12 de outubro de 2013

Berdyaev e a Busca da Verdade

Há um Preço a Pagar Quando
Se Destrói a Ilusão Organizada

Carlos Cardoso Aveline

Nicolas Berdyaev



O Universo é um processo criativo: ele está em evolução, e o seu desenvolvimento obedece à Lei da Simetria e do Equilíbrio. É necessário, portanto, pagar um  preço por tudo.

Se alguém deseja agir com solidariedade, deve compreender os mecanismos da competição. Quando buscamos pela verdade, é preciso enfrentar as formas ilusórias de olhar a vida. Se desejamos sinceridade, devemos conhecer e derrotar o seu oposto.  

O filósofo russo Nicolas Berdyaev nasceu em 18 de março de 1874, e morreu em 1848. Em “The Destiny of Man”,  livro que discute a ética e o futuro dos seres humanos, ele escreveu estas palavras extraordinárias:

“A Ética não tem dado atenção suficiente ao papel monstruosamente grande cumprido pela falsidade na vida moral e espiritual do ser humano. Não me refiro à falsidade vista como expressão da maldade, mas à falsidade que é moralmente aprovada como boa. As pessoas não acreditam que o bem possa ser preservado e estabelecido sem a ajuda da falsidade. A meta é o bem, e as mentiras são o meio de chegar à meta. No século 19, Tolstoi, Ibsen, Nietzsche e Kierkegaard protestaram veementemente contra a falsidade da nossa vida moral. A vida religiosa da humanidade, e talvez especialmente do Cristianismo, é permeada pela falsidade.”

Nicolas (ou Nikolai) Berdyaev explicou:  

“Há um tipo de falsidade que é considerada uma obrigação moral e religiosa, e aqueles que a rejeitam são catalogados como rebeldes. Há acumulações sociais de falsidade que se tornam parte da ordem estabelecida das coisas. Isso está ligado ao caráter essencial da percepção e do julgamento morais, e com a ausência do que eu chamo de ações morais autênticas. A falsidade socialmente aceita e organizada se articula em torno de todas as agrupações sociais, tais como a família, a classe social, o partido, a igreja, a nação, o estado. Esta falsidade estabelecida é um meio de autopreservação para estas instituições; a verdade poderia levá-las à sua destruição. A falsidade estabelecida dos grupos socialmente organizados (e eu incluo entre eles as escolas de pensamento e as tendências ideológicas) tira do ser humano a liberdade necessária para ter uma percepção moral e um julgamento moral. O julgamento moral não é feito por uma personalidade livre na presença de Deus [1], mas é feita pela família, pela classe social, pela nação, pelo partido, pela igreja, etc.”[2] 

Estas palavras chamam atenção para um ponto que é decisivo em teosofia. O carma de buscar a verdade inclui a necessidade de desmantelar as armadilhas ocultas da ilusão organizada. Nossa família não é uma exceção à regra, e Berdyaev confessou:   

“Que quantidade de falsidades aceitas e estabelecidas se acumula na vida familiar! E isso é visto como essencial para a existência e a autopreservação da família. Quantos sentimentos verdadeiros são escondidos, e quantos sentimentos falsos são expressados, e como são consensualmente falsas, com frequência, as relações entre pais e filhos, entre maridos e mulheres! A hipocrisia adquire o caráter de uma virtude familiar. O que nunca encontra expressão na consciência, ou é expressado de alguma maneira enganosa e incompreensível, fica estocado no subconsciente.” [3] 

Estes fatos são percebidos também pela teosofia moderna. A existência pessoal e a vida familiar podem ser observadas, compreendidas e fortalecidas de dentro para fora, de modo que uma regeneração gradual ocorra sob a silenciosa orientação da sabedoria eterna.

Quanto às igrejas e seitas religiosas atuais, elas são com frequência piores do que inúteis para a evolução da alma, conforme explica um Mestre de Sabedoria na Carta 88 de “Cartas dos Mahatmas” (Editora Teosófica, Brasília, dois volumes). E Berdyaev acrescentou na mesma página:

“A falsidade tem o seu próprio simbolismo, e este simbolismo é visto como algo bom. Quando uma mentira adquire o caráter de um símbolo social, ela é sempre vista como uma coisa boa. Ela é considerada como algo mau apenas quando praticada individualmente. As mentiras sociais passaram a ser aceitas como verdades. Tais mentiras estão presentes nos ensinamentos de todas as denominações: nos ensinamentos dos católicos sobre os ortodoxos, dos ortodoxos sobre os católicos, dos cristãos sobre os não-cristãos, e vice-versa. A quantidade acumulada destas mentiras é tremenda. É quase impossível chegar à verdade, a percepções puras, livres, de primeira mão, e originais.” [4] 

Os cidadãos de boa vontade podem ter a coragem de procurar pela verdade e assim provocar mudanças saudáveis na vida diária. A tarefa diante de cada um consiste em derrotar a ignorância organizada ao mesmo tempo dentro de si e nos grupos a que pertence.

À medida que novas ondas de franqueza e boa vontade surgem silenciosamente em várias religiões e culturas, a queda e a destruição das ilusões vão ocorrendo em seu próprio ritmo ao longo do século 21. O processo é inevitável. Embora a velocidade do renascimento já esteja crescendo, todos podem ajudar. O esforço vale a pena, porque cada um tem a possibilidade de trabalhar com eficiência num nível essencial da vida interna. A Lei Una é simultaneamente microcósmica e macrocósmica.

Todos os seres humanos possuem uma conexão direta com o centro espiritual mais alto do universo, que é mencionado humildemente através de palavras como Verdade, ou Lei da Justiça - e outros termos sagrados. Esta ligação torna a vida social possível; e precisa ser dolorosamente renovada de tempos em tempos.

NOTAS: 

[1] A palavra “Deus”, aqui, só faz sentido se for usada como significando “Lei Universal da Justiça”, “Eu Superior”, ou “sua própria consciência”.    

[2] The Destiny of Man”, Nicolas Berdyaev, Harper Torchbooks, Harper & Brothers, New York, 1960, 310 pp., ver pp. 160-161.

[3]The Destiny of Man”, Nicolas Berdyaev, Harper Torchbooks, Harper & Brothers, New York, 1960, 310 pp., ver pp. 161.

[4] The Destiny of Man”, obra citada, ver pp. 161-162.

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O artigo acima foi publicado nos websites da Loja Independente de Teosofistas em outubro de 2013 e atualizado em março de 2024. Ele existe também em inglês - “Berdyaev and the Search for Truth”. E desde fevereiro de 2024 está disponível em nosso blogue teosófico em “The Times of Israel”.

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A obra tem 255 páginas e foi publicada em outubro de  2013 por “The Aquarian Theosophist”. O volume pode ser comprado através de Amazon Books.

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