8 de julho de 2016

A História Secreta da Independência

Um Processo Que Tem Lições Úteis Para o Século 21 

Carlos Cardoso Aveline 

O grito do Ipiranga, segundo o quadro de Pedro Américo




“Laços fora, soldados! Pelo meu sangue, pela minha honra, juro fazer a liberdade do Brasil. Independência ou morte!”

Esta proclamação – feita por Dom Pedro às margens do Ipiranga,  às 16h30 de 7 de setembro de 1822, em meio às espadas erguidas dos militares que o acompanhavam – parece lembrar claramente um juramento maçônico. Na verdade, o que comemoramos a cada 7 de setembro não é exatamente a independência do País, mas o compromisso solene do príncipe Pedro com nosso povo. A independência política –  destituída da ideia de completa separação de Portugal – havia sido anunciada oficialmente um mês antes, em agosto.

A independência brasileira foi resultado direto da ação do movimento maçônico. As organizações autônomas baseadas na tradição da maçonaria são fraternidades secretas ou semissecretas que realizam reuniões ritualísticas. Elas buscam o aperfeiçoamento do ser humano através da vivência da fraternidade universal, da liberdade de consciência e da ruptura dos dogmas religiosos. Mas, como todo movimento baseado na liberdade de pensamento, as organizações maçônicas divergiam bastante umas das outras e deixavam à mostra as incoerências humanas, vaidades pessoais e lutas de poder dos seus integrantes, entre os quais estavam alguns do principais líderes das campanhas pela independência dos países latino-americanos e dos Estados Unidos, e dirigentes de revoluções liberais da Europa desde o século 18.

Para que se compreenda o processo da independência política do Brasil, é preciso ter claro – como destaca o historiador Caio Prado Júnior – que as monarquias de Portugal e Espanha estavam decadentes desde o século 17.

No século 18, a Espanha foi buscar apoio na França, enquanto Portugal se amparava na Inglaterra. A disputa entre Portugal e Espanha – grandes potências coloniais com economias pré-industriais e atrasadas – era, na verdade, um reflexo da briga entre Inglaterra e França, as grandes potências mundiais da época.

A maçonaria, com sua diversidade natural, também expressava essas contradições políticas, econômicas e estratégicas. Na Inglaterra, os maçons defendiam a monarquia constitucional e serviam como uma ponta de lança da influência britânica sobre o mundo. Essa ideia de monarquia acabou dominando os primeiros tempos da independência brasileira. Mas na França, como nos Estados Unidos (que fizeram sua independência a partir de 1776), os maçons defendiam o regime republicano, e divulgaram essa ideia por todo o mundo desde a revolução começada em 1789 com a tomada da Bastilha. O ideário republicano dessas correntes maçônicas teve consequências decisivas para os países da América espanhola.

Um  dos motivos pelos quais a  ação dos maçons da Inglaterra era mais moderada no começo do século 19  surgia do fato de que lá não havia sido necessária, no século 18, a violência da Revolução Francesa. Desde os tempos de Francis Bacon, a influência rosacruz e maçônica era bem maior e mais forte na Inglaterra,  tornando a aceitação das ideias liberais algo natural. Já na França, as elites se haviam negado a aceitar qualquer modernização, apesar dos esforços de grandes maçons e de sábios notáveis como Alessandro Cagliostro e o conde de Saint-Germain, na segunda metade do século 18.  A influência dogmática do Vaticano, muito forte na França, era pequena na Inglaterra. A irresponsabilidade cega das elites levou ao banho de sangue da Revolução Francesa.

Essa diferença entre as maçonarias francesa e inglesa explica, em grande parte, as lutas entre José Bonifácio, maçom moderado e monarquista constitucional, e a maior parte do movimento maçônico brasileiro, que era mais radical, principalmente no plano verbal,  e tinha forte tendência republicana.

Até alguns anos atrás, Bonifácio era considerado traidor da causa da independência brasileira em meios maçônicos.  A partir dos anos 1980, historiadores como José Castellani passam a fazer justiça ao “Patriarca da Independência”. Por outro lado, a história oficial tem ignorado o papel fundamental do líder maçônico Joaquim Gonçalves Ledo em nossa independência – porque Ledo, republicano e mais exaltado, era adversário de Bonifácio. Hoje, as informações disponíveis já permitem uma posição equilibrada, capaz de reconhecer tanto o valor de Gonçalves Ledo como o de José Bonifácio.

Não há dúvida de que os maçons republicanos foram influentes desde o começo do Brasil. Na Inconfidência Mineira, de inspiração claramente maçônica, Tiradentes e seus companheiros sonhavam com a República. A bandeira do movimento era um triângulo, símbolo maçônico, com a inscrição “Liberdade Ainda que Tardia”. Os iniciadores do movimento haviam sido admitidos pela maçonaria francesa e estavam entusiasmados pela independência dos Estados Unidos. O movimento foi descoberto e seus integrantes passaram a ser  presos a partir de maio de 1789. Antes de morrer na forca e ter seu corpo esquartejado em 21 de abril de 1792, Tiradentes declarou:

“Se eu tivesse dez vidas, eu daria todas elas para que os meus companheiros não sofressem nada.”

Na verdade, a Inconfidência Mineira não estava ligada diretamente à maçonaria, embora tenha sido  inspirada pelo ideal maçônico. A primeira associação maçônica no Brasil –  que ainda não era uma loja regular – foi fundada em Pernambuco pelo botânico Manoel de Arruda Câmara, em 1796, e ficou conhecida como o “Areópago de Itambé”.  

Foi devido à influência do Areópago que eclodiu em 1817 a Revolução Pernambucana, liderada por diversos maçons e cujo ideal era, também, republicano. O movimento depôs o governador  e proclamou a República em 6 de março de 1817, resistindo pouco menos de três meses até ser derrotado pelas tropas imperiais. Seus principais líderes foram enforcados, com a exceção de Frei Caneca, também maçom, que sobreviveu e iria mais  tarde  liderar com bravura a Confederação do Equador, em 1824.

A revolução de 1817 inicia a contagem regressiva para a independência política.  Em 30 de março de 1818, o rei português Dom João VI – que viera para o Brasil em 1808, com sua corte de dez mil pessoas, fugindo das tropas de Napoleão – assinava documento proibindo o funcionamento de sociedades secretas:

“Eu El-Rei faço saber (...) que se tendo verificado pelos acontecimentos que são bem notórios o excesso de abuso a que têm chegado as sociedades secretas (...) sou servido declarar por criminosas e proibidas todas e quaisquer sociedades secretas de qualquer denominação que sejam...”

Mas o avanço das ideias liberais, estimulado no mundo inteiro pelas maçonarias inglesa e francesa, já era inevitável. Os velhos regimes coloniais e as monarquias absolutistas estavam com os dias contados. Em Portugal, a revolução liberal de 1820 alterou radicalmente a situação e as Cortes (parlamento) portuguesas passaram a pressionar Dom João VI. Quando finalmente o rei deixou o Brasil e voltou para Lisboa, em abril de 1821, as Cortes pretendiam fazer a sociedade brasileira voltar à situação de simples colônia, depois de haver sido sede do Império, e isso acelerou a ruptura.

O príncipe regente Dom Pedro fora aconselhado por seu pai a chefiar a independência caso esta fosse inevitável. Em 9 de janeiro de 1822,  ele cedeu a um movimento organizado por José Joaquim da Rocha e outros maçons e desobedeceu os decretos 124 e 125 das Cortes portuguesas, que alteravam a estrutura administrativa do Brasil e mandavam que o príncipe regente voltasse imediatamente a Portugal.

“Diga ao povo que fico”, anunciou Dom Pedro, firmando uma aliança com os maçons.

Em 13 de maio, a loja maçônica “Comércio e Artes” deu a Dom Pedro o título de “Defensor Perpétuo do Brasil”.  Crescia a influência de Joaquim Gonçalves Ledo. Poucos dias depois, José Bonifácio assumiu o cargo de ministro do Interior e do Exterior.

Nascido em Santos (SP) em 13 de junho de 1763, Bonifácio era um homem de cultura extraordinária. Viajara por toda Europa e pertencia a diversas entidades científicas, tendo descrito 12 novos minerais. Falava e escrevia francês, inglês, alemão, grego e latim. Tinha uma percepção profundamente ética da vida. Defendia a reforma agrária, a preservação do meio ambiente e a abolição gradual da escravatura, e isso lhe deu numerosos inimigos, inclusive entre os maçons republicanos.  Bonifácio tinha uma visão de estadista. Olhava a longo prazo. Através da monarquia, pretendia preservar a unidade cultural e política do Brasil, ao contrário do que acontecia na América espanhola, que era republicana, mas que se esfacelava em pequenos países.

Joaquim Gonçalves Ledo, nascido no Rio de Janeiro em 1781, estudou medicina em Coimbra, mas voltou ao Brasil antes de terminar o curso, colocando-se em pouco tempo à frente da luta pela independência e fazendo da maçonaria o centro das novas ideias. Em setembro de 1821 fundou o jornal Revérbero Constitucional Fluminense, que teve grande influência no surgimento de uma consciência nacional brasileira. Em 1821, liderou uma revolta republicana fracassada; no ano seguinte, estabeleceu aliança com Dom Pedro e José Bonifácio em torno de uma independência com monarquia, embora houvesse um grande número de republicanos entre os maçons.

Em 2 de junho de 1822, meses depois do Dia do Fico, Bonifácio criou o Apostolado, organização semelhante à maçonaria, e nomeou Dom Pedro como seu chefe, com o título de “arconte-rei”.  Meses antes do dia sete de setembro, um dos lemas do “Apostolado da Nobre Ordem dos Cavaleiros da Santa Cruz” era, significativamente, “Independência ou Morte”.  Como parte do juramento prestado ao ingressar na ordem, cada novo membro do apostolado dizia:

“Juro promover, com todas as minhas forças e a custo da minha vida e riqueza materiais, a integridade, a independência e a felicidade do Brasil, como império constitucional, opondo-me tanto ao despotismo que o altera como à anarquia que o dissolve. Assim Deus me ajude.”

As palavras do grito do Ipiranga, em 7 de setembro, seriam, mais tarde, praticamente uma renovação desse compromisso por parte do futuro imperador. Gonçalves Ledo e os principais líderes do movimento emancipador eram membros do “Apostolado”.

A data da iniciação de Dom Pedro na maçonaria não parece estar bem estabelecida. Alguns autores falam de maio de 1822. Outros indicam o dia 13 de julho. Segundo aquele que é talvez o principal pesquisador maçônico da independência, José Castellani, Dom Pedro foi iniciado na maçonaria apenas no dia 2 de agosto. De qualquer modo, em 17 de julho Ledo organizou as lojas maçônicas no Grande Oriente do Brasil e ofereceu o cargo de grão-mestre a José Bonifácio, ficando com a posição imediatamente inferior, de primeiro vigilante. Dois dias depois, uma carta de Dom Pedro a seu pai deixava claro que a ruptura entre Brasil e Lisboa já era total:

“O Brasil, senhor, ama a vossa majestade, reconhecendo-o e sempre reconheceu como seu rei; (mas quanto às Cortes)... hoje não só as abomina e detesta, mas não lhes obedece, nem lhes obedecerá mais, nem eu consentiria em tal...”

Em obediência à estratégia traçada por José Bonifácio, principal conselheiro do príncipe, em 1º de agosto, Dom Pedro assinou um “Manifesto aos Brasileiros”, redigido por Gonçalves Ledo, e um decreto tomando providências para a defesa militar e a vigilância dos portos brasileiros. Como proclamação da independência, o “Manifesto” é muito mais claro e poderoso que o Grito do Ipiranga, de 7 de setembro., e tem valor legal e oficial, que o evento do riacho não possui.  O nome do autor do Manifesto está claramente estabelecido. O Barão do Rio Branco escreveu:

“Foi Ledo quem inspirou todas as grandes manifestações daqueles dois anos da nossa capital, quem instigou o governo a convocar uma constituinte e quem redigiu alguns dos principais documentos políticos, como o manifesto de 1º de agosto de 1822, dirigido por Dom Pedro aos brasileiros.”

No “Manifesto de Sua Alteza Real aos Povos deste Reino”, o príncipe regente proclama:

“Está acabado o tempo de enganar os homens. Os governos que ainda querem fundar o seu poder sobre a pretendida ignorância dos povos, ou sobre antigos erros e abusos, têm de ver o colosso da sua grandeza tombar da frágil base sobre que se erguera outrora... eu agora já vejo reunido todo o Brasil em torno de mim, pedindo-me a defesa dos seus direitos e a manutenção da sua Liberdade e Independência.”

Dom Pedro acrescenta:

“Acordemos, pois, generosos habitantes deste vasto e poderoso império. Está dado o grande passo da vossa independência e felicidade há tanto tempo preconizados pelos grandes políticos da Europa. Já sois um povo soberano; já entrastes na grande sociedade das nações independentes, a que tínheis todo o direito... a Europa, que reconheceu a independência dos Estados Unidos da América, e que ficou neutra na luta das Colônias Espanholas, não pode deixar de reconhecer a do Brasil (...). Que não se ouça entre vós outro grito que não seja União. Do Amazonas ao Prata que não retumbe outro eco que não seja Independência. Formem, todas as nossas províncias, o feixe misterioso que nenhuma força pode quebrar...”

No mesmo  Manifesto de Primeiro de Agosto de 1822, o príncipe anuncia: 

“Mandei convocar a Assembleia do Brasil, a fim de cimentar a Independência Política desse Reino, sem romper contudo os laços da Fraternidade Portuguesa; harmonizando-se com decoro e justiça todo o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, e conservando-se debaixo do mesmo Chefe  duas Famílias, separadas por imensos mares, que só podem viver reunidas pelos laços da igualdade de direitos, e recíprocos interesses.”

Independência, aqui, não implicava ainda total separação, mas sim uma completa autonomia:  

“Acordemos, pois, generosos habitantes desse vasto e poderoso Império, está dado o grande passo da Vossa Independência e Felicidade, há tanto tempo preconizadas pelos grandes políticos da Europa. Já sois um Povo Soberano; já entrastes na grande Sociedade das Nações Independentes, a que tínheis todo o direito.”  [1]

Cinco dias depois dessa declaração formal de independência, dirigida “Aos Povos do Reino do Brasil”, um outro manifesto declara formalmente a independência, agora perante a comunidade internacional.

No “Arquivo Diplomático da Independência” [2] temos o documento de seis de agosto de 1822, redigido por José Bonifácio e assinado pelo príncipe-regente Pedro.  Este segundo manifesto tem uma breve introdução anexada a ele, que é intitulada, de modo muito claro:

“Sucinta e Verdadeira Exposição dos Fatos que Levaram o Príncipe, Agora Imperador, e o Povo Brasileiro a Proclamar o Brasil Como uma Nação Livre e Independente”.  

A introdução começa assim:

“O Brasil foi uma colônia de Portugal até 28 de janeiro de 1808, quando D. João VI, agora Rei de Portugal e Algarves e naquele momento Príncipe-Regente, em sua passagem a caminho do Rio de Janeiro e estando na Bahia, declarou por uma Lei que os portos brasileiros ficavam livres e abertos a todas as Nações.”

A introdução do Manifesto de Seis de Agosto traça então um breve histórico e lembra que, em 16 de dezembro de 1815, o Brasil foi “categoricamente” promovido à categoria de Reino –  o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.

O Manifesto de Seis de Agosto propriamente dito, dirigido “A Todos os Governos e às Nações Amigas”, abre com os principais argumentos pelos quais o povo brasileiro “proclama a todo o Mundo a sua Independência Política;  e, como um Reino e uma Nação independente está resolvido a manter esse direito...”

Em seguida,  Dom Pedro proclama:

“... Eu, com o conselho dos Representantes populares, e na presença e sob a proteção de Deus Todo-Poderoso, Declaro e proclamo que o Brasil é uma Nação Livre e Independente, e que o Governo Estabelecido é em todos os atos um Governo Independente e Soberano. E a todas as nações amigas Eu declaro que os portos do Brasil estão livres e abertos ao Comércio...”

Todos esses dados, e inúmeros outros fatos que os reforçam, estão indiscutivelmente documentados e consensualmente estabelecidos.  O Grito do Ipiranga, em setembro, é uma ratificação da Declaração da Independência feita mais de um mês antes. Foi mais um anúncio (feito pelo príncipe perante a sua própria  guarda pessoal e comitiva em viagem) de que o caminho escolhido seria trilhado até o fim.

No dia seguinte ao Manifesto de Primeiro de Agosto,  Dom Pedro parece ter sido iniciado na maçonaria, mas não há consenso, entre os historiadores maçônicos,  sobre a data exata. 

Três dias depois do Manifesto, ele foi elevado ao grau de mestre maçom. Em 7 de setembro, ocorreu o Grito do Ipiranga. Em 9 de setembro, em reunião maçônica no Grande Oriente do Brasil, Dom Pedro foi proclamado imperador. Os acontecimentos se precipitaram. Em 18 de setembro ele escreveu a Dom João VI anunciando que o Brasil não obedeceria mais às Cortes portuguesas. Em 12 de outubro foi aclamado publicamente como imperador. O acordo entre José Bonifácio e os maçons, que era frágil de ambos os lados, se desfez. A maçonaria havia exigido de Dom Pedro três papéis assinados em branco e o juramento prévio da futura Constituição, fosse qual fosse o seu texto. Como resposta, em 25 de outubro, Dom Pedro fechou o Grande Oriente do Brasil, e, no dia 30, Bonifácio processou os principais líderes maçônicos.

Dia 3 de novembro, Bonifácio ordenou a prisão de Gonçalves Ledo, mas ele escapou para a Argentina, onde foi recebido com honras pelos dirigentes da maçonaria local.

Em 3 de maio de 1823, finalmente, foi instalada a Assembleia Constituinte. Em 7 de julho, foi desfeita a condenação contra os líderes maçônicos e eles puderam voltar. José Bonifácio se afastou do governo em 17 de julho.

Em 16 de novembro, Dom Pedro fechou a Assembleia Constituinte, e Bonifácio foi preso e desterrado para a França, onde ficaria por vários anos. Em fevereiro de 1824, Dom Pedro outorgou a primeira Constituição brasileira.

Em 2 de julho, o maçom Pais de Andrade, presidente da Junta de Governo de Pernambuco, lançou a chamada “Confederação do Equador”, proclamando a República,  e pediu apoio dos Estados vizinhos.  O movimento republicano foi vencido em novembro e seus líderes mortos.  Nenhum carrasco aceitou enforcar Frei Caneca, como queriam as autoridades, e ele teve de ser fuzilado. Dom Pedro I abdicou do trono em 7 de abril de 1831, e depois disso o Grande Oriente do Brasil foi reorganizado. Durante um breve tempo, houve então um acordo de paz entre José Bonifácio e Gonçalves Ledo.

As principais forças políticas da época tinham um comportamento mutável e incoerente. Não havia um projeto histórico claro, com a exceção do Brasil planejado por José Bonifácio. Esse foi o esboço de projeto histórico que acabou, em parte, prevalecendo: um país unido, que caminhasse em direção à abolição da escravatura e à reforma agrária.  Significativamente, o sonho político dos republicanos já é realidade, mas a reforma agrária ainda não ocorreu: é mais fácil mudar a forma do que a substância.

O movimento maçônico participou de todas as lutas daquele período, e até do período posterior à proclamação da República em 1889, expressando, pela sua atuação frequentemente desordenada e contraditória, os talentos e as fraquezas da alma brasileira.   Cumprida uma  etapa histórica, a maçonaria despolitizou-se,  o que é bom.

Quando estudamos as décadas mais conturbadas do século 19,  em que não faltaram golpes e  contragolpes na vida política brasileira, é sempre oportuno lembrar dos versos do poeta inglês Alexander Pope (1688-1744):

“Toda a natureza é apenas arte, desconhecida por ti;
Todo acaso, apenas direção, que tu não podes ver;
Toda discórdia, harmonia não compreendida;
Todo mal parcial, bem universal;
E apesar do orgulho, e da razão que falha,
Uma verdade é clara: tudo o que é, é correto.” [3]

A verdade é que nem sempre há muita coisa de novo sob o sol. 

No início do século 21, os sonhos de Tiradentes e Frei Caneca, assim como os projeto mais abrangente de José Bonifácio, só são desatualizados e contraditórios na sua superfície externa e aparente. Na realidade, eles continuam essencialmente atuais, assim como os Manifestos que proclamaram a independência em Primeiro de Agosto e Seis de Agosto de 1822.   

O Brasil, visto como um povo, continua acumulando forças e avançando passo a passo, naturalmente, na direção de uma maior independência nacional; sem pretender uma “separação” em relação ao resto do mundo, mas apontando para a justiça social, a reforma agrária,  a preservação do meio ambiente e – claro – a  ética na política e na administração pública. 


NOTAS:

[1] Ver a obra “D. Pedro I e Dona Leopoldina Perante a História”, Instituto Histórico e Geográfico de SP, Edição comemorativa do Sesquicentenário da Independência, SP, 1972, 802 pp. O Manifesto é comentado e reproduzido na íntegra nas pp. 19 a 34.

[2] Veja o “Arquivo Diplomático da Independência”, publicado em seis volumes pelo Ministério das Relações Exteriores do Brasil em 1972. A edição é uma reprodução fac-similada da edição de 1922. O documento de 6 de agosto está, em inglês, nas pp. 90 a 95 do volume V.

[3] Traduzido do volume  “Essay On  Man and Other Poems”,  Dover Publications Inc., New York, 1994, 100 pp.  Ver ali  “Essay On Man, Epistle I”, pp. 52-53.

Outras Referências Bibliográficas:

“Introdução à Maçonaria”, de Rizzardo da Camino, 2º volume, História do Brasil, Editora Aurora, 1972, 238 pp., Rio de Janeiro.

“História Econômica do Brasil”, de Caio Prado Júnior, Ed. Brasiliense, 7ª edição, 1962, São Paulo, 351 pp. Caio Prado informa que a população em 1823 era de 2,8 milhões de pessoas livres e 1,15 milhão de escravos, somando um total de 3,95 milhões de pessoas.

“José Bonifácio, Um Homem Além do Seu Tempo”, de José Castellani, Ed. A Gazeta Maçônica, São Paulo, 183 pp., 1988.

“História Geral da Civilização Brasileira”, direção de Sérgio Buarque de Holanda, Ed. Bertrand Brasil, volume II, 410 pp., 1993, RJ.

“Os Maçons que Fizeram a História do Brasil”, de José Castellani, Ed. A Gazeta Maçônica, São Paulo, 177 pp., 1991 (2ª edição).

“História do Grande Oriente do Brasil, A Maçonaria na História do Brasil”, de José Castellani, publicação do Grande Oriente do Brasil, Brasília, DF, 1993, 359 pp., além de diversos apêndices.

“Itambé, Berço Histórico da Maçonaria no Brasil”, de Chico Trolha, Ed. Maçônica A Trolha, Londrina, PR, abril de 1996, 224 pp.

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Para conhecer a teosofia original desde o ângulo da vivência direta, leia o livro “Três Caminhos Para a Paz Interior”, de Carlos Cardoso Aveline.


Com 19 capítulos e 191 páginas, a obra foi publicada em 2002 pela Editora Teosófica de Brasília.   

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