Um Informe Especial Sobre a Ilusão Monoteísta
Carlos Cardoso Aveline
Carlos Cardoso Aveline
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As cinco partes do texto a seguir foram publicadas pela
primeira vez na edição de fevereiro de 2010 de “O Teosofista”.
As notas
numeradas vão ao final de cada parte.
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“..... Nós negamos Deus
como filósofos e como budistas.”
[Da Carta 88 de “Cartas dos
Mahatmas”]
1. Deus é uma Invenção
Humana
Raja Ioga Ensina Sobre Lei Universal e Autorresponsabilidade
Um número
crescente de pessoas examina hoje a origem e a história da noção de Deus, e
compreende que os deuses Criadores e Salvadores das diferentes religiões
populares foram, sempre, inventados pelos próprios seres humanos.
A credulidade religiosa dos povos não
sustenta só as ilusões teológicas e as castas sacerdotais. Ela também justifica
e legitima a guerra, o terror, o armamentismo, a escravização das mentes e
outras formas de desrespeito à vida. O que está em jogo, pois, não é um mero
debate teórico entre os seguidores desta ou daquela tese, mas o futuro da atual
civilização. A violência no
Afeganistão, no Paquistão, no Oriente Médio e ao redor do mundo não é obra do
acaso. O ódio entre povos e religiões tem um fundo cultural, e resulta de uma
visão teológica e monoteísta do mundo.
A violência e até a
proliferação nuclear feitas em nome de Deus estão na pauta das reuniões da ONU.
Elas também são discutidas diariamente nos meios de comunicação. Mas a agressão
que surge da fé em deus nem sempre chega ao nível político-militar. Ela pode
ser mais sutil, como quando promove, por exemplo, a dominação mental e a
cegueira voluntária de milhões de pessoas.
A força atual da
credulidade supersticiosa resulta da pouca popularização, durante o século
20, da filosofia esotérica oriental e
das diversas filosofias universalistas. Isso torna mais difícil, e mais
importante, o desafio da primeira metade do século 21.
A crise global de hoje deve ser olhada de
frente. Ela é ao mesmo tempo ética, geológica, financeira, política,
espiritual, e, potencialmente, militar-nuclear. Nesta situação, a iniciativa
positiva deveria vir dos países cristãos. O cristianismo lidera a civilização.
Há milhões de cristãos sinceros. Os cidadãos ocidentais deveriam ser os
primeiros a romper com as antigas superstições forjadas durante a idade média.
Eles deveriam resgatar por iniciativa própria aquela ética universal que
permite ver além dos dogmas e que nos capacita para reconhecer como irmãos
todos os povos. Abandonando as superstições, os cidadãos de todo o mundo
perceberão a unidade interdisciplinar
que permeia as diferentes culturas, religiões e filosofias, e também poderão
ver as imperfeições de cada uma delas.
Abrir espaço para esta nova visão das coisas é uma tarefa prática.
Como parte da reflexão a este respeito, transcrevemos a seguir cinco
trechos de um dos documentos mais extraordinários da filosofia esotérica de
todos os tempos. Escrito em 1882, o texto está publicado como Carta 88 na
coletânea de “Cartas dos Mahatmas”. Nele, um Raja Iogue explica a posição da
filosofia esotérica diante da questão de Deus.[1] Diz o Mestre:
Causas e Efeitos
“Nem a nossa
filosofia, nem nós próprios acreditamos em um Deus, e muito menos em um Deus
cujo pronome necessita uma inicial maiúscula. Nossa filosofia se encaixa na
definição de Hobbes. Ela é preeminentemente a ciência dos efeitos pelas causas
e das causas por seus efeitos, e já que ela é também a ciência das coisas
surgidas do primeiro princípio, segundo a definição de Bacon, antes de admitir
qualquer primeiro princípio devemos conhecê-lo, sem o que não temos o direito
de admitir nem mesmo sua possibilidade.” (páginas 53-54)
A Verdade Sem Meios-Termos
“Nossa doutrina não conhece meios-termos. Ela
afirma ou nega, porque só ensina aquilo que sabe que é a verdade. Portanto, nós
negamos Deus como filósofos e como budistas. Sabemos que há vidas planetárias e
outras vidas espirituais, e sabemos que em nosso sistema solar não existe coisa
tal como Deus, seja pessoal ou impessoal. Parabrahm não é um Deus, mas a lei
absoluta imutável, e Ishwar é o efeito de Avidya e Maya, ignorância baseada na
grande ilusão. A palavra ‘Deus’ foi inventada para designar a causa
desconhecida daqueles efeitos que o homem tem admirado ou temido sem entender,
e já que nós alegamos e somos capazes de comprovar o que alegamos - isto é, que
conhecemos aquela causa e outras causas - temos condições de sustentar que não
há Deus ou Deuses atrás daqueles efeitos.” (página 54)
Deus é um Bicho-Papão
“A ideia de Deus não é uma noção inata, mas
adquirida, e nós só temos uma coisa em comum com as teologias - nós revelamos o
infinito. Mas enquanto atribuímos causas materiais, naturais, sensíveis e
conhecidas (por nós, pelo menos) a todos os fenômenos que procedem do espaço,
da duração e do movimento infinitos e ilimitados, os teístas atribuem a eles
causas espirituais, sobrenaturais, ininteligíveis e desconhecidas. O Deus dos
teólogos é simplesmente um poder imaginário, un loup garou [bicho-papão] na
expressão de d’Holbach - um poder que até agora nunca se manifestou.
Nossa principal meta é libertar a humanidade deste pesadelo, ensinar ao
homem a virtude pelo bem da virtude, e ensiná-lo a caminhar pela vida
confiando em si mesmo, ao invés de depender de uma muleta teológica que por
eras incontáveis foi a causa direta de quase toda a miséria humana.” (páginas
54-55)
A Vida Una Inclui o Mundo
Material
“Podemos ser chamados de panteístas - de
agnósticos, NUNCA. Se as pessoas estiverem dispostas a aceitar e a ver como
Deus nossa VIDA UNA, imutável e inconsciente em sua eternidade, poderão fazê-lo
e assim manter mais um gigantesco equívoco de denominação. Mas então terão de
dizer como Spinoza que não há e não podemos conceber qualquer outra substância
além de Deus, conforme aquele famoso e infeliz filósofo [2] diz
em sua décima-quarta proposição: ‘praeter Deum neque dari neque concipi potest
substantia’ - e assim tornarem-se panteístas... Quem, exceto um teólogo formado
no mistério e no mais absurdo sobrenaturalismo pode imaginar um ser autoexistente,
necessariamente infinito e onipresente, fora do universo manifestado que não tem fronteiras? A palavra infinito é apenas uma negativa que exclui a ideia
de limites. É evidente que um ser independente e onipresente não pode estar
limitado por nada que seja externo a ele; que não pode haver nada externo a ele
- nem mesmo um vácuo; portanto, onde haverá espaço para a matéria? Para aquele
universo manifestado, mesmo que este último seja limitado? Se perguntarmos aos
teístas se o Deus deles é vácuo, espaço ou matéria, eles responderão que não. E
no entanto eles sustentam que o Deus deles penetra a matéria embora ele próprio
não seja matéria. Quando nós falamos da nossa Vida Una, também dizemos que ela
não só penetra, mas é a essência de cada átomo de matéria; e que, portanto, ela
não apenas tem correspondência com a matéria mas possui também todas as suas
propriedades, etc. - consequentemente, é material, é a própria
matéria.” (página 55)
Crença em Deus Produz Sofrimento
Desnecessário
“.... Direi a você qual é a maior, a
principal causa de cerca de dois terços dos males que perseguem a humanidade
desde que esta causa se tornou um poder. É a casta sacerdotal, o clero e as
igrejas; é nestas ilusões que o homem vê como sagradas, que ele deve procurar a
fonte daquele sem-número de males, que é a grande maldição da humanidade e que
quase domina totalmente o gênero humano. A ignorância criou os Deuses e a
astúcia aproveitou a oportunidade. Veja a Índia, veja a Cristandade, o
Islamismo, o Judaísmo e o fetichismo. Foi a impostura dos cleros que fez com
que estes Deuses passassem a ser tão terríveis para o homem; é a religião que o
transforma no beato egoísta, no fanático que odeia toda a humanidade fora da
sua própria seita, sem torná-lo em nada melhor ou mais moral por isso. É a
crença em Deus e nos Deuses que faz de dois terços da humanidade escravos de um
punhado daqueles que os enganam com o falso pretexto de salvá-los. O homem não
está sempre pronto a cometer qualquer tipo de maldade se lhe disserem que seu
Deus ou Deuses exigem o crime - vítima voluntária de um Deus ilusório, escravo
abjeto de seus ministros astuciosos? Os camponeses irlandeses, italianos e
eslavos passarão fome, e verão suas famílias famintas e sem roupa, para
alimentar e vestir seu padre e seu papa. Durante dois mil anos a Índia gemeu
sob o peso das castas, com os brâmanes engordando só a si mesmos com o melhor
da terra, e hoje os seguidores de Cristo e os de Maomé estão cortando as
gargantas uns dos outros em nome - e para maior glória - dos seus respectivos
mitos. Lembre que a soma da miséria humana nunca será diminuída até aquele dia
em que a parte melhor da humanidade destruir, em nome da Verdade, da moralidade
e da caridade universal, os altares dos seus falsos deuses.” (páginas 61-62)
NOTAS:
[1] “Cartas dos
Mahatmas Para A. P. Sinnett”, Editora Teosófica, Brasília, 2001, edição em dois
volumes, ver volume II, Carta 88. Os números das páginas são indicados entre
parênteses ao final de cada trecho. A íntegra da Carta 88 está publicada em nossos
websites associados sob o título “Mestres Ensinam Que Não Há Deus”,
e pode ser facilmente localizada através das Listas de Textos por Ordem
Alfabética.
[2] Benedictus de Spinoza foi perseguido por suas ideias
filosóficas mesmo na Holanda do século 17, conhecida por seu clima de liberdade
religiosa. Sua principal obra, “Ética”, não pôde ser publicada enquanto ele viveu. Foi acusado de ateísmo e
considerado um herege pela comunidade judaica. A décima-quarta proposição
mencionada a seguir pelo Mestre pertence à parte I, “De Deus”, do seu famoso
tratado sobre a Ética (publicado no Brasil pela Ed. Ediouro). (Nota da edição
brasileira de “Cartas dos Mahatmas”)
2. Do Monoteísmo para o Universalismo
Século 21 Pode Trazer a Fraternidade Planetária e Inter-Religiosa
Por toda parte e desde
a mais remota antiguidade, o homem criou Deus à sua própria imagem e semelhança,
e não o contrário. As ideologias monoteístas fortalecem a intolerância. Desde
que elas passaram a dominar, não têm faltado tentativas de assegurar-se a posse
exclusiva do mundo divino por parte de diferentes povos, cujos deuses,
convenientemente, autorizam a matar e a maltratar sem dó nem piedade os
“infiéis”, os “hereges” e os
“descrentes”.
O deus dos cristãos seria, supostamente, “o único existente”. Esta
pretensão pouco modesta justificou o desrespeito e a perseguição não só dos
judeus, mas dos povos indígenas das Américas, da África e da Ásia. Na verdade o deus dos cristãos é uma cópia e
uma versão romanizada do deus judaico, que, por sua vez, também é supostamente
“único”, tenha sido tomado e adaptado de povos e tribos ainda mais antigos. Ao
invés de agradecer aos hebreus por tomar-lhes emprestado o seu Deus e a sua
escritura, os cristãos perseguiram os seguidores de Jeová durante quase dois
mil anos. Tentaram eliminá-los como povo e como cultura, pela intimidação, pela
assimilação forçada, e pela violência física. Talvez por isso Adolf Hitler
nunca tenha sido excomungado, e nem sequer criticado pelo Papa, antes da sua
derrota militar. Na área do desrespeito aos direitos humanos, Adolf Hitler e os
papas tinham muito em comum.
O deus muçulmano é uma criação mais recente que a divindade monoteísta
cristã. Ele também é apresentado como o
único deus que existe, mas, na prática, ele é um irmão mais jovem do deus que hoje é controlado
- em suas diversas versões - pelas igrejas católicas, ortodoxas, protestantes e
luteranas.
A verdade é que, desde a mais remota antiguidade, cada povo tem
produzido sempre os seus mitos simbólicos e divinos com base na mitologia
herdada de povos mais antigos. Helena P. Blavatsky
escreveu em “A Doutrina Secreta”:
“Não é a Natureza
in abscondito, o Deus Único e Desconhecido sempre-presente na Natureza, que é
rejeitado, mas o Deus do dogma humano e a sua ‘Palavra’ humanizada. Em sua
infinita presunção e no orgulho e vaidade que lhes são inerentes, seres humanos
criaram eles mesmos Deus com suas mãos sacrílegas, tendo como base o material
que encontraram em suas próprias e reduzidas estruturas cerebrais; e o
impuseram à humanidade como se fosse uma revelação vinda do ESPAÇO
não-revelado.” [1]
A “Carta do Grande
Mestre” - também conhecida na literatura
esotérica como “Carta do Chohan” - descreve o programa de ação de longo prazo do
movimento teosófico. Ali podemos ler a seguinte profecia, cujo cumprimento deverá
ocorrer com ajuda ativa do movimento esotérico autêntico:
“As
doutrinas fundamentais de todas as religiões se comprovarão idênticas em seu
significado esotérico, uma vez que sejam desagrilhoadas e libertadas do peso
morto representado pelas interpretações dogmáticas, dos nomes pessoais, das
concepções antropomórficas e dos sacerdotes assalariados. Osíris, Krishna,
Buda e Cristo serão apresentados como nomes diferentes de uma mesma estrada
real para a bem-aventurança final, o Nirvana.”
E
a carta do Chohan prossegue:
“O
Cristianismo místico, isto é, aquele Cristianismo que ensina a autolibertação
através do nosso próprio sétimo princípio - o Para-Atma (Augoeides) libertado, chamado por alguns de Cristo, por
outros, de Buda, e equivalente à regeneração ou renascimento em espírito -
será visto como exatamente a mesma verdade
do Nirvana do Budismo. Todos nós temos de nos livrar de nosso próprio Ego, o
ser ilusório e aparente, a fim de reconhecer nosso verdadeiro ser em uma vida divina
transcendental. Mas, se não formos egoístas, devemos esforçar-nos e fazer com
que outras pessoas vejam essa verdade, e reconheçam a realidade desse ser
transcendental, o Buda, Cristo ou Deus de cada pregador. Esta é a razão por
que mesmo o Budismo exotérico é o caminho mais seguro para conduzir os homens
em direção à única verdade esotérica.
Do modo como se encontra o mundo agora, seja cristão, muçulmano ou pagão,
a justiça é desconsiderada, enquanto a honra e a piedade são atiradas ao vento.”
Mais
adiante, o documento afirma:
“O
mundo em geral, e especialmente a cristandade, abandonado por dois mil anos ao
regime de um Deus pessoal, bem como a seus sistemas políticos e sociais
baseados nessa ideia, provou agora ser um fracasso.” [2]
De fato, as religiões
supersticiosas não produziram ética, nem paz, nem justiça social. Tampouco
estabeleceram um convívio equilibrado com o meio ambiente natural. Elas deixaram
de servir à evolução humana, e algo melhor do que elas está surgindo agora, gradualmente.
O processo de nascimento da visão pós-dogmática e universalista
do mundo deverá acelerar-se nos séculos 21
e 22.
NOTAS:
[1] “A Doutrina Secreta”, H.P.
Blavatsky, edição passo a passo em nossos websites associados. Ver páginas 49-50.
Na edição original em inglês, “The Secret Doctrine”,
H. P. Blavatsky, Theosophy Co., Los Angeles, 1982, volume I, p. 9.
[2] O texto “A Carta do Grande Mestre” está
disponível em nossos websites associados, e pode ser localizado através das
Listas de Textos por Ordem Alfabética.
3. A Crença Como Problema Pedagógico
Dependência Teológica Destrói Autoconfiança
do Indivíduo
Um Mahatma explicou os motivos psicológicos pelos
quais a crença supersticiosa em um Deus Monoteísta obstaculiza o aprendizado
espiritual. Diz o Mestre:
“Um
sentimento constante de dependência abjeta a uma Divindade vista como a única
fonte de poder faz com que um homem perca toda autoconfiança e o impulso para a
atividade e a iniciativa. Tendo começado por criar um pai e guia para si, ele
se torna como um menino e permanece assim até a idade avançada, esperando ser
conduzido pela mão tanto nos pequenos como nos grandes acontecimentos da vida.
O ditado ‘Ajuda a ti mesmo e Deus te ajudará’ é interpretado por ele de tal
maneira que, quando um empreendimento resulta de modo vantajoso, ele credita
isso apenas a si mesmo; quando é um fracasso, ele atribui isto à vontade de seu
Deus. (.....) Os pecados de vocês? O maior é atribuir a Deus a tarefa de
libertá-los deles. Esta não é uma piedade meritória, mas uma debilidade egoísta
e indolente. Ainda que a vaidade possa sussurrar o contrário, preste atenção
apenas a seu bom senso.” [1]
Ou seja, enquanto houver crença em um deus monoteísta, não pode haver
uma compreensão cabal de que o principal templo é nossa própria consciência, e que
a grande divindade, invisível e impessoal, é Atma, o princípio universal presente neste
Templo e também fora dele. Este princípio é imparcial. Ele não manipula os
fatos. Ele não faz favores, nem pode ser
comprado ou subornado com homenagens, velas acesas, elogios, missas, cultos,
orações, pedidos, novenas, procissões ou promessas.
No caminho da felicidade, vale, isso sim, o ensinamento do Jesus do
Novo Testamento: o que se planta, se colhe. Vale a lei do carma, e não o suposto
favor pessoal de deuses monoteístas imaginários. É deste modo que a
humanidade cresce. Pode ser difícil
desafiar e abandonar as ilusões: mas não
há outro caminho.
NOTA:
[1] “Cartas dos Mestres de Sabedoria”,
Ed. Teosófica, Brasília, Primeira Série, Carta 43.
4. Raja Ioga Propõe a Autolibertação
Liberdade Resulta do Exercício da Responsabilidade Cármica
A teosofia - assim como a Raja Ioga -
propõe o caminho da autonomia do aprendiz. Os obstáculos que impedem a
felicidade de cada indivíduo devem ser afastados do seu caminho por ele mesmo e
por mérito próprio. Ele próprio criou os obstáculos, e, portanto, a tarefa de
afastá-los pertence a ele. Este é o ensinamento da lei do carma.
O processo pelo qual o indivíduo humano cria sempre a cada momento as
circunstâncias do seu futuro passa pelo encadeamento constante dos pensamentos
entre si, através de hábitos e padrões estabelecidos. Estes hábitos, porém,
estão sujeitos à alteração através da força de vontade.
Um Mestre explica como se dá o mecanismo:
“....Cada
pensamento do homem, ao ser produzido, passa ao mundo interno e se torna uma
entidade ativa associando-se - amalgamando-se, poderíamos dizer - com um
elemental, isto é, com uma das forças semi-inteligentes dos reinos. Ele
sobrevive como inteligência ativa - uma criatura gerada pela mente - por um
período mais curto ou mais longo, proporcionalmente à intensidade da ação
cerebral que o gerou. Desse modo um bom pensamento é perpetuado como força
ativa e benéfica, um mau pensamento como demônio maléfico. Assim, o homem está
constantemente ocupando sua corrente no espaço com seu próprio mundo, um mundo
povoado com a prole de suas fantasias, desejos, impulsos e paixões; uma
corrente que reage sobre qualquer organização sensível ou nervosa que entre em
contato com ela na proporção da sua intensidade dinâmica. A isto os budistas
chamam ‘Skandha’. Os hindus lhe dão o nome de ‘Carma’. O adepto produz essas
formas conscientemente; os outros homens as atiram fora inconscientemente.” [1]
NOTA:
[1]
“Cartas dos Mahatmas”, Ed. Teosófica, Brasília, volume II, p. 343, Primeira
Carta para A. O. Hume.
5. Trocando
Dogmas por Autoconfiança
A Tarefa é Combinar
Independência Pessoal Com Ajuda Mútua
Para a teosofia original, o estudante deve
combinar independência pessoal com solidariedade. Ele deve reunir em si autorresponsabilidade
e compaixão universal. Nenhum mestre tem como função salvar o aprendiz dos seus
próprios erros, ou das consequências dos seus erros no passado. A função do
mestre é dar elementos para que o discípulo liberte a si próprio.
Nos trechos a
seguir, tirados de cartas dos Mestres, vemos os princípios pedagógicos seguidos
pelos instrutores autênticos:
* “...Você tem uma carta minha em que explico por que nós nunca guiamos nossos chelas (mesmo os mais avançados); nem os avisamos
antecipadamente, mas deixamos que os efeitos produzidos pelas causas criadas
por eles ensinem-lhes uma melhor experiência.” [1]
*
“Você está pronta para fazer a
sua parte no grande trabalho da filantropia? Você ofereceu-se para a Cruz
Vermelha; mas, Irmã [2], existem
doenças e feridas da alma que não podem ser curadas pela arte de nenhum
cirurgião. Irá auxiliar-nos a ensinar à humanidade que os doentes-da-alma devem
curar-se a si próprios? Sua ação será
sua resposta.” [3]
*
“Todo ser humano contém dentro
de si vastas potencialidades, e é dever dos adeptos rodear o possível chela com
circunstâncias que o capacitarão para tomar o ‘caminho da direita’ - se ele
tiver a capacidade dentro de si. Não temos o direito de retirar a chance de um
postulante, assim como não podemos guiá-lo e dirigi-lo pelo caminho correto. Na
melhor das hipóteses, podemos apenas mostrar a ele - depois que seu período de
provação terminou exitosamente - que se ele fizer isso irá bem; se fizer
aquilo, irá mal. Mas até que ele haja passado por esse período, nós deixamos
que ele trave suas batalhas do melhor modo que puder; e temos que fazer o mesmo
ocasionalmente com chelas mais adiantados e iniciados,
como H.P.B., uma vez que lhes é permitido trabalhar no mundo, o que todos nós
evitamos mais ou menos. E além disso (.....) nós deixamos que nossos candidatos
sejam tentados de mil maneiras
diferentes, de modo que venha para fora a totalidade da sua natureza interna, e
deixamos a esta a possibilidade de vencer de uma maneira ou de outra. (.....)
Todos nós somos testados dessa maneira (.....).” [4]
Ao analisar certos erros cometidos por Helena Blavatsky, um Mestre
escreve:
“De acordo com nossas regras, (....)
[o Mestre de H.P.B.] não tinha
permissão para proibi-la claramente de fazer tal coisa. Ela tinha que ter total
e inteira liberdade de ação, a liberdade de criar
causas que se transformariam com o tempo no seu carrasco, seu pelourinho
público. Ele podia, no máximo, proibi-la de produzir fenômenos, e ele recorria
a este último recurso tão frequentemente quanto podia, para grande insatisfação
dos amigos dela e dos teosofistas.” [5]
A independência é essencial para que haja um real aprendizado, segundo
explica um Mahatma:
“Você está completamente desinformado sobre o nosso sistema, e se eu
pudesse torná-lo claro para você, haveria dez chances contra uma de que os seus
‘melhores sentimentos’ - os sentimentos de um europeu - ficariam perturbados,
ou algo pior, com uma disciplina tão ‘chocante’. O fato é que, até a última e
suprema iniciação, todo chela - (e mesmo alguns adeptos) - é deixado com seus
recursos e opinião próprios. Temos que enfrentar nossas próprias batalhas, e o
adágio familiar - ‘o adepto faz a si mesmo, ninguém o faz’ - é verdadeiro
literalmente. Já que cada um de nós é o criador
e produtor das causas que levam a
este ou àquele resultado, temos que colher apenas aquilo que semeamos. Nossos chelas são ajudados apenas quando são
inocentes das causas que os colocaram em dificuldades; quando tais causas
são geradas por influências alheias, externas. A vida e a luta pelo adeptado
seriam demasiado fáceis, se todos tivéssemos limpadores atrás de nós varrendo
para longe os efeitos que geramos
através da nossa imprudência e presunção. (.....) Assim, passo a passo, e
depois de uma série de punições, o chela aprende pela amarga experiência a
suprimir e guiar seus impulsos; ele perde sua imprudência, sua autossuficiência,
e nunca cai nos mesmos erros.” [6]
No discipulado, o aprendiz deve optar entre dois caminhos:
“Um chela em provação tem permissão para pensar e fazer o que quiser.
Ele é advertido e informado previamente: ‘Você será tentado e enganado pelas
aparências; dois caminhos se abrirão diante de você, os dois levando à meta que
você está tentando alcançar; um, fácil, e este o levará mais rapidamente ao
cumprimento das ordens que você pode receber; o outro, mais árduo, mais longo;
um caminho cheio de pedras e espinhos que o farão pisar em falso mais de uma
vez; e no final do qual você pode, talvez, chegar a um fracasso, depois de
tudo, e ser incapaz de executar as ordens dadas para um pequeno trabalho
particular - mas, enquanto este caminho fará com que as dificuldades
enfrentadas por você devido a ele sejam todas contabilizadas a seu favor a
longo prazo, o outro, o caminho fácil, só pode oferecer a você uma gratificação
momentânea, uma realização fácil da tarefa’.” [7]
O princípio pedagógico e filosófico da “autonomia do aprendiz” - para
citar a expressão criada pelo educador brasileiro Paulo Freire - pode demorar
ainda algum tempo até ser absorvido na prática e substituir, finalmente, as
crenças dogmáticas. Ele deve ser adaptado e aplicado gradualmente a cada
situação humana. Todos os seres são aprendizes, e cada momento da vida traz uma
ou mais lições, para quem tem olhos para
ver.
Quando o aprendizado consciente substituir finalmente os dogmas
cegos, três axiomas fundamentais ficarão
claros para o conjunto da humanidade:
I - “A alma do homem é imortal, e o seu futuro é o futuro de algo cujo
crescimento e esplendor não têm limites.”
II- “O princípio que dá vida habita em nós e fora de nós. Ele é imortal
e eternamente benéfico; não é ouvido, nem visto, nem sentido pelo olfato, mas é
percebido pelo homem que deseja a percepção.”
III - “Cada homem é o seu próprio absoluto legislador, produzindo para
si glória ou trevas; é o decretador da sua vida, da sua recompensa, da sua
punição.” [8]
NOTAS:
[1] “Cartas
dos Mahatmas”, Ed. Teosófica, Carta 95, vol. II, p. 151
[2] Na edição brasileira, vemos a palavra “Filha”.
Porém vale o original em inglês, em que temos
“Irmã”.
[3] “Cartas dos Mestres de Sabedoria”, Ed. Teosófica,
Carta 72, segunda série, p. 248.
[4] “Cartas dos Mahatmas”, Carta 92, vol. II,
pp. 97-98.
[5] “Cartas dos Mahatmas”, Carta 92, vol. II, pp. 92-93.
[6] “Cartas dos Mahatmas”, Carta 92, vol. II, pp.
90-91.
[7] “Cartas dos Mahatmas”, Carta 74, vol. I, p.
343.
[8] “Luz no Caminho”, de M. C., com Tradução,
Notas e Prólogo de C. C. Aveline, The
Aquarian Theosophist, Portugal, 2014, 85 pp., ver p. 29.
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