24 de fevereiro de 2013

A Inteligência Emocional

Como a Ciência Convencional Descobre as
Potencialidades Ilimitadas da Consciência Humana

Carlos Cardoso Aveline





Há algum tempo, duas perguntas na aparência simples, colocadas pela ciência, vêm subvertendo a maneira estabelecida de ver e de pensar a nós próprios:

“O que é inteligência? Quantas inteligências possui o ser humano?”

As respostas a essas questões nos levam a uma expansão do nosso campo de consciência individual, enquanto integram e harmonizam os diferentes setores do nosso ser.

Até 1981, para todos os efeitos havia uma só inteligência: era a capacidade de compreender lógica e racionalmente as coisas, e estava sediada no hemisfério cerebral esquerdo do neocórtex, o grande sistema de tecidos ondulados das camadas superiores do cérebro.

Naquele ano, quando o pesquisador Roger Sperry recebeu o prêmio Nobel de Medicina depois de descobrir que o hemisfério cerebral direito também contribui para a inteligência humana, rompeu-se uma ilusão coletiva. Começava uma revolução. O conceito de inteligência passava a ampliar-se radicalmente em direção a níveis ilimitados.

Como funciona o hemisfério cerebral esquerdo? Ele é racional. Vê as coisas uma depois da outra, em  sucessão cronológica.  Estuda as  relações diretas de causa e efeito (e se guia por elas), classifica, analisa e rotula. Em relação ao tempo, seu lema é “primeiro uma coisa, depois a outra”. Em relação ao espaço, sua bandeira é “um lugar para cada coisa, e cada coisa em seu lugar”. As perguntas preferidas são as mesmas questões-chave do jornalismo convencional: Quem? O quê? Onde? Quando? Como? Por quê?

Antes, no plano do conhecimento comum, tanto as emoções como as intuições e hábitos, apesar de fazerem parte da consciência humana, eram vistos como alheios ao processo da inteligência propriamente dita. “Compreender” era uma coisa, “viver” era outra. Inteligência não tinha nada a ver com instinto ou intuição. A partir dos trabalhos de Sperry sobre o hemisfério direito, passou a surgir no âmbito da ciência ocidental algo que as tradições orientais trazem consigo há milhares de anos: a percepção de que o ser humano tem diferentes consciências, ou inteligências, dentro de si. Cabe a nós próprios desenvolvê-las harmoniosamente. O hemisfério cerebral direito, no neocórtex, por exemplo, tem características opostas e complementares às do hemisfério esquerdo.

A ideia é simples.

O neocórtex direito é capaz de ver tudo em um relance, subitamente. Não precisa fazer inúmeras operações mentais, cálculos, perguntas ou suposições antes de chegar a uma conclusão. Ele faz associações entre coisas diferentes, entende cada uma das partes a partir do contexto. Chega à verdade de modo direto e misterioso, amplia, intui, adivinha e prevê. A percepção instantânea é a marca registrada do hemisfério direito.

Ele responderia do seguinte modo às preocupações do neocórtex esquerdo:

“Não importa quem faz o que, nem onde, quando, como e por quê. O que importa é o todo, que é indescritível por palavras e só pode ser percebido diretamente pelo coração humano. O ontem, o hoje e o amanhã só existem na verdade aqui e agora. Só o agora e o eterno são reais, e eles ocorrem ao mesmo tempo. São simultâneos.”

A descoberta das funções opostas e complementares dos dois hemisférios cerebrais - que confirma o ensinamento da teosofia de Helena Blavatsky - criou o primeiro patamar da ampliação revolucionária que está ocorrendo na maneira como a ciência convencional vê a inteligência humana. Mas o comportamento prático e as emoções ainda ficavam do lado de fora da nossa ideia de inteligência. A transformação alcançou níveis mais amplos a partir dos trabalhos de Paul MacLean, que trouxe para dentro do conceito de inteligência o chamado “inconsciente” e mostrou onde estão no corpo humano as suas bases físicas e operacionais.

Para MacLean, o cérebro humano inclui três estruturas diferentes:

* O neocórtex, com seus dois hemisférios, produz pensamento e imaginação.

* Logo abaixo dele, temos o sistema límbico ou cérebro emocional, que nos permite sentir e desejar; e, mais abaixo,

* Um terceiro cérebro, que coordena todo o nosso comportamento, nossos hábitos e padrões repetitivos.

MacLean escreveu:

“Essas três formações (…..) podem ser imaginadas como três computadores biológicos interligados, cada um tendo sua própria inteligência especial, sua própria subjetividade, sua própria memória e movimentação.”

Elaine de Beauport escreve no livro “Inteligência Emocional, Três Aspectos da Mente”:

“A descrição de MacLean de um cérebro tríplice, com três sistemas física e quimicamente muito diferentes e, no entanto, interconectados em uma única realidade, constitui o mapa de que necessitamos para avançar até a plena consciência humana”. [1]

Na verdade, o cérebro tríplice do ser humano é, em si mesmo, um resumo da longa história do reino animal.

“Ao longo de milhões  de anos de evolução”, escreve Daniel  Goleman  em Inteligência Emocional,[2] “o cérebro cresceu de baixo para cima, com os centros superiores desenvolvendo-se como elaborações das partes inferiores, mais antigas. O crescimento do cérebro em cada embrião humano refaz mais ou menos este percurso evolucionário”.

Assim, temos um cérebro herdado dos nossos irmãos répteis, ou pelo menos que possui uma relação especial com eles. Não é à toa que dizemos gostar de lagartear ao sol, acusamos alguém de derramar lágrimas de crocodilo ou pensamos que uma pessoa insincera é perigosa como uma cobra.

A consciência reptiliana é nossa íntima conhecida, porque faz parte de nós. Localizado no tronco cerebral, o cérebro herdado dos répteis controla nossas reações e movimentos automáticos, os hábitos, os gestos instintivos, o comportamento condicionado, o nosso ritmo involuntário.

Temos um segundo cérebro que é compartilhado com os nossos irmãos mamíferos. Ele é chamado límbico porque em latim limbus significa orla, periferia, e ele está situado nos limites externos do tronco cerebral, que é a sede do cérebro reptiliano. A partir do sentido do olfato, o mamífero despertou e desenvolveu suas emoções, construindo o cérebro emocional.

Um cachorro, por exemplo, tem milhares de cheiros catalogados em sua vasta memória. Ele se comporta como um grande botânico quando caminha por um jardim. Para ele, a natureza é uma biblioteca infinita. Ele com o focinho. Ele compara, cataloga, classifica, e sente emoções com o que através do seu faro. Se um cachorro verbalizasse o que sabe, poderia dar cursos sobre aromaterapia, para dar um exemplo prático. Mas o neocórtex dele ainda está se desenvolvendo, e ele não coloca em palavras o que sabe ou sente.

Os mamíferos - inclusive os mamíferos marinhos, cuja inteligência é sofisticada - têm como tarefa geral e prioritária o desenvolvimento da capacidade de sentir. Esta é uma das razões por que devemos tratar bem os animais, e por isso o carma negativo - a responsabilidade - dos que abatem animais é enorme.

Os bichos sentem a aproximação da morte e sofrem - assim como sentem o amor - com intensidade tão grande quanto um ser humano, se é possível medi-la e compará-la. O fato de o animal mamífero não falar verbalmente nada significa. Ele fala com os olhos, fala corporalmente, e a intensa emoção que transmite não só está em completa harmonia com seu comportamento, como também é um discurso perfeitamente compreensível para um ser humano que tenha um pouco de atenção.

Os animais têm suas próprias e várias inteligências, e o fato de elas serem diferentes das inteligências a que estamos mais acostumados nos dá uma chance de aprender coisas importantes com esses nossos irmãos menores. A inteligência não é exclusivamente do ser humano, mas está presente em toda a natureza, e o ser humano é que só vem percebendo isso gradualmente, à medida que evolui. [3]

Quando surgiu, então, o cérebro tipicamente humano? Os cálculos cronológicos em relação à origem do homem são um terreno pouco firme. Hoje, a ciência convencional calcula que há cerca de 100 milhões de anos o cérebro dos mamíferos deu um salto, fazendo surgir o neocórtex com seus dois hemisférios. A filosofia esotérica ensina outra cronologia, e a ciência convencional só pouco a pouco vem revisando seus cálculos desde o final do século 19 e aproximando-se do que é partilhado nas páginas da obra “A Doutrina Secreta”, de Helena Blavatsky.

Quando nasce o homo sapiens da ciência convencional, o ser humano descobre, pouco a pouco, a solidão, a separação, e o egoísmo ambicioso de um “eu” que pensa que é único no mundo, mas também percebe suas próprias potencialidades ilimitadas no campo da sabedoria e do altruísmo.

A principal “descoberta” de MacLean é algo que a teosofia clássica ensina há milhares de anos: o cérebro humano é sede de consciências muito diversas entre si.

A grande expansão da inteligência humana que estamos experimentando na fase contemporânea da história consiste, na verdade, na ampliação do nosso foco de consciência para que ele seja capaz de incluir, de um lado, as nossas consciências “animais” e, de outro, as nossas consciências divinas; e de perceber, ao mesmo tempo, a harmonia fundamental que há entre elas. Para isso é necessária certa quantidade de sabedoria.

O réptil fala em nós através dos nossos hábitos, rotinas, reações automáticas de ataque e defesa.

O mamífero fala em nós através dos afetos, dos amores e rancores, apegos e rejeições, das euforias e frustrações.

O neocórtex direito fala através das intuições, e pela elevação religiosa e mística.

O nosso eu pensante, apoiado no neocórtex esquerdo, usa como instrumento as palavras, e pode ficar preso a elas, convencido de que a sua forma “concreta” e “racional” de perceber a realidade é o único acesso possível à verdade.

O choque entre esses diferentes níveis de consciência, que são relativamente independentes entre si, tem sido durante milhares de anos uma fonte terrível de conflitos para a alma humana.

Cada pessoa se identifica mais com determinados setores do cérebro, por uma questão de temperamento. E frequentemente despreza - ou teme - outros níveis de consciência, aos quais procura negar. Isso cria não só conflitos psicológicos dolorosos, mas choques entre as pessoas. Não raro, essa luta dramática entre as naturezas humana, animal e divina dentro de nós prossegue até um estágio avançado do caminho espiritual. No Novo Testamento, o apóstolo Paulo expressa esse conflito incessante ao escrever, em Romanos, VII, 18-19:

“Querer o bem está no meu alcance; não, porém, o praticá-lo. Com efeito, não faço o bem que quero, mas pratico o mal que não quero.” [4]

Quando as diferentes inteligências ou consciências de um ser humano entram em choque, elas ignoram umas às outras, e este conflito entre luz e sombra tem destruído ou afastado do caminho milhares de buscadores da verdade.

Ao nível do neocórtex (o cérebro humano), a pessoa tem as melhores intenções, mas o seu cérebro de animal mamífero - límbico - pode ter interesses opostos e desencadear uma luta sem tréguas, causando um conflito no cérebro reptiliano - que, situado no tronco cerebral, controla a nossa saúde física, os ritmos corporais e o comportamento.

Quando isso ocorre, o resultado é, em geral, a incoerência de comportamento, a distância entre discurso e prática ou intenção e gesto; a dor; o sofrimento; e, em casos mais graves, a hipocrisia. A hipocrisia e a falsidade intencional ocorrem quando se quebra parte de antahkarana, a ponte espiritual entre o eu imortal e a personalidade mortal, cuja tarefa é estabelecer uma linha de coerência (imperfeita, porque humana) entre cada setor “terrestre” do indivíduo e a sua instância divina interior. “O caminho para o inferno está pavimentado com boas intenções”, diz o ditado. Auto-observação e discernimento são essenciais no caminho espiritual. As boas intenções são na verdade o caminho para o céu, mas elas necessitam ser protegidas pelo discernimento.

A descoberta científica de que o nosso cérebro é tríplice, com três setores relativamente independentes entre si e com milhões de anos de diferença entre suas idades, permite ir além de uma velha situação de conflito entre a nossa natureza espiritual e a nossa natureza animal. Leva-nos a produzir um acordo entre as três áreas cerebrais. Essa harmonização é mais fácil a partir do momento em que sabemos como cada cérebro funciona.

Sempre que há comunicação e harmonia, a natureza animal passa a servir espontaneamente a natureza divina em nosso interior. O animal só se rebela contra o homem quando lhe faltam as condições básicas para viver, ou quando não é amado nem respeitado. Essas várias consciências devem conhecer-se umas às outras e definir um propósito comum que seja razoável para os interesses de cada uma delas. Depois disso, poderão dedicar-se harmoniosamente à busca desta meta central, que integra diferentes objetivos setoriais como rotinas estáveis (réptil), intensidade emocional (mamífero), ordem racional (neocórtex esquerdo) e abertura para o infinito e transcendência (neocórtex direito).

É possível, também, traçar um quadro comparativo entre o novo esquema do cérebro tríplice e a tradicional visão esotérica dos vários níveis de consciência humanos. Na tradição cristã, por exemplo, temos o corpo (cujos ritmos são governados pelo cérebro reptiliano), a alma (em relação estreita com o cérebro límbico e o neocórtex esquerdo) e o espírito (que atua tendo principalmente o neocórtex direito como ponto de apoio). Na literatura teosófica, temos o corpo físico denso e o corpo etérico como áreas de atuação prioritária do cérebro reptiliano. Em seguida, os corpos astral (ou emocional) e mental concreto, que são, respectivamente, as áreas de atuação prioritária do cérebro límbico e do hemisfério esquerdo do neocórtex. Até aqui, a parte mortal do ser, que trabalha com faixas vibratórias mais densas. No chamado “eu imortal”, os diferentes níveis de consciência da mente abstrata ou inteligência espiritual (manas), da intuição espiritual (buddhi) e da vontade espiritual (atma) atuam, principalmente, através do hemisfério direito do neocórtex.

Vejamos um gráfico a respeito. Na coluna da esquerda, temos a classificação setenária da consciência humana segundo a teosofia original de Helena Blavatsky.

Dividimos o quinto princípio, Manas, em seus dois aspectos, superior e inferior, ou Buddhi-Manas e Kama-Manas.

Na relação dinâmica entre os elementos das duas colunas, é preciso levar em conta que os elementos deste gráfico estabelecem relações dominantes, mas não exclusivas. Cada elemento interage fortemente o tempo todo com os outros fatores, e vale a regra “todos por um e um por todos”:


A interação entre estes vários níveis ou setores da consciência humana é de uma riqueza e complexidade enormes. Só no corpo físico, são bilhões de células trocando mensagens entre si o tempo todo. Ao longo de milhões de anos, o ser humano vem instalando gradualmente no topo da sua coluna vertebral antenas capazes de captar as energias divinas de maneira cada vez mais clara. A consciência vai transferindo o seu foco desde os níveis animais até faixas vibratórias mais elevadas, através do velho método da tentativa e do erro, seguidos de nova tentativa.  

Deste modo a ciência convencional descobre aspectos significativos da filosofia esotérica, e Elaine de Beauport mostra que o cérebro humano é um sistema de energias e não um conjunto constituído de partes fixas.

Cada um dos seus três níveis principais tem diferentes inteligências ou maneiras de perceber a realidade. Este modo abrangente de observar os fenômenos da nossa consciência nos permite economizar a maior parte da energia que vem sendo desperdiçada há milhares de anos em conflitos psicológicos baseados, por um lado, na ignorância de nós mesmos, e, por outro lado, na crença de que há partes do ser humano que são boas e devem ser aceitas, enquanto há outras que são más e devem ser eliminadas pela violência psicológica ou até física.

Todas as perseguições promovidas na história contra dissidentes e hereges decorreram do hábito de pretender eliminar as partes “indesejáveis” do ser humano, seja individual ou coletivamente. Chegamos agora ao ponto em que percebemos o óbvio: a observação e a compreensão valem mais do que a força bruta.

O ensinamento milenar de Buddha afirma:

“Nesse  mundo a inimizade nunca é eliminada pelo ódio. A inimizade é eliminada pelo amor. Essa é a Lei Eterna.” [5]

A ignorância deixa de existir graças à compreensão que surge da luz do eu superior, Buddhi. Embora nem sempre seja fácil viver à altura desta verdade básica, sempre é possível avançar na sua direção. O caminho teosófico é o caminho do autoconhecimento.  

NOTAS:  

[1] “Inteligência Emocional - As Três Faces da Mente”, Elaine Beauport, Editora Teosófica, Brasília, 1998, 408 pp.

[2] “Inteligência Emocional”, Daniel Goleman, Editora Objetiva, Rio de Janeiro, 370 pp. Do mesmo autor, veja “A Mente Meditativa” (Ed. Ática) e “Mentiras Essenciais, Verdades Simples (Ed. Rocco).

[3] Veja o capítulo 13, “A Inteligência dos Animais”, na obra “A Vida Secreta da Natureza”, de Carlos Cardoso Aveline, Editora Bodigaya, Porto Alegre, 2007, pp. 105-113.

[4] Sobre o tema, veja em nossos websites associados o artigo “O Dilema Ético de S. Paulo”, de C. C. Aveline.

[5] “O Dhammapada - o Clássico Budista”, obra disponível em nossos websites associados. A passagem está no Capítulo 1, “Os Versos Gêmeos”.

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O texto acima foi publicado inicialmente nos anos 1990 pela revista “Planeta”, edição especial “Nova Era”, número 7, pp. 21-25, sob o título “A Revolução da Inteligência Emocional”. Em fevereiro de 2013, foi revisado e atualizado pelo autor.  

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Para conhecer a teosofia original desde o ângulo da vivência direta, leia o livro “Três Caminhos Para a Paz Interior”, de Carlos Cardoso Aveline.


Com 19 capítulos e 191 páginas, a obra foi publicada em 2002 pela Editora Teosófica de Brasília.   

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