A Busca da Sabedoria Requer
Espírito Crítico
Carlos Cardoso Aveline

“Credulidade gera credulidade
e termina em hipocrisia.”
[1]
O caminho da verdade é estreito e difícil, segundo ensina o Jesus do Novo
Testamento em Mateus, 7:13-14. Nisso, como em vários outros pontos, os
evangelhos repetem e reforçam a antiga filosofia pitagórica.
Testes e ilusões à parte, não há qualquer satisfação
pessoal maravilhosa à espera de quem pretende trilhar o caminho da verdade. Ao
contrário. O caminho é probatório. Para avançar, cada um deve “tomar a sua cruz”
(Mt 10:38).
Esta é a antiga lei da independência e do bom senso, e o Jesus
do Novo Testamento a propõe também ao afirmar que os falsos profetas - e os
falsos ensinamentos - serão conhecidos pelos seus frutos (Mt. 7:15). Isso não é
tudo: vários séculos antes de Jesus, Gautama Buddha já ensinava:
“Escutem, Kalamas. Não se deixem desorientar por
afirmações, por tradições ou por ouvir dizer. Não se desorientem pelo domínio
das Coleções (de escrituras), nem por mera lógica ou inferência, nem pelo fato
de considerar as diferentes razões, nem pela
reflexão sobre alguma visão ou por sua aprovação, nem porque ela é conveniente,
e tampouco porque o asceta (que a defende) é o seu instrutor. Mas quando vocês
souberem por si mesmos que alguma coisa é censurada pelos inteligentes; que alguma
coisa, quando realizada e levada à prática, conduz à perda e ao sofrimento -
então a rejeitem.” [2]
Observando os efeitos práticos da pedagogia baseada em
fenômenos extraordinários, crença automática e “canalizações”, o observador
isento pode ver que uma tal “didática” produz preguiça mental, gera disputas de
poder e provoca desânimo, entre outras formas de equívoco. Por outro lado, a pedagogia
da filosofia esotérica - que coincide com a visão do educador Paulo Freire - é
estimulante porque recomenda que o peregrino “agarre sua cruz” (isto é, assuma
a responsabilidade por sua vida) e siga o caminho avançando por mérito e
esforço próprios.
Frequentemente é a impaciência que leva à credulidade. A
caminhada autêntica é de longo prazo e requer paciência. Cada intuição deve ser
testada pela experimentação e pelo bom senso. As ilusões clarividentes e canalizadoras
(“conversas com grandes seres”) são fogos-de-artifício brilhantes. O preço a
pagar é a cegueira espiritual.
Vejamos, sobre tais “poderes psíquicos”, algumas
situações concretas. Suponhamos, por exemplo, que alguém imagine que pode conversar
com Mahatma Gandhi.
Naturalmente, conversar com Gandhi é viável no plano
não-literal e arquetípico. É possível dialogar com a ideia sutil de Gandhi que
está presente em nosso subconsciente, e, até certo ponto, com a presença do
líder indiano registrada na memória coletiva da humanidade, no akasha ou luz
astral. Porém, apenas a ausência de uma compreensão minimamente razoável dos
processos da reencarnação permitiria imaginar que a alma de Mohandas Gandhi
esteja ainda hoje nos níveis inferiores de consciência, e seja capaz de ter
contato “personalizado”, literal e verbal com alguém. Por maior que seja a
satisfação de conversar pessoalmente com esse grande pacifista - ou com outros
pensadores da história da humanidade - só um ingênuo destituído de bom senso pode
pensar que cenas desse tipo sejam literalmente reais.
1. Sonhos,
Pós-morte e Vigília
Sobre contatos com mortos, é bom lembrar um ponto básico.
Salvo exceções, qualquer alma que tenha estado em contato mais estreito com a
inteligência espiritual alcança a consciência divina pouco tempo depois da
morte física, abandonando toda noção de nome pessoal, identidade separada e
outras funções exclusivas do plano físico e do eu inferior. Eventuais contatos,
pouco frequentes, terão de ocorrer nos planos superiores de consciência, que
transcendem a separatividade pessoal. Também é uma ilusão a ideia de que
alguém, no pós-morte, possa fazer opções, trocar ideias verbalmente e no plano
tridimensional, ou ter uma consciência semelhante à consciência cerebral do
estado de vigília.
A consciência no pós-morte não possui o sentido de
identidade - ahamkara, em sânscrito,
a noção de eu - que é típica do plano
físico e dos cinco sentidos. A consciência posterior à morte é de certo modo semelhante
à consciência dos sonhos, onde, como se sabe, o “eu” pode assumir formas
diferentes e até a aparência de árvores, de animais, de santos, mestres, e
assim por diante. A psicologia indica, corretamente, que tudo e todos que
aparecem em um sonho fazem parte de nós e simbolizam outras caras do nosso “eu”.
Só isso é suficiente para mostrar que no estado de sonhos o sentido de
identidade firme ou separada desaparece. Você pensa em Gandhi e Gandhi aparece:
se você admirar muito Gandhi, você talvez passe a ser Gandhi no
sonho.
Há, pois, nos sonhos, uma des-identificação, uma soltura
da noção de um “eu” estável. Esta é uma característica da consciência que não
está presa a um corpo físico. A des-identificação ou despersonalização é naturalmente
muito maior no pós-morte do que no sonho, e isso por motivos facilmente
compreensíveis. Vejamos dois deles.
1) No sono, o “cordão” que liga a alma mortal ao corpo
físico não é cortado, mas apenas parcialmente desativado. Impressões corporais
provocadas por estômago cheio, bexiga cheia ou posição desconfortável interferirão
no conteúdo dos sonhos. No pós-morte, em compensação, a perda de contato com o
corpo é total.
2) No sono, o afastamento do corpo dura poucas horas.
Grande parte das pessoas levanta para ir ao banheiro no meio da noite, abrindo
assim, durante o sono, um pequeno intervalo de vigília e de contato com o corpo
denso. No pós-morte, o afastamento é definitivo.
A partir do início do pós-morte já não existe um “eu” que
use livre-arbítrio, que crie carma novo, que tome decisões e viva em estado de
vigília. Há apenas uma resultante energética final, automática e natural, que é
a grande colheita cármica da vida que passou. Essa resultante energética deve
ser deixada em paz para que possa elevar-se - sem sofrer interferências
vibratórias indevidas - em direção às vibrações celestiais. Assim ela se
libertará dos planos de realidade ilusória em que predominam as personalidades.
Examinemos então o que pode ocorrer no caso de um iogue
avançado que já em vida tinha graus ampliados de consciência durante o sono, e
que também podia afastar-se em pensamento de um local mesmo quando estava em um
estado próximo à situação de vigília, como em meditação.
Para um tal indivíduo, a morte já não é a mesma coisa que
para a pessoa média. Porém, exatamente por ser avançado, ele não irá ficar qualquer
tempo considerável na esfera terrestre, durante seu pós-morte. Ele passa a ser a
força-resultante da encarnação que terminou. Tal força aponta muito mais
fortemente para o alto e para o celestial do que a força-resultante do cidadão
comum.
Assim, é uma blasfêmia inconsciente e involuntária pensar
que a alma imortal de um Mohandas Gandhi não teria nada a fazer exceto ficar próximo
da terra física densa e dizer algumas banalidades espirituais para esta ou
aquela pessoa, detendo sua poderosa marcha evolutiva para contrariar a lei
sagrada e “aparecer” em rodas de amigos e distrai-los da sua própria tarefa
sagrada, que é, naturalmente, entrar em contato maior e mais lúcido, no plano
individual, com seus eus superiores.
Em grupos semiesotéricos é comum encontrar gente bem-intencionada
que supõe ter conversas assíduas com Francisco de Assis (1182-1226). Este é
outro exemplo de fantasia desinformada. Oito séculos após largar seu corpo
físico, Francisco ainda não teria se elevado aos planos celestiais de
consciência?
A única possibilidade de que ele não esteja hoje no Devachan
- o “local dos deuses”, a “terra sem males” ou “paraíso” individual que ocorre
entre duas encarnações - é que ele seja um daqueles discípulos da Sabedoria Divina
que conhecem e vivenciam o estado de consciência equivalente ao Devachan em
plena vida física, e por isso são capazes de deixar de lado o Devachan após a
morte para, em sua ânsia sacrificial de ajudar a humanidade, reencarnar
rapidamente.
O Devachan é um longo estado de bem-aventurança
obrigatória entre uma vida e outra. Mas ele pode tornar-se menos necessário
quando o estado de consciência que lhe corresponde (um êxtase contínuo de
felicidade e elevação divina) é alcançado em plena vida. Se for esse o caso,
Francisco já terá tido tempo de encarnar outra vez (com outro corpo, outro
nome, outra vida) e também de desencarnar de novo, nesses quase oito séculos. Nessa
eventualidade, naturalmente, sua alma já não pode identificar-se com a velha
figura de Francisco de Assis.
Alguns canalizadores atuais de Francisco encaram as
práticas espirituais como meio de obter dinheiro. Por isso vale a pena também
mencionar a doutrina franciscana em relação à moeda. Francisco era rigoroso em
relação a questões éticas e disciplinares. Ele foi um anticapitalista da idade
média. A sua postura em relação ao dinheiro não pode ser adotada literalmente nas
circunstâncias da moderna civilização ocidental. Hoje a influência do dinheiro
sobre todas as esferas da sociedade é imensamente maior que naquela época. Mas
a posição franciscana clássica é útil e nos dá o que pensar. Ela revela a
necessidade de uma seriedade e uma ética absolutas nas questões que envolvem
dinheiro. A regra da ordem dos frades menores, versão original, afirma:
“Mando severamente a todos os irmãos que de modo algum
recebam dinheiro de qualquer espécie, nem por si nem por pessoa intermediária”
(Item 4).
Os itens 5 e 6 da mesma Regra dizem:
“Os irmãos, aos quais o Senhor deu a graça de trabalhar,
trabalhem com fidelidade e devoção, de maneira que afugentem o ócio, inimigo da
alma, e não percam o espírito de oração e piedade, ao qual devem servir todas
as coisas temporais. Quanto à paga do trabalho, recebam o que for necessário ao
corpo, para si e seus irmãos, exceto dinheiro de qualquer espécie; e isto façam
com humildade como convém a servos de Deus e seguidores da mais santa pobreza.
Os irmãos não tenham propriedade sobre coisa alguma, nem sobre casa, nem lugar,
nem outra coisa qualquer, mas, como peregrinos e viandantes, que neste mundo
servem ao Senhor em pobreza e humildade, peçam esmolas com confiança (...)”. [3]
Os monges mendicantes optam por viver pobremente e são
uma tradição do budismo e do cristianismo clássicos. Da postura franciscana original,
permanece o mais importante, isto é: o desapego e o rigor em relação às
questões materiais, o cumprimento das obrigações, o autocontrole, o
despojamento, o voltar-se inteiramente para as questões de conteúdo e de vivência
da sabedoria. Francisco recomendava a seus seguidores que considerassem o
dinheiro como excremento e, certa vez, castigou um frade por haver tocado em uma moeda.[4]
2. O Diálogo
Interior Não-Literal
É verdade, que no plano imaginário, pode ser inspirador
“dialogar” não-verbalmente com grandes pensadores e líderes humanitários tal
como existem nas imagens deles introjetadas
em nossa consciência, ou em nosso inconsciente e na memória coletiva.
Este “diálogo” pode ter como base verbal as obras e
escritos deixados por tais pensadores. Vinte e oito diálogos deste tipo, todos
bibliograficamente documentados, estão reunidos, por exemplo, no livro “Conversas
na Biblioteca”[5]. Assim, o padrão vibratório deixado por São
Francisco entre os humanos está disponível para os aspirantes ao caminho da
verdade através dos seus escritos e dos testemunhos sobre ele, embora grande
parte destes testemunhos sejam mais lendários do que documentais. É possível
interagir desta forma racional com o pensamento de João da Cruz, Ramana Maharshi,
Paul Brunton e inúmeros outros bons pensadores cujas obras chegaram até nós. Podemos
fazer desse diálogo através do tempo um processo vivo sem a pesada carga
ilusória da crença de estar conversando
literalmente com uma pessoa que não existe mais.
A verdade é que todo ser humano interage ou “dialoga” em
seu mundo interior não só com os autores que lê, mas também com a representação
em seu mundo interior das pessoas que são importantes para si, estejam elas
vivas ou não. Esta representação é alimentada pela presença sutil que um autor,
escritor ou líder deixa como herança no mundo astral da comunidade humana na
forma de skandhas, ou registros cármicos. Os skandhas podem ser ativados
através das chaves da palavra escrita, das memórias e dos testemunhos. Mas uma
coisa são os skandhas ou registros. Outra coisa é a alma imortal que deixou
esses registros. A alma seguiu viagem: ela está em outra dimensão bastante
superior. Pretender arrastá-la para baixo não ajuda a ninguém e atrapalha a
evolução e a aprendizagem de todos.
3. Exame de
Alguns Argumentos Contrários
É saudável testar a solidez da tese colocada acima. Examinemos
rapidamente três argumentos contrários à ideia de que pretender conversar
literalmente com alguma divindade ou com grandes seres é uma forma pior que
inútil de autoilusão.
A) Francisco de
Assis conversava mentalmente, em meditação, com Deus e com Cristo.[6]
É verdade. Porém, nas conversas de Francisco e outros
místicos clássicos com as figuras de Deus e de Jesus (símbolos do eu superior),
o místico autêntico raramente ouve palavras elogiosas. Ao contrário. As figuras
de Deus e Cristo no mundo interno de Francisco sempre interferem para aumentar o grau de rigor na caminhada.
Isso é um bom critério para julgar experiências extrassensoriais. Se elas
trouxerem mais austeridade e mais humildade, pelo menos saberemos que não são
formas embelezadas pelas quais a velha preguiça e a vaidade se impõem disfarçadamente
ao aprendiz.
Por outro lado, é preciso levar em conta que no tempo de
Francisco o cristianismo passava por um momento de extrema precariedade conceitual
e filosófica. Não havia qualquer possibilidade de um treinamento místico sobre
bases mais elaboradas e científicas, como ocorreu, embora de modo ainda muito
limitado, a partir do século 15 e no período da Renascença. Francisco
conversava com Jesus nos termos do cristianismo popular, em que alguém troca
ideias livremente tanto com Jesus como com Maria ou São Judas Tadeu, nos termos
do Diálogo Interior Não-Literal mencionado acima. Nesse caso, a figura do
Mestre ou de Deus, com quem se conversa, funciona como um espelho flexível das potencialidades do eu superior do devoto,
sem as complicações da “canalização” ou da mediunidade.
B) Sócrates, o
filósofo, seguia um daimon, ou espírito.
Correto. Mas está aí um episódio pouco compreendido da
história. Sócrates não era um títere mediúnico de algum “espírito”. Segundo as
informações disponíveis, pode-se concluir que esse daimon, gênio espírito era o próprio eu superior de Sócrates. É
indiscutível que Sócrates vivia e defendia a pedagogia do diálogo, e que ele usava
o método racional de busca da sabedoria. Sócrates acreditava na independência
intelectual e na responsabilidade cármica de cada indivíduo. A ideia de que o daimon de Sócrates fosse o seu próprio
eu superior é fortalecida - entre outros indícios - por uma passagem de Marco
Aurélio segundo a qual todos temos um espírito imortal encerrado em nosso
peito. Essa era uma concepção mais ou menos estabelecida em todo o mundo
clássico, desde os tempos de Sócrates. Marco Aurélio, o imperador-filósofo do
mundo romano, escreveu:
“Vive com os deuses quem mostra constantemente a
eles que sua alma está satisfeita com o que lhe foi aquinhoado e que sua alma
satisfaz todos os desejos do Gênio que Zeus deu a cada homem para seu guardião
e guia, uma parcela dele mesmo. E este Gênio é o espírito e a razão de cada
um.” [7]
Gênio, ou Daimon, são diferentes palavras para
espírito, eu superior, alma imortal ou ainda anjo da guarda.
C) H. P. Blavatsky conversava telepaticamente com Adeptos ou Rishis.
Helena P. Blavatsky era uma discípula avançada e
tinha a capacidade de conversar literalmente por telepatia com Mahatmas e
Raja-Iogues vivos (e não “espíritos” de mortos) devido a uma circunstância
especial e concreta. Ela viveu alguns anos nos ashrams de grandes Iogues dos Himalaias e foi treinada diretamente
por eles. Ela tinha um contato magnético amplo com os Mestres. Mas HPB foi uma
exceção. Quase toda regra tem exceções que a confirmam. Apesar do uso da
telepatia, a obra de Blavatsky deve ser julgada pelos frutos e pela sua
qualidade intrínseca, e não pelos poderes psíquicos que sua autora usava.
Helena Blavatsky deu início ao processo de intercâmbio espiritual ativo entre Oriente
e Ocidente. Ela criou a filosofia esotérica e o movimento teosófico. Seu trabalho
está na origem da filosofia espiritualista.
Cabe registrar também que a conversa com pessoas
mortas não consta em nenhum dos três argumentos acima. Eliphas Levi, que estava
ligado à tradição esotérica mais autêntica, fez a esse respeito uma experiência
desastrosa de evocar o espírito de
Apolônio de Tyana. Recebeu uma advertência solene e temível, segundo ele mesmo
contou.
A filosofia esotérica original propõe uma visão de
mundo sóbria, ampla, apoiada no rigor científico da Raja Ioga. Trata-se de
trabalhar a questão esotérica a partir de um ponto de vista que combina a
pesquisa experimental com o estudo e a vivência das grandes verdades universais.
Estes fatores levam ao despertar natural da intuição superior, e quando a
intuição superior existe espontaneamente, o que é raro, ela só ganha bom senso
ao combinar-se com estes fatores.
Uma pesquisa avançada é a busca e a descoberta,
parcial mas crescente, de uma sabedoria eterna universal e comum a diferentes sábios
e servidores da humanidade. Tal sabedoria é interdisciplinar. Ela é inter-religiosa,
intercultural, filosófica, intuitiva. Ela usa palavras mas não fica presa a
elas. Ela pode ser mencionada por muitos nomes. Ela se caracteriza por colocar
como questão central a conexão entre a alma mortal e a alma imortal do
indivíduo, e a ponte entre a alma humana e o princípio absoluto do todo
universal e divino.
Exclui-se desta equação, porém, qualquer figura imaginária
de algum deus monoteísta, capaz supostamente de manipular as vidas dos
indivíduos, favorecendo os que lhe fazem pedidos especiais ou oferendas
pessoais, e ignorando o bom senso, a justiça ou a lei da causa e efeito.
A filosofia esotérica de Helena Blavatsky desloca para
fora do campo de aprendizagem coisas como crença, ritual, posição social, busca
de comodidade e apego ou rejeição.
João da Cruz, entre outros, escreveu
admiravelmente sobre a necessidade de renunciar a visões maravilhosas, dons
especiais e fatos extraordinários.
Na mesma linha estão os ensinamentos dos grandes
filósofos clássicos; entre eles, Pitágoras, Platão, Epicteto, Sêneca, Cícero, Marco
Aurélio, Musônio Rufo. No Oriente, temos Buddha, Lao-tzu, Krishna e tantos
outros. Todos estão ligados de uma ou de outra forma à grande escola esotérica ou
de almas que inspira corações e mentes da nossa humanidade através de um
esquema de trabalho bastante constante e estável nos últimos 2500 anos, e cuja
presença um pesquisador atento detecta com facilidade ao percorrer as páginas
da história.
Os sábios e filósofos clássicos recomendam
abandonar o uso de poderes psíquicos e apontam para o caminho que combina,
paradoxalmente, austeridade (tapas,
em sânscrito) com êxtase (samadhi, nirvana, satori).
O nome cristão de tapas é “penitência”, e não se refere apenas a uma austeridade
física, mas também emocional e mental.
4. A Pedagogia
do Bom Senso
Assim, o ponto de vista clássico e realista é
aquele que aponta para o “caminho estreito”, a “porta estreita” de Mt 7: 13-14,
e não para a porta larga da busca da satisfação pessoal, mesmo quando esta
última se caracteriza - do ponto de vista decorativo e de marketing - como
espiritualizada.
Há três perguntas e respostas que ajudam a definir
o caminho pedagogicamente autêntico:
1) A quem pertence o conhecimento?
Ele não é propriedade particular de ninguém nem
pode ser tratado como algo sujeito a compra e venda. Ele pertence ao Universo e
a todos os seres. Seria mais correto vender o ar que se respira e o vento das
montanhas, do que o conhecimento sagrado.
2) Devemos aceitar
e tolerar, em nós mesmos e nos outros, demonstrações expressas de vaidade,
orgulho e manipulação de poder?
A resposta é negativa. O orgulhoso pensa que pode
roubar o conhecimento do universo, mas está enganado. O orgulhoso é nosso irmão:
devemos querer o bem dele. Nosso dever é ajudá-lo evitando produzir qualquer
elemento que reforce a sua marcha insensata no caminho da autoilusão.
3) O que nos dá
direito de participar do conhecimento?
O que nos dá esse direito é colocar sinceramente os
nossos limitados conhecimentos a serviço do Todo e de todos os seres.
O esquema epistemológico e didático-pedagógico
sugerido acima situa as relações humanas em um patamar impessoal e não ilusório.
Ele propõe um aprofundamento da nossa filosofia de vida. Ele ensina a pensar e
a decidir com autonomia em relação a tudo, inclusive em relação aos nossos
reais objetivos para a atual encarnação. Ele ajuda a buscar a criação de
espaços coletivos de exercício de carma ioga, ou ação altruísta, que sirvam
como polos de transformação para melhor, na sociedade que nos rodeia.
As filosofias clássica e esotérica recomendam que
o aprendiz examine constantemente o que é ética para ele, e observe sempre como
funciona a relação direta entre a busca da verdade e o seu sentimento de dever
para com os outros seres. A ética, no entanto, não é uma acomodação a
autoridades ou a rotinas sociais. A essência da Ética - inclusive na filosofia kantiana
- está na Regra de Ouro do Novo Testamento. Este preceito é na verdade pelo
menos seiscentos anos mais antigo que o cristianismo, e já era ensinado por
Pitágoras no Ocidente e por Confúcio no Oriente. Mas os compiladores do
cristianismo primitivo tiveram o bom senso de incluí-lo nos evangelhos, que
dizem:
“Tudo aquilo que
vocês quiserem que os homens lhes façam, façam vocês a eles, porque essa é a
Lei.” (Mt 7:12)
Aqui está a boa, generosa e onipresente lei do
carma. Ela ensina que sempre colhemos o que plantamos, e que por isso é
necessário aprender a plantar, agindo com o máximo de consciência possível em
relação ao que estamos fazendo e em relação às consequências que virão depois -
inclusive em vidas futuras.
NOTAS:
[1] “Cartas dos Mestres de
Sabedoria”, editadas por Jinarajadasa, Ed. Teosófica, Brasília, 1996, 296 pp.,
ver p. 106.
[2] “The Wisdom of Buddhism”, edited
by Christmas Humphreys, Curson-Humanities, London, 1987, 280 pp., ver p. 71.
[3] “São Francisco de Assis,
Escritos e Biografias, Crônicas e Outros Testemunhos do Primeiro Século
Franciscano”, Ed. Vozes, RJ, 1991,1372 pp., ver pp. 134-135.
[4] “São Francisco de Assis,
Escritos e Biografias....”, obra citada, pp. 862-863.
[5] “Conversas na Biblioteca”,
Carlos Cardoso Aveline, Edifurb, SC, 2007. Um dos capítulos do livro é um
diálogo com os escritos de Francisco de Assis e com os ensinamentos atribuídos
a ele.
[6] Veja-se, por exemplo, p. 842 de “São
Francisco de Assis, Escritos e Biografias....”, obra citada.
[7] Ver “Meditações”, Marco Aurélio,
Ediouro, Tecnoprint S.A., Livro V, item 27, p. 61.
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Uma versão inicial do texto acima foi publicada na revista budista
independente “Bodigaya”, na
edição número 22, de 2010.
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Sobre o crescimento interior e a
transformação pessoal no século 21, leia a obra “O Poder da Sabedoria”, de Carlos Cardoso Aveline.

O livro foi publicado pela Editora
Teosófica, de Brasília, tem 189 páginas divididas por 20 capítulos e inclui uma
série de exercícios práticos. Está na terceira edição.
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