A Sabedoria Ocidental Ensina Sobre Ética e Lei do Carma
Carlos Cardoso Aveline
Carlos Cardoso Aveline

Há milhares de anos, em um dia de outono, dois amigos viajavam a pé por um
caminho que atravessava um belo bosque. De repente surgiu diante deles um urso
faminto, ameaçador, pronto para atacar.
Sem pensar por um só instante, um dos viajantes subiu
rapidamente a um dos galhos mais elevados de uma árvore próxima. O outro,
sozinho diante da fera e ameaçado pelo sentimento de pânico, lembrou de algo decisivo.
Tempos atrás, tinha ouvido que um urso não se alimenta de cadáveres.
Atirou-se então imediatamente ao solo e fingiu-se de
morto. O urso chegou até ele e colou o focinho ao corpo aparentemente sem vida.
Durante alguns segundos, cheirou o rosto e as orelhas, enquanto o homem
continha a respiração. Sacudindo a cabeça, aparentemente decepcionado, o urso
desistiu e afastou-se. O perigo havia passado. O homem ergueu-se lentamente do
chão, sentindo uma perfeita calma. Seu colega desceu da árvore, aproximou-se
com ar curioso e perguntou:
“Quando você estava deitado, o que foi que o urso disse
ao seu ouvido?”
“Na verdade, ele me deu um conselho”, foi a resposta. “Na
linguagem dos ursos, ele me disse com jeito amável: ‘jamais deves viajar em
companhia de amigos como esse aí da árvore, que te abandonam a toda velocidade quando
estás em perigo’.”
A fábula acima é de Esopo. Ela ilustra o fato de que as
adversidades são úteis para testar a sinceridade dos nossos amigos. As derrotas
e situações de perigo podem ser muito desagradáveis, mas, pelo menos, elas nos
permitem conhecer a verdadeira solidez dos nossos laços de afeto. “Amigos na
dificuldade, amigos de verdade”, diz um antigo ditado inglês.
Encantando velhos e crianças há 25 séculos, as fábulas de
Esopo têm uma mensagem radical e poderosa. Elas refletem a vida como ela é.
Revelam com lucidez implacável os jogos de dissimulação, e colocam em cima da
mesa, para que todos vejam, a ambição, o medo e a inveja que ameaçam cada alma
em sua jornada pela vida. Mas também revelam as qualidades positivas que
permitem a libertação espiritual.
Uma fábula é uma história
carregada com simbolismo, que traz em si uma lição de vida e na qual os animais
possuem o dom da fala. Esopo é o fundador do gênero, e suas fábulas reúnem três
atributos principais: são curtas, belas e úteis. Elas nos ensinam, entre outras
coisas, que a vida é um dom de supremo valor; mas que viver é perigoso, e que,
por esse motivo, cada alma deve desenvolver ao máximo virtudes como atenção,
vigilância, coragem, prudência e equilíbrio.
A vida de Esopo não é uma mera
suposição. Ele existiu de fato, e é citado por Platão, Aristófanes, Xenofonte e
Aristóteles. Mas os detalhes da sua vida, esses, sim, são mais lendários que
literais. Os diferentes relatos são contraditórios. A biografia mais detalhada
dele, escrita por Planudes, é considerada fantasiosa. É verdade que La Fontaine
adotou como válida a narrativa de Planudes, mas parece ter feito isso por seu
valor como lenda.
Calcula-se que Esopo tenha
nascido em torno de 620 antes da era cristã. Escravo, gago, com o rosto
deformado por uma extrema feiura, Esopo era dotado de uma extraordinária
sabedoria prática. Os deuses curaram sua gagueira. Por causa do seu talento,
acabou sendo libertado por seu dono. Então o ex-escravo foi para Atenas, e ali
dedicou-se a defender as pessoas pobres e humildes. Usava suas fábulas para
denunciar a hipocrisia dos poderosos e para desmoralizar os procedimentos
injustos das elites. Há uma fábula que ilustra bem esse ponto:
Um dia, o leão, o asno e o lobo
decidiram sair juntos para caçar. Ficou combinado que qualquer coisa que eles
obtivessem seria dividida entre os três. Depois de matar um cervo de bom
tamanho, eles resolveram fazer uma grande refeição. O leão pediu ao asno que
repartisse a carne. O asno dividiu a comida em três partes iguais e convidou os
amigos a servirem-se. Mas o leão, indignado, atacou o asno e o reduziu a
pedaços. Em seguida, voltando-se para o lobo, o rei dos animais pediu
gentilmente que ele fizesse a divisão em duas partes. O lobo juntou todo o
alimento em uma única grande pilha, deixando de lado apenas uma minúscula
parcela para si mesmo.
“Ah, meu amigo”, disse o leão,
“como você aprendeu a dividir as coisas de maneira tão justa?”
“Foi fácil! Bastou que eu visse o
destino do nosso amigo asno” – explicou o lobo.
Uma lição da fábula acima é que “não
se deve confiar demasiado no sentido de justiça dos poderosos”. No Brasil, essa
história de Esopo deu origem e inspiração à imagem do Leão como símbolo da
Receita Federal, que cobra impostos da população brasileira. Vem dela a
expressão “a parte do leão”.
Outra conclusão da história é que
“é melhor aprender com os erros dos outros (como fez o lobo) do que com os
nossos próprios erros”.
De fato, o sábio procura tirar
lições dos fracassos alheios. Quem tem alguma sabedoria aprende com os seus
próprios erros (quando eles não são fatais), mas o tolo completo não é capaz de
aprender nem sequer com as suas próprias derrotas.
Devido ao seu discurso
irreverente em defesa dos mais fracos e da verdade, Esopo não demorou muito a
chamar atenção de Perístrato, dirigente de Atenas que era inimigo da liberdade
de pensamento.
Em 564 a. C., o contador de
histórias foi acusado de sacrilégio pelo oráculo de Delfos. Em sua defesa,
Esopo contou a fábula da águia e do besouro, afirmando que os privilegiados
devem respeitar os direitos dos mais fracos, porque os abusos de poder são
sempre punidos pelos deuses.
Diz a fábula:
“Uma
lebre, perseguida pela águia, pediu refúgio na casa de um besouro. O besouro,
valente e generoso, decidiu defender a lebre e disse à águia: ‘Em nome de
Júpiter, você deve respeitar o direito de exílio. A lebre agora é minha
hóspede.’ Ignorando a argumentação, a águia jogou o besouro a um lado e devorou
a lebre de imediato. Magoado, o besouro decidiu não dar trégua à opressão da
águia. Ele foi até o ninho da águia e jogou os ovos dela no chão, um a um. Não
havia nisso uma vingança pessoal, mas uma luta em favor dos mais fracos. A
águia construiu um segundo ninho, bem mais alto, mas o besouro foi até lá e
repetiu a operação. Diante disso, a águia procurou Júpiter para buscar um
acordo com o besouro. O chefe dos deuses tentou acalmar o besouro, mas foi
inútil. Pediu a ele que pensasse em uma conciliação, e a ideia foi rejeitada. O
último recurso encontrado por Júpiter para evitar a extinção da águia foi mudar
a época da sua reprodução para uma estação do ano em que os besouros não estão
em atividade.”
Moral
da história: “o carma do abuso de poder é pesado, e os opressores cedo ou tarde
devem reencontrar-se com a justiça e o equilíbrio.”
Mesmo
contando esta profunda fábula em sua defesa, Esopo foi condenado à morte e
lançado do alto de um penhasco. Depois de morto, porém, passou a ser
reconhecido como um dos grandes sábios da Grécia.
Não só
a fábula da águia e do besouro, mas muitas outras narrativas de Esopo tratam da
lei do Carma, segundo a qual nós colhemos tudo o que plantamos, em pensamentos,
sentimentos e ações. Uma das fábulas sobre o carma está ambientada em um tempo
mítico em que as abelhas não possuíam ferrões:
Certo
dia, quando o mundo ainda era jovem, uma abelha voou até o céu para levar a
Júpiter, o rei dos deuses, uma generosa oferta de mel. Júpiter ficou deliciado
com o doce presente e prometeu à abelha realizar um desejo seu, fosse qual
fosse. Emocionada, ela afirmou:
“Ah,
poderoso Júpiter, meu criador e meu mestre, desejo ganhar um ferrão, e um
ferrão tão poderoso que possa matar qualquer um que chegue perto da colmeia
para levar o mel.”
Ora, a
lei da natureza é a doação e o serviço altruísta. É pela generosidade que a
vida evolui. Irritado com o egoísmo da abelha, Júpiter disse:
“Seu
pedido será atendido, porém não do modo como você deseja. Ganhará um ferrão,
mas sempre que alguém vier buscar seu mel e você o atacar, o ferimento será
fatal para você e não para o outro. Você perderá sua vida junto com o ferrão
que será sua arma.”
Moral
da história:
“Aquele
que alimenta desejos de vingança atrai sofrimento para si mesmo”.
Em
outra fábula sobre a lei do carma, o asno e o lobo reaparecem como personagens:
Certo
dia, os dois amigos decidiram tornar-se sócios e saíram ao campo para buscar
alimentos. No caminho, encontraram um leão com jeito faminto e feroz.
Compreendendo perfeitamente a situação de perigo iminente, o lobo sorriu,
avançou com rapidez até o leão e murmurou:
“Se
você prometer não me atacar, eu posso trair o asno, e desse modo você o
prenderá facilmente.”
O leão
concordou, e o lobo atraiu o asno para uma armadilha. Porém, logo depois que o
asno foi capturado, o leão atacou furiosamente o lobo e fez dele o seu almoço, preferindo
guardar o asno para a refeição seguinte.
A
conclusão da história é que “os traidores devem esperar por traição”. Quem com
ferro fere, com ferro será ferido. Outra conclusão da fábula é que “os mais
fracos fazem bem em unir-se diante dos mais poderosos, sempre que esses abusam
do seu poder”. Uma terceira ideia: “devemos ser leais a nossos amigos”.
O carma
é um mecanismo complexo. Às vezes ele amadurece imediatamente. Outras vezes é
necessário muito tempo. Em todos os casos, o que acontece fica registrado no Akasha
ou luz astral e – no momento certo – a justiça cármica retribui a cada um conforme
os seus méritos. O carma tem seu próprio ritmo e ele deve ser respeitado. Assim,
a busca de vingança pessoal produz maus resultados, conforme conta outra fábula
de Esopo:
Muitos
anos atrás, um cavalo selvagem possuía um vasto campo de pasto à sua
disposição. Certo dia, um cervo invadiu o território e comeu grande parte do
alimento. Cego de raiva, o cavalo procurou o homem e pediu sua ajuda para punir
o cervo. “Sim, claro”, disse o homem. “Mas, para isso, eu preciso colocar um
freio em sua boca e montar sobre suas costas. Assim poderei punir o cervo.” O
cavalo concordou, e o homem montou nele. Desde aquele dia, ao invés de obter
sua vingança, o cavalo ficou escravo do homem.
A moral
da história é que, “buscando vingança, você perde sua liberdade”.
De
fato, o rancor pode ser uma grande prisão psicológica – e para alguns,
inclusive, uma prisão perpétua. Mas o otimismo, o desapego e o sentimento
solidário libertam a alma de sofrimentos.
A lei
do carma rege a todos os seres, tanto física quanto mental e espiritualmente.
Cada pessoa tem um Carma Mental que produz resultados em seu próprio nível.
Nossos hábitos de pensamento são nosso carma, porque criam nossa maneira de ver
o mundo – e de viver. O pensamento influencia decisivamente cada aspecto da
vida. Aquele que busca enganar outras pessoas pode obter vantagens externas de
curto prazo, porém adquire inevitavelmente um mau carma correspondente no plano
mental, onde tudo é mais durável que nos planos inferiores da realidade. As
vantagens pessoais obtidas por meios injustos são colocadas dentro de uma
atitude mental negativa. Na verdade, elas surgem de uma atitude mental negativa
e a reforçam. O mentiroso perde o sentido da realidade, e assim atrai
sofrimento para si mesmo. Em compensação, a opção pela sinceridade é uma fonte
de bênção, a médio e longo prazo, embora a curto prazo possa trazer consequências
incômodas. A história de um lenhador que jamais mentia demonstra essa verdade.
Conta
Esopo:
Cortando
uma árvore na beira de um rio, um lenhador deixou seu machado cair na água.
Desesperado ao ver que perdera seu instrumento de trabalho, ele sentou à margem
do rio e começou a chorar. Mas o rio pertencia ao deus Mercúrio, que teve
compaixão do lenhador. Mercúrio voou até o local e mergulhou no rio. Pouco
depois, emergiu da água com um machado de ouro e perguntou ao lenhador:
“Esse é
o seu machado?”
O homem
disse que não. Mercúrio mergulhou pela segunda vez e voltou com um machado de
prata:
“É
seu?”
E o
lenhador disse que não.
Então
Mercúrio mergulhou pela terceira vez, trouxe o machado do lenhador, entregou-o
e, como presentes, deixou com ele também os machados de ouro e de prata.
No dia
seguinte, o homem contou aos seus amigos o que acontecera. Um deles decidiu
fazer uma experiência: foi ao mesmo lugar do rio, deixou seu machado cair na
água intencionalmente, e então começou a chorar. Mercúrio não tardou a
aparecer. O deus de pés alados mergulhou nas águas e, ao voltar, apresentou-lhe
um machado de ouro, perguntando se era dele.
“Sim,
esse mesmo”, mentiu de imediato o lenhador, estendendo o braço para agarrar o
objeto precioso.
Indignado
com a insinceridade, Mercúrio não lhe entregou o machado de ouro, e tampouco
lhe devolveu o seu machado comum de ferro e madeira.
Moral
da história: “em todas as situações, a melhor estratégia é a honestidade”.
De
fato, a vida testa a cada momento a nossa decisão de agir corretamente. O uso
da atenção e da perseverança permite identificar as sutis relações de causa e
efeito que ligam a ignorância espiritual ao sofrimento físico e emocional.
Assim podemos
perceber que cada um é senhor de seu destino – que cada ser provoca a sua
própria felicidade ou seu sofrimento – e fica um pouco mais fácil percorrer o caminho
ao autoconhecimento.
FONTES BIBLIOGRÁFICAS:
“Aesop’s Fables”, Penguin Popular
Classics, selected and adapted by Jack Zipes, Penguin Books, U.K., 1996, 212
pp.
“Aesop’s Fables”, Illustrated by Arthur
Rackham, Wordworth Classics, Wordworth Editions, UK, 1994, 200 pp. Introduction
G.K. Chesterton. Translation by V.S. Vernon Jones.
“Fábulas de La Fontaine”, Jean de La
Fontaine, Ed. Itatiaia, Belo Horizonte, edição em dois volumes.
“Fábulas”, Esopo, Planeta
DeAgostini/Editorial Gredos, Madrid, España, 1993, 156 pp., traducción y notas
de Pedro Bádenas de la Peña.
“The Fables of Phaedrus”, translated by
P.F. Widdows, University of Texas Press, Austin, USA, 170 pp.
“Fábulas”, Esopo, L&PM Pocket, Porto
Alegre, 2003, 184 pp.
“Fábulas de Fedro”, em latim e português,
tradução linha por linha, com comentários, Maximiano Augusto Gonçalves,
Livraria H. Antunes Ltda., Editora, Rio de Janeiro, quinta edição, 1957, 352
pp.
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