14 de dezembro de 2021

Começando Pelo Mais Difícil

 Pontos Básicos Para Ter Êxito na Vida

O. S. Marden
 
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Um grande comerciante tinha sobre a mesa de trabalho o seguinte letreiro: “Fazei primeiro o mais difícil”. Confessou-me que a observância desta máxima tinha operado uma mudança radical na sua conduta, e disse-me:
 
Reconheci um dia que tinha contraído o mau costume de adiar os trabalhos mais aborrecidos e o cumprimento dos deveres mais ingratos, até que o seu aspecto me aparecesse a cada volta do caminho. Pus a máxima - ‘farei primeiro o mais difícil’ - em lugar onde não podia deixar de ler diariamente, e propus-me subordinar a ela os meus trabalhos. No primeiro dia comecei pelos assuntos pendentes há mais tempo, mais difíceis, deixando para o fim os mais simples e agradáveis. Quando, finalmente, vi desaparecer da minha frente todas as questões atrasadas, estabeleci, como regra de conduta, começar cada manhã pelo serviço mais pesado e enfadonho. Esforcei-me com afinco por concluí-lo, e não tardei a reconhecer que era relativamente fácil tudo quanto antes deixava para o outro dia, por me parecer uma montanha de dificuldades. O costume de fazer primeiro o mais difícil tem sido, a meu ver, o fator predominante da minha prosperidade.”
 
Muitos baqueiam pelo simples motivo de lhes repugnarem os serviços mais aborrecidos. Escolhem primeiro o que mais lhes agrada, e mais fácil lhes parece, e deixam para o fim o que é desagradável, aborrecido ou difícil; mas, entretanto, atormenta-os a ideia de que hão de roer aquele osso e não reconhecem que é precisamente a inquietação produzida pela perspectiva das aborrecidas ocupações que os aguardam, que já consome, só por si, as forças necessárias para as executar.
 
O pensamento de que é preciso fazer alguma coisa importante, que aguarda execução, afeta prejudicialmente a disposição de espírito, e dá origem a que todas as faculdades mentais percam vigor, adaptabilidade e capacidade criativa.
 
O numeroso exército dos vencidos está cheio de homens que na sua juventude se furtaram aos labores mais difíceis ou repugnantes dos seus deveres cotidianos, e cuja realização lhes teriam fortalecido as qualidades, que depois lhes faltaram, para triunfar nos combates da vida.
 
É tão insensato fugir às obrigações difíceis como seria ter repugnância pelos exercícios físicos que fortalecem os músculos. Somente pelo exercício e pelo esforço poderemos progredir e aperfeiçoar-nos. Em suma, a experiência é a base de todas as nossas ações.
 
O fazer primeiro as coisas mais árduas não significa que tenhamos de ‘antepô-las’ a outras mais fáceis, se as mais fáceis forem também mais urgentes. Significa que devemos colocar as tarefas mais árduas no lugar que corresponde à sua importância no trabalho diário, e não ‘postergá-las’, quando chegar a sua vez. A demora na execução dos serviços difíceis apenas agrava a sua dificuldade.
 
O Esforço Necessário Para Vencer
 
Quem, na sua profissão, escolhe as oportunidades maduras e deixa as duras, quem se compraz com o fácil e adia o difícil, debilita o caráter de tal forma que fica sem a força necessária para executar as tarefas difíceis, quando já não é possível adiá-las por mais tempo.
 
Há pouco a imprensa censurava um eminente homem público, dizendo que não tinha caráter suficiente para cumprir o programa que prometia, nem a necessária energia para solucionar as dificuldades que indubitavelmente encontrariam as reformas que anunciava. Assim sucedeu. A falta de ordem, de método e de energia levaram-no ao insucesso.
 
Há muitos homens assim no mundo, sem consistência bastante na espinha para avançarem com força, cheios de boas intenções, mas que, quando chega a hora de realizarem o que prometeram, se limitam a fazer o que menos dinheiro ou esforço lhes custa, sem pensarem nas consequências. Afigura-se-lhes que podem ser tão ligeiros na falta de cumprimento do prometido como o foram na própria promessa; mas, tarde ou cedo, as circunstâncias os obrigarão a pegar ou largar. 
 
Os homens de caráter débil, ligeiro, tímido e volúvel têm tendência para fugir aos serviços cansativos, e escolhem de preferência os de pouca importância, porque, dizem eles, não têm paciência para se ocuparem em coisas que requerem um grande esforço de atenção; mas, na realidade, o que não têm é a energia mental e espiritual suficiente, para estudarem e resolverem assuntos em que é preciso empregar, na sua máxima tensão, todas as potências da alma e os sentidos do corpo.
 
Este tipo de caráter que podemos chamar de frouxo anda ocupado durante toda a vida, mas sem tirar proveito algum dessa ocupação. Tudo quanto fazem põe em evidência a sua falta de caráter. Tão crianças são na escola como na oficina; e, assim como na escola procuravam fugir aos temas, exercícios ou problemas difíceis, dizendo que ‘não tinham tido tempo’ de fazê-los, ou conseguindo que algum companheiro mais adiantado os resolvesse às escondidas, assim também, na oficina ou no escritório, empregam toda a astúcia em empurrar para os outros todas as maçadas, sem terem em conta que, em virtude da judiciosa lei das compensações, quanto mais difícil e ingrato é um trabalho, tanto mais favorável ocasião nos oferece ao fortalecimento do caráter.
 
Todos desejam prosperar; quem não o deseja? Mas, quando a lei da vida lhes põe à frente as condições de prosperidade, e veem que, entre elas, há algumas tão duras como as que o vencedor impõe ao vencido, amedronta-os o esforço que se torna necessário para as satisfazer, e, por isso, ficam sem tirar todo o partido possível da vida, pois a lei é inexorável, e ninguém dá nada sem receber em troca o exato equivalente.
 
Qualquer um pensaria, por ser muito lógico pensá-lo, que se um jovem entra no mundo da atividade social com o propósito firme de se aproveitar da educação recebida para atingir o lugar mais alto da escala da vida, não terá outro remédio senão passar por todas as provas e penas necessárias para a disciplina do seu caráter, e que o ajudem indiretamente a prosseguir no caminho.
 
Mas, por desgraça, são bem poucos os jovens que assim o compreendem e praticam. Por toda parte vemos grande número deles rejeitando os medicamentos amargos, embora reconheçam que o seu mal teria remédio, se os tomassem, em vez de gastarem o tempo com insignificâncias. Daqui resulta a conveniência de fazerdes o quanto antes o mais difícil, pela mesma razão que vos leva a tomar o mais rapidamente possível os remédios desagradáveis ao paladar, pois, quanto mais depressa se engolem, tanto menos violentas serão as náuseas que provocam.
 
Tudo depende da atitude mental com que fizerdes frente a uma dificuldade. Se vos obstinardes em julgá-la enorme, e em considerar-vos incapazes de a vencer, estais condenados à derrota. Não há obstáculo tão insuperável que não se possa encontrar meio de o vencer, quando é tomada uma decisão de realmente vencê-lo. A criatividade é capaz de afastar todas as dificuldades que se interpuserem no vosso caminho, exceto quando tenha sido a vossa própria imprudência que lhes deu motivo, e se torne necessário que sofrais as suas consequências. Perguntai a vós mesmos se é ou não justo que se resolva a questão espinhosa que se vos depara, se ela vos ajudará a aperfeiçoar o caráter; e, se a consciência vos responder afirmativamente, lançai mãos à obra.
 
Manter-se no Nível Mais Alto
 
Sucede, aos que adiam um serviço penoso, o mesmo que acontece aos que sofrem violentas dores de dente para não arrancarem um dente cariado, ou que, para não consentirem que hoje lhe amputem um dedo, se veem obrigados a permitir que amanhã lhes cortem um braço.
 
Tudo o que deixamos para depois por temor das dificuldades nos atormentará continuamente com o seu espectro, amargurando-nos os prazeres e perturbando-nos o repouso.
 
O candidato ao êxito tem de manter-se no seu mais alto nível, e, agrade-lhe ou não um trabalho que lhe pertença, tem de pôr-se à altura das dificuldades que o seu cumprimento provoque.
 
O Espírito Seguro e Sereno
 
Quantos desejariam ter uma boa saúde! Sabem que ela é o mais sólido fundamento da felicidade, mas repugna-lhes sacrificarem os passatempos e prazeres que a abalam e arruínam. De nada se abstêm, e para lisonja do paladar ou satisfação dos seus apetites, comem e bebem o que de antemão sabem que irá prejudicá-los, ou entregam-se a excessos sensuais que lhes comprometem os nervos.
 
Quantos desejam instruir-se! Reconhecem que não é possível saber nada sem estudar, mas desejariam uma ciência infusa, inspiração repentina, que os dispensasse das fadigas do estudo, e preferem desperdiçar o tempo em devaneios e frivolidades. Não passam de estudantes vulgares, que se limitam ao estrito cumprimento dos seus deveres acadêmicos, contando com a máxima proteção que puderem obter; mas esta não é a educação necessária para se poder enfrentar a vida bem de frente, com espírito seguro e sereno. É uma educação insuficiente para formar homens capazes de contribuir para a evolução do mundo. O bom estudante é o que não necessita de estímulos e nem trabalha, como escravo, sob a ameaça do chicote.
 
O caminho-de-ferro do Atlântico ao Pacífico, através do território dos Estado Unidos, não teria centuplicado a riqueza nacional, se os engenheiros retrocedessem ante os obstáculos aparentemente insuperáveis, que lhes punham as Montanhas Rochosas e a Serra Nevada. Mas o engenheiro desejoso de êxito perfura os Alpes, lança pontes sobre rios cuja largura causaria espanto ao pusilânime, e não o assusta o projeto de abrir túneis sob o canal da Mancha [1] e o estreito de Gibraltar.
 
Muitos vencidos têm o túmulo na margem de rios que não ousaram transpor, ou no sopé de montanhas que recearam subir.
 
Outros há que, sem terem falido por completo, se encontram todavia muito longe do triunfo no último quartel da vida, porque, em vez de se encaminharem diretamente para a meta, abrindo túneis e lançando pontes, por montes e vales, deram mil voltas para evitar os obstáculos que se lhe interpunham no caminho.
 
Se os que não se encontram satisfeitos com o que até agora fizeram se resolvessem a levar a cabo as empresas que por serem ingratas lhes repugnam, mas cuja utilidade reconhecem, não tardariam a ter maiores brios e a prosseguir com redobrado alento o caminho do triunfo.
 
É evidente que os vencedores nunca repararam nas dificuldades, mas tiveram por lema o “custe o que custar”, contanto que lhes custasse só a eles, e não acrescentaram o “caia quem cair”, o que seria indigno de uma ambição nobre e legítima. Encaminharam-se diretamente para o seu objetivo, sem fazerem distinção entre o fácil e o difícil, o leve e o pesado, o ingrato e o agradável.
 
Perguntaram a Henry Ward Beecher como é que conseguia trabalhar tanto, quase sem se fatigar. Respondeu: “Porque nunca faço uma coisa duas vezes. O que adia o cumprimento dum dever ingrato procede como se houvesse de o cumprir duas vezes, porque o pensar que o há de cumprir já é um tormento tão fatigante como o trabalho de o cumprir.”
 
Em todos os relógios de uma fábrica de Cleveland se lê este lema:
 
“Fá-lo agora”.
 
Se cada qual subordinasse a sua conduta a este lema, não só se evitariam muitos desgostos à humanidade, mas ainda se acrescentariam milhares de boas ações aos sucessos diários, muitos comerciantes se salvariam da falência, e seriam corrigidos metade dos extravios da nossa complicada vida social. O hábito vicioso de diferir as questões desagradáveis acarreta muitas desditas inúteis, porque oprime o espírito com o seu peso e não nos deixa disfrutar da satisfação e gozo que dimana do completo cumprimento do dever. O trabalho empreendido sem preguiça vem a ser muito menos espinhoso do que presumimos, e o prazer, subsequente à sua execução, compensa de sobra as fadigas que ela nos causa.
 
Os caminhos da derrota e do infortúnio estão pavimentados com boas intenções. Há proprietários a quem a casa arde, quando estavam para a segurar; fazendeiros que perdem uma rês, quando iam a pôr um cercado no redil ou uma fechadura na porta; especuladores que se propunham vender uma partida, no momento em que os preços iam subir como foguetes; comerciantes que se dispunham a pagar uma letra, mas que, por distração, deixaram chegar a hora do protesto.
 
O mau costume de antepor o fácil ao difícil nos serviços profissionais é tão insidioso como os vícios da morfina e do álcool. Quem não o vence, está sentenciado à derrota. Só na escola se pode admitir que se passe do fácil ao difícil.  
 
O aperfeiçoamento do caráter deve ser a finalidade da vossa ação na vida, e assim, haveis de fazer tudo quanto de um ou outro modo contribua para a obtenção deste objetivo, sem levar em conta se isso vos agrada ou desagrada, se vos parece fácil ou difícil, pois o importante é que vos torne mais fortes, sábios e bons, ainda que para isso tenhais de sacrificar as comodidades da vossa vida pessoal.
 
Se um jovem é convidado a tomar parte num ato público, como uma distribuição de prêmios num colégio, a discussão de um tema numa academia, ou qualquer outra reunião análoga, não deve perder a ocasião de fortalecer as suas qualidades com o esforço necessário para se sair airosamente da incumbência que tomou. Há alguns tão tímidos que não se atrevem a falar em público, receosos de ficarem calados, e se desculpam, dizendo que para outra vez se prepararão. Não obstante, quando chega o momento, sobrevém-lhes o mesmo temor do público e perdem a ocasião de melhorarem o seu caráter.
 
Cabe Aproveitar as Oportunidades
 
O mesmo pode dizer-se dos que, com o mesmo fim, oferecem aos jovens as secretarias das juntas diretivas de sociedades e corporações legalmente constituídas. Convém aceitar estes cargos, embora não sejam retribuídos e o seu desempenho exija muito trabalho, porque familiarizam os rapazes com os acidentes da vida, põem-nos em contato com homens experimentados, e preparam-nos para o exercício judicioso dos mais altos cargos. Mas há que aceitar o convite sem hesitações, para que não o assalte a dúvida de ser ou não apto para o seu desempenho. Há que aproveitar a ocasião, e pôr toda a alma no cumprimento dos deveres inerentes ao cargo.
 
A falsa modéstia é tão prejudicial como o orgulho, e, quando a um jovem se oferece um cargo de responsabilidade, prova é de que o consideram apto para o exercer, e não deve ser ele quem se rebaixe, dizendo que não serve, porque em vez de essa falsa modéstia lhe acarretar a consideração alheia, todos pensarão que o seu dever de homem era estar em condições de servir para o que se lhe oferecera.
 
Não andeis com rubores de semivirgem nem com escrúpulos descabidos. Não vacileis em aceitar a ocasião que se vos depara ou o lugar que vos oferecem. A vacilação e o receio de se podereis ou não desempenhá-lo com acerto demonstrarão falta de confiança em vós próprios, ou o desejo orgulhoso de vos fazerdes rogar. Em ambos os casos, seria indício de fraqueza de caráter.
 
Pouco mérito há em fazer uma coisa, quando já não há outro remédio, e mal influirá no aperfeiçoamento do caráter o resultado dessa ação. Até o mais tímido ratinho se defende, ao ver-se acossado, porque o instinto de conservação dá forças aos mais ruins temperamentos. Mas os heróis lutam com valor, não com temor, pois pelejam pela justiça e pela verdade.
 
Se tratardes de abrir caminho no mundo e não vos sentirdes capazes de salvar os múltiplos obstáculos que o obstruem, não vos desalenteis por isso, pois, ainda que de longe vos pareçam formidáveis, diminuirá a sua grandeza, à medida que deles vos aproximardes. Tende valor e confiança em vós mesmos, e o caminho se irá aplanando à medida que avançais.
 
Lede as biografias dos homens eminentes que desde o princípio limparam o seu caminho dos obstáculos que vos parecem insuperáveis. Tende cada vez mais fé em vós próprios, pois assim fareis diminuir as dificuldades, e acabareis por vencer.
 
NOTA:
 
[1] O túnel sob o Canal da Mancha já existe: foi inaugurado em maio de 1994, tem 51 quilômetros de extensão e é conhecido pelo nome de Eurotúnel. (CCA)
 
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O artigo acima foi publicado nos websites associados dia 14 de dezembro de 2021. Foi reproduzido do livro “A Obra Prima da Vida”, de O. S. Marden, Livraria Figueirinhas, 274 páginas, impresso na década de 1950 em Porto, Portugal, ver pp. 177 a 188.
 
A ortografia foi atualizada. Termos caídos em desuso foram substituídos por palavras usadas e conhecidas no século 21. A tradução, feita do original em inglês, é extremamente livre e algumas expressões desnecessárias foram omitidas.
 
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