Uma Reflexão Sobre o
Passado, o Futuro e a Coragem
Carlos Cardoso Aveline
Carlos Cardoso Aveline

Meu pai, Carlos Lima Aveline, nasceu em 1913
e foi um ativista social desde 1941. A contar do golpe militar de 1964, ele lutou
de modo não-violento pela volta à democracia. Fez isso até sua morte, dez anos mais
tarde.
Em fevereiro de 1970, o Velho protagonizou um caso raro na história da ditadura. Preso político condenado pela justiça militar, ele se ausentou da penitenciária em que estava, sem solicitar a aprovação das autoridades, e sem tampouco avisá-las do fato. Depois de abandonar a prisão ele passou um ano no exterior, até que a frustração policial-militar se acalmasse.
Viveu seus últimos dias livre, junto à natureza,
usando nome falso. O Velho morava no
interior de Porto Seguro, na Bahia - na região onde o Brasil foi descoberto em
abril de 1500.
Era o início de 1974 quando o visitei pela última
vez. Ele estava revisando o passado pessoal e se preparava conscientemente para
o fim. Fazia leituras teosóficas sobre o pós-morte, e partilhou uma
descoberta:
“Agora eu sei quando começa a velhice. Começa quando
ficamos pensando muito no passado.”
De fato, no instante preciso da morte há uma revisão
profunda de toda a encarnação, e ela não necessita mais que 60 ou 90 segundos
para ocorrer. Mas na etapa final da existência, o passado já começa a ser
revisado e revisitado. O grau de velhice
de alguém está, pois, relacionado com uma desistência psicológica do futuro e
do presente, e um apego ao passado, quando não um remoer de fatos passados.
A memória do passado é boa, quando vamos a ela em
busca de lições para o presente e para o porvir. Uma das grandes lições do
Velho para aqueles com quem conviveu foi sua capacidade de sonhar o melhor e de
alimentar e manter visões generosas de tempos futuros. Foi um otimista e pagou de bom grado o preço
dos seus sonhos.
O passado é um reservatório de sabedoria: ele nos
ajuda a viver melhor no presente e no futuro, mas não devemos viver nele como
numa prisão. Nossos pais nos ensinam até muito depois de deixarem de viver
fisicamente. Através deles, ficamos sabendo de erros a evitar, e de acertos que
podemos confirmar e consolidar. Seja
qual for nossa idade, sempre há muito por aprender: a vida toda re-começa a
cada novo dia de 24 horas.
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Veja
também o texto “O Olhar ao Longe, a
Visão Ampla”, que está disponível em nossos websites associados.
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