1 de julho de 2016

Ecos e Reflexos

 Cada Coisa que Vemos
Mostra Uma Parte de Nós Mesmos

Augusto de Lima

O autor, em foto publicada na biografia
“Augusto de Lima, Seu Tempo, Seus Ideais” (MEC, 1959)



                                                                                                                         A Araripe Junior

Ao nascer cada um recebe
um prisma risonho ou triste;
por ele vê quanto existe
na própria impressão que bebe.

Não raro a vista mais fina
se ilude, e aquilo que vemos
é uma imagem que trazemos
impressa em nossa retina.

Se, as costas à luz voltadas,
andamos, eis que adiante
uma sombra itinerante
nos guia em nossas jornadas.

Falas aos ecos? As frases
dos ecos soltas, disjuntas,
são outras tantas perguntas
às perguntas que lhes fazes.

Conosco os destinos jogam,
mudando os berços em lousas 
interrogamos as cousas
e as cousas nos interrogam.

Se lanças teus olhos, a esmo,
em qualquer ponto da terra,
cada fenômeno encerra
uma porção de ti mesmo.

Mas, se na vaga defesa
da alma deres um mergulho,
apesar do teu orgulho,
naufragarás com certeza. [1]

Nessa vaga escura, imensa,
morrerás, novo Leandro [2],
mesmo vestindo o escafandro
quer da razão, quer da crença!


NOTAS:

[1] O eu inferior “naufraga”, desde o ponto de vista do egoísmo, e “morre” no  mundo da ignorância espiritual, para renascer na dimensão da verdade, que é transcendente. (CCA)

[2] Referência a um mito grego que aponta para a necessidade da presença da infinitude no amor. Leandro amava Hero, sacerdotisa de Afrodite que vivia numa cidade do outro lado de um curso d’água. Todas as noites Leandro atravessava as águas para encontrar-se com Hero, sendo guiado pela luz que ela acendia no alto da casa dela. Numa das travessias uma tempestade apagou a chama, tornando impossível que ele encontrasse o caminho. Além disso, em meio à intensa tormenta, Leandro se afoga. Na manhã seguinte a jovem Hero vê o cadáver do amado e lança-se às águas para juntar-se a ele na morte. O mito ensina que o amor vai além do plano físico, e a morte simboliza o abandono do egoísmo. (CCA)

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O poema acima é reproduzido de “Poesias”,  Augusto de Lima,  Editora H. Garnier, Rio de Janeiro / Paris, 1909, 300 pp., ver pp. 133-134. A ortografia foi atualizada.

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Para conhecer um diálogo documentado com a sabedoria de grandes pensadores dos últimos 2500 anos, leia o livro “Conversas na Biblioteca”, de Carlos Cardoso Aveline.


Com 28 capítulos e 170 páginas, a obra foi publicada em 2007 pela editora da Universidade de Blumenau, Edifurb.  

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