com dignidade
discreta, de modo que nem se ressintam de ti por picante, nem por insípido te
desprezem.
Não
haja em ti zombaria grosseira mas uma agradável cortesia. Sejam os teus sais
sem mordacidade, as graças sem baixeza, o riso sem gargalhadas, a voz sem
gritos, o andar sem estrondo; o teu descanso não seja preguiça e enquanto os
outros brincam trata tu de alguma coisa boa e santa. Se és temperado, foge das
adulações; e tão triste coisa seja para ti ser louvado por indignos, como se
fosses louvado de coisas indignas.
Fica
mais contente toda vez que desagradares aos maus e pelo fato de seres, pelos
maus, mal avaliado; considera-o um verdadeiro louvor. O mais dificultoso ato de
temperança é sacudir as adulações dos lisonjeiros, cujas palavras com uma certa
satisfação amolentam o ânimo. Não procures granjear a amizade de alguém por
meio de adulação, nem abras a porta para que outros por meio dela granjeiem a
tua. Não sejas ousado nem arrogante; entra com cuidado nas coisas, não te
arremesses. Conservada a gravidade, aceita de bom grado as advertências, e as
repreensões com paciência.
Se
alguém te repreender com razão, lembra que te ajudou; e se fizer isso sem
razão, sabe que desejou ajudar-te. Não tens que temer as palavras ásperas, mas
sim as brandas. Foge sempre dos vícios, e dos vícios alheios não sejas curioso
indagador, nem severo censor, mas corrige-os sem os lançar em rosto; de modo
que antes da advertência vá o bom modo, e ao erro dá facilmente desculpa. Não
exaltes pessoa alguma, nem a abatas. Sê ouvinte calado dos que falam, e acolhe
bem-disposto os que se dirigem a ti. A quem te pergunta responde facilmente; a
quem porfia facilmente cede: não te demandes em contendas e discussões inúteis.
Se
és temperado, vigia os movimentos do teu ânimo e corpo; que não sejam
descomedidos, nem prescindas deles por ficarem ocultos, pois que importa que
ninguém mais os veja se tu os vês?
Sê
flexível, mas não leve; constante, mas não teimoso. O fato de teres
conhecimento de alguma coisa nem fique escondido, nem se faça enfadonho. Faz
todos iguais a ti; aos inferiores não desprezes com soberba; aos superiores,
vivendo bem, não temas. Em matéria de troca de obséquios nem te dispenses dela nem
a exijas. Para todos sejas afável, para ninguém meigo, familiar com poucos,
para todos justo.
Sê
mais severo no juízo que nas palavras, na vida que no semblante. Sê dado à
clemência e inimigo da crueldade. Quanto à boa fama, nem semeador da tua
própria, nem invejoso da alheia. Sobre rumores, crimes, suspeitas, não sejas
crédulo, nem dado à má tendência, mas antes muito oposto àqueles que com a aparência
da simplicidade tratam de prejudicar a outros.
Para
a ira sê lento, para a misericórdia fácil; nas adversidades firme, nas
prosperidades acautelado e comedido; ocultes as tuas próprias virtudes como
outros escondem seus vícios; desprezes a vã glória e ao requerer dos outros os
bens, de que és dotado, nada rigoroso. A ninguém desprezes por ignorante. Fala
pouco, mas aguenta os faladores. Sério, mas não austero, e aturando mesmo o
folgazão. Desejoso de sabedoria e dócil: o que sabes participa-o sem presunção
a quem te o pedir; o que não sabes pede, sem disfarçar a ignorância, que te o
participem. O sábio não alterará os costumes públicos, nem atrairá a si o povo
com a novidade do seu viver. Segue-se a isto a virtude da justiça.
CAPÍTULO
IV
Da Justiça
Que outra coisa é
a Justiça senão uma tácita convenção da natureza, achada para o bem de muitos?
A justiça não é instituição nossa, mas Lei Divina e vínculo da Sociedade
humana. Nesta, não temos que averiguar o que convém: convém-te quanto ela te
ditar. Tu, pois, quem quer que sejas que a queres agradar, teme e ama a Deus
primeiro para que sejas amado por Deus. [3]
Serás
amável a Deus se o imitares em desejar fazer bem a todos [4], a ninguém mal; então te chamarão todos de homem justo,
seguir-te-ão e te respeitarão, e te amarão. Para seres justo não só não farás
dano, mas impedirás que o façam, pois que o não fazer dano não chega a ser
justiça, é apenas abster-se da injustiça. Começa pois por não tirar nada aos
outros e ir-te-ás adiantando a alguma coisa mais, a restituíres o que outros
tiraram. Castiga e coíbe os roubadores para que não façam temíveis aos outros.
Não
armes contendas por uma palavra equívoca, mas observa a intenção com que é
dita. Não sejas menos exato na afirmativa que no juramento. Sabe que a fé e a
Religião intervêm toda vez que se trata da verdade, porque ainda que no
juramento seja Deus [5]
expressamente invocado, também do que não o invoca é testemunha: portanto não
atropeles a verdade, para não atropelares a lei da Justiça.
Se
alguma vez te vires na necessidade de usar de juramento, não o uses para defesa
de coisa falsa, mas de coisa verdadeira; e quando por uma mentira houvesse de
ser resgatada a fidelidade, não mintas, mas escusa-te; por quanto em toda boa
causa o justo não revela o segredo, mas cala o que deve ser calado e fala o que
se deve falar: e assim terá uma alta paz e segura tranquilidade. De modo que ao
passo que os outros são pelo mal vencidos, vence ele o mal. Se cuidares, pois,
de estudar isso, esperarás sereno e intrépido o fim da tua carreira: olharás
alegre para as coisas tristes deste mundo, olharás quieto para as tumultuosas,
e desassombrado para as extremas.
CAPÍTULO
V
Da Medida e Regulamento da Prudência
Observados, pois,
estes documentos, as quatro espécies de virtudes te tornarão homem perfeito se
guardares a sua justa medida em um teor de vida igual. Porque se a prudência
exceder os seus limites, as tuas ações serão dissimuladas e receosas; darão
mostras de investigador das coisas ocultas e de averiguador de quaisquer
defeitos; serás visto como tímido, reservado, como alguém que está buscando
alguma coisa, sempre temendo alguma, sempre duvidando; e pela apreensão do teu
ânimo moldarás as tuas sutilíssimas suspeitas. Serás apontado como manhoso, complicado
e inimigo da simplicidade, e observador de culpas; em uma palavra, por todos
serás chamado de mau homem. A estes defeitos te conduzirá a prudência
desmesurada: mas se em tudo te fixares no justo meio, nada haverá em ti de
grosseiro nem de malicioso.
CAPÍTULO
VI
Do Modo de Regular a Fortaleza
Do mesmo modo, se
a magnanimidade ou fortaleza exceder a sua medida, ficará o homem ameaçador,
turbulento, inquieto e muito propenso a jactâncias de ditos e de ações, sem falar
do decoro. A cada passo fecha o semblante, semelhante a um besteiro, que vai
perturbar o que estava quieto. A um fere, a outro afugenta. Mas embora seja
arrojado, não poderá fazer frente a muitas valentias da parte contrária. E ou chega
a um mísero fim, ou deixa de si tristíssima memória. É portanto a justa medida
da magnanimidade não ser o homem nem tímido, nem atrevido.
CAPÍTULO
VII
Dos Limites da Temperança
Nos mesmos limites
também conterás a tua Temperança. Evita o que é demasiado escasso; não encolhas
a mão com desconfiança e receio. Não concentres a atenção em coisas mínimas, porque
uma visão tão estreita será tida como vil. Em uma linha média, pois, regularás
a temperança, de modo que nem te mostres dado aos apetites, pródigo e gastador,
nem tenhas um apego de avarento, o que te tornaria sórdido ou abjeto.
CAPÍTULO
VIII
Como Se Há de Regular a Justiça
Finalmente, a
Justiça deve ser governada por ti com uma tal regra de equilíbrio que nem um
leve toque desfaça a tua consistência imóvel de ânimo. Ao mesmo tempo que não pretendes
corrigir os grandes vícios, nem os pequenos vícios dos que erram, não deixes a
rédea solta à maldade dos que brandamente te lisonjeiam, ou dos que
atrevidamente te iludem. E tampouco te mostres intratável à sociedade humana negando
com rigidez e austeridade toda desculpa e flexibilidade. O regulamento da
Justiça deve ser tal que a autoridade da sua disciplina não caia em desprezo por
uma excessiva vulgaridade de condescendência, nem perca a graça da afável
amabilidade pela dureza de uma severidade atroz.
Conclusão das Coisas Sobreditas
Por isso, se
alguém deseja regular a sua vida inculpavelmente não só para o seu próprio
benefício mas para o dos outros, deve conservar com tal equilíbrio este
regimento das virtudes acima referidas, segundo a qualidade dos tempos, dos lugares,
das pessoas e causas, que à maneira de quem caminha por entre precipícios, indo
a meia ladeira, evite a queda temerária e despreze a fraca covardia.
NOTAS:
[1] Ver neste volume o opúsculo
“Regra da Vida Virtuosa” (“Formula Vitae
Honestae”),
pp. 145-159. Durante o trabalho editorial, levamos em conta duas outras versões
do opúsculo, que, no entanto, não consultamos nem analisamos comparadamente de
modo sistemático. Uma delas está no volume “The
Fathers of the Church”, Iberian Fathers, Volume I, Martin of Braga, Paschasius
of Dumium, Leander of Seville, The Catholic University of America Press, Washington,
D.C., 1969, tradução do latim de Claude W. Barlow, 261 pp., ver “Rules for an
Honest Life” (Formula vitae honestae), pp. 87-97. A outra está no
volume “Opúsculos Morais”, São Martinho de Dume, Coleção Pensamento Português, 1998,
Imprensa Nacional - Casa da Moeda, Portugal, 111 pp., pp. 27-43. A edição da
Imprensa Nacional usou a versão de Claude W. Barlow. (CCA)
[2] Miro, rei dos Suevos (559-583).
(CCA)
[3] A reciprocidade revela a
presença da lei do equilíbrio. Para a filosofia esotérica, o vago termo “Deus”
só pode fazer sentido quando significa a Lei Universal da justiça, ou a
pluralidade infinita de inteligências divinas do Cosmo. O termo pode ainda
simbolizar o eu superior ou alma imortal de cada ser humano. Sem esta
salvaguarda, a palavra é enganosa quando usada no singular e estimula o
fanatismo. O “Deus” convencional é quase sempre uma propriedade particular de
alguém. Os fundadores e líderes de inúmeras igrejas e seitas costumam comandar
deuses “monoteístas” e “todo-poderosos”, especialmente fabricados por eles
próprios. (CCA)
[4] Neste caso Deus é nossa própria
alma espiritual, a luz divina que ilumina a consciência de cada indivíduo.
(CCA)
[5] A Lei do Carma e da Justiça, que
pune o hipócrita e recompensa o honesto. (CCA)
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O texto acima foi publicado nos websites da Loja Independente de Teosofistas no dia 03 de agosto de 2017.
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Em setembro de 2016, depois de uma análise da situação
do movimento esotérico internacional, um grupo de estudantes decidiu formar a Loja Independente de Teosofistas. Duas
das prioridades da LIT são tirar lições práticas do passado e construir
um futuro saudável.
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