De Como as Desilusões
Fazem Parte do Aprendizado Espiritual
Carlos Cardoso Aveline

Jiddu Krishnamurti (esquerda)
e David Bohm
Considerado um dos maiores físicos do século
20, David Bohm criou o conceito de “ordem implícita”, que expressa em linguagem
científica o antigo conceito esotérico de akasha
ou “luz astral”.
Sua vida não foi
fácil.
Comunista, perseguido
pelas autoridades norte-americanas, ele encontrou apoio no Brasil e viveu
quatro anos em São Paulo durante os anos 1950.
David Bohm é bem
conhecido nos meios esotéricos e místicos, devido a seus diálogos com Jiddu
Krishnamurti, publicados em forma de livros e vídeos. Ele desiludiu-se com seu guru indiano pouco
antes de morrer. A decepção foi um dos fatores da depressão psicológica que
marcou o seu último ano de vida.
Bohm completou
doutorado em Física em 1943 sob a orientação de Robert Oppenheimer, o homem que
coordenou a criação da bomba atômica norte-americana.
A tese de
doutorado de Bohm é considerada segredo de Estado e nunca foi publicada. Bohm
era aberto a ideias renovadoras. Em 1949, quando começou a guerra fria, ele era
não só amigo de Albert Einstein, mas também membro do Partido Comunista
Norte-Americano. Naquela época surgiu
uma intensa campanha anticomunista, o
chamado “macartismo”.
Acusado de passar
segredos científicos para Moscou, Bohm teve que sair dos Estados Unidos. Graças à ajuda de Albert Einstein, ele
conseguiu um emprego na Universidade de São Paulo, a USP, e viveu no Brasil
desde outubro 1951 até janeiro de 1955.
Enquanto morava em
São Paulo, David Bohm naturalizou-se brasileiro e trabalhou na USP com o físico
Mário Schemberg, que, como ele, era judeu e comunista. Estas duas condições eram “politicamente
incorretas” na época. Foi Schemberg que recomendou que Bohm lesse o pensador
alemão Hegel, o que reforçou a sua visão filosófica da Física. Mas quando David
Bohm suspeitou que o governo brasileiro poderia entregá-lo para o governo
norte-americano, que buscava prendê-lo, ele deixou o Brasil e radicou-se em
Israel. Mais tarde, estabeleceu-se definitivamente na Inglaterra.[1]
Em 1956, foram
revelados internacionalmente os crimes de Josef Stálin, o líder da União
Soviética que prendeu, torturou e matou milhões de pessoas. Stálin foi uma
“contrapartida socialista” do nazista alemão Adolf Hitler. Diante desta realidade, David Bohm
desiludiu-se com o comunismo e sofreu uma crise de depressão. Mas recuperou-se.
Em 1957, ao
estabelecer-se na Inglaterra, ele estava vivendo um despertar espiritual e
estudava iogues indianos e místicos cristãos. Mais tarde, descobriu com
entusiasmo o pensamento do indiano Jiddu Krishnamurti, considerado um santo e
um sábio em certos meios teosóficos. Alguns ingênuos imaginam que Krishnamurti
teria a quarta grande iniciação e estaria a apenas um passo da libertação
final.
Dos diálogos de
Bohm com Krishnamurti surgiram ideias interessantes na área da confluência da
Física com a tradição mística. Mas Bohm ainda teria que passar por mais uma
desagradável desilusão. Em 1991, poucos anos depois da morte de Krishnamurti,
foi publicado um livro revelando as complicações emocionais daquele suposto
“santo” indiano.
Krishnamurti se
envolvera durante muitos anos em uma complicada e conflitiva relação amorosa
com a esposa do seu amigo e secretário, o sr. Rajagopal, enquanto ao mesmo
tempo zelava cuidadosamente pela sua imagem pública de absoluta pureza e
santidade.
Em segredo, houve
disputas e processos judiciais envolvendo dinheiro e a sua imagem pública de
“brahmacharia”. Krishnamurti exigiu, como parte de um acordo, que fosse
observado total silêncio, enquanto vivesse, sobre tais episódios e
complicações. Ele morreu em 1986.
Em 1991, uma
biografia escrita pela filha do casal Rajagopal finalmente mostrou as
complicações e incoerências de Krishnamurti [2]. Ao ler o livro, David Bohm não só ficou desiludido e desorientado mas entrou, mais
uma vez, em depressão.
No ano seguinte,
Bohm morreu de modo súbito. O fato ocorreu em 27 de outubro de 1992, enquanto
ele trabalhava em suas pesquisas. Momentos antes de morrer, Bohm ligou para sua
esposa Sarah, que o ajudara decisivamente nos momentos difíceis. Ele parecia animado: pressentia uma expansão
de consciência e terminou a ligação dizendo:
“Sinto que estou
no limite de alguma coisa”.
A história da vida
de David Bohm e dos altos e baixos enfrentados por ele constitui um exemplo
concreto de como mesmo um cidadão
intelectualmente honesto, inteligente e capaz de raciocinar filosoficamente
deve enfrentar e aceitar duras desilusões como parte da sua busca da verdade.
Por isso mesmo -
dizem estudantes experientes - é melhor estar preparado.
Lições como as que
David Bohm e tantos outros têm tido que aprender são motivos para evitar a
fabricação de ídolos ou a crença em líderes e instituições “infalíveis”. Tal credulidade é ainda hoje um problema sério no movimento esotérico.
Como ensinava H.
P. Blavatsky, não há possibilidade de “pegar uma carona” no caminho espiritual.
Toda aprendizagem
autêntica é um processo autônomo, no qual é necessário largar nossas ilusões
prediletas para descobrir pontos de vista novos e mais amplos. E mesmo estas visões mais amplas da verdade
ainda serão parciais, e terão que ser continuamente questionadas no futuro.
NOTAS:
[1]
Veja a revista “Globo Ciência”, Ano 7, número 78, de janeiro de 1998, artigo “Os Anos Brasileiros de David Bohm”,
pp. 30-34.
[2] “Lives in the
Shadow With J. Krishnamurti”, Radha Rajagopal Sloss, Addison-Wesley Publishing
Co., 1991, 336 pp.
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Uma versão inicial do artigo
acima foi publicada de modo anônimo na edição de outubro de 2007 de “O Teosofista”.
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Sobre o mistério do
despertar individual para a sabedoria do universo, leia a edição
luso-brasileira de “Luz no Caminho”,
de M. C.

Com
tradução, prólogo e notas de Carlos Cardoso Aveline, a obra tem sete capítulos,
85 páginas, e foi publicada em 2014 por “The
Aquarian Theosophist”.
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