E Como Ela Pode Ajudar-nos a
Viver Melhor
Carlos Cardoso Aveline
Carlos Cardoso Aveline

Na primeira metade do século
21, a sabedoria pacífica de “Mahatma” Gandhi é cada vez mais atual, e mais
necessária.
Enquanto ouve falar sobre a vaga
ideia de um desenvolvimento sustentável,
o cidadão planetário assiste a uma crise ecológica global muito concreta e de
proporções inéditas.
Se buscarmos pela chave-mestra que permite construir uma
economia saudável, veremos que ela está no abandono do consumismo desinformado e na adoção da boa e velha simplicidade voluntária ensinada por Mahatma
Gandhi. Nisso, como em outras coisas, Gandhi coincidiu com os líderes das
grandes religiões e filosofias de todos os tempos - inclusive Jesus, Buda, Pitágoras
e Lao-tzu.
Inovador, Mohandas Gandhi questionava
a civilização consumista. Ele escreveu:
“Duvido que a idade do aço
seja um progresso em relação à idade da pedra talhada. Não tenho preferência
nem por uma nem por outra. É à evolução da alma que devemos consagrar nossa
inteligência e todas as nossas faculdades”.
E ainda:
“Os sistemas econômicos que
negligenciaram fatores morais e sentimentais são como estátuas de cera: parecem
vivas e no entanto falta a elas ser de carne e osso”. [1]
Ele pensava que o dinheiro não
deve ser tratado como Deus, nem o ser humano como coisa. Sua religião era
universal: admirava o hinduísmo, o cristianismo e o islamismo. Na luta pela
independência da Índia, Gandhi criou o movimento Satyagraha, uma palavra composta que significa “firmeza na
verdade”. Foi com base neste conceito que ele promoveu a grande luta contra a
dominação inglesa.
Na Amazônia brasileira, o
conceito de Satyagraha foi adaptado
pelo seringueiro Chico Mendes, que promovia “empates” - confrontos
não-violentos - para interromper a destruição da floresta. Tais lutas requerem
autossacrifício, e não é por acaso que Chico Mendes foi, como Gandhi, morto com
tiros à queima-roupa.
Gandhi escreveu: “Satyagraha
não é outra coisa senão a austeridade necessária para buscar a verdade”. E
acrescentou: “a verdade é dura como o diamante e frágil como a flor do
pessegueiro”. Para ele, buscar a
verdade era, de um lado, renunciar aos caminhos já trilhados; e de outro, ouvir
a voz da própria consciência. Ele explicou: “O erro não se torna verdade porque
se propaga e se multiplica; a verdade não se torna erro pelo fato de ninguém a
conhecer.” [2]
Pouco antes da sua morte, Gandhi
fez uma autocrítica severa. Reconheceu que errara ao dedicar mais energia à
luta contra os ingleses do que a estimular a economia solidária. Depois do seu
assassinato, um dos seus discípulos mais próximos, Vinoba Bhave, iniciou o
movimento Gramdan (palavra composta
que significa “doação às aldeias”).
Vinoba percorreu o país a
partir de 1951. Em 1953, passou a receber de latifundiários doações para as
comunidades de trabalhadores sem terra. Na província de Telangana (no atual estado
de Andra Pradesh), Vinoba obteve cerca de 42 hectares de um grande proprietário.
O bom exemplo foi seguido por muitos. Em 1965 os gramdans, povoados com terras doadas, eram mais de 80 mil. Em todos
os casos, as terras comuns eram administradas pela assembleia comunitária
local. Entre as consequências benéficas do processo estavam o desaparecimento
da criminalidade e a redução dos conflitos entre famílias.[3]
Qual a grande lição prática
que o mundo do século 21 deve aprender da filosofia de Gandhi? Simples. O
espírito comunitário, a economia solidária e a simplicidade voluntária são elementos
centrais para o progresso e a democracia verdadeiros. Esta lição não é utópica
nem impraticável. Consciente ou inconscientemente, os exemplos de Gandhi e
Vinoba estão sendo seguidos. Desde os anos 1990 é costume, entre bilionários e milionários
da Europa e dos EUA, doar em vida as suas fortunas para causas nobres. Bill
Gates e sua esposa são um exemplo entre muitos.
Em todo o mundo, setores
crescentes da sociedade optam por resgatar a vocação solidária do ser humano e
por adotar em escala cada vez maior a simplicidade voluntária. Assim, a
civilização solidária do futuro é construída sem pressa, sem pausa, e sem ruído
desnecessário.
NOTAS:
[1] “Cartas ao
Ashram”, Gandhi, Ed. Hemus, SP, 124 pp., ver p. 15.
[2] As diversas
citações deste parágrafo estão em “Cartas ao Ashram”, obra citada, p. 86.
[3] Veja-se o folheto “Vinoba, Um Seguidor de
Gandhi”, um texto de Devi Prasad editado pela revista “Pensamento Ecológico” em
São Paulo em janeiro de 1983, 44 pp. O mesmo texto fora publicado no início dos
anos 1970 na Argentina pela revista “Problemas Humanos, Cuadernos Trimestrales”,
de Buenos Aires, em edição de 34 pp.
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Sobre Gandhi, leia o capítulo
21 da obra “Conversas na Biblioteca”,
de Carlos Cardoso Aveline (Edifurb, SC, 2007). O capítulo é intitulado “Mahatma Gandhi: a Religião da Verdade”.
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Leia
em nossos websites associados os artigos “Mahatma Gandhi e a Teosofia”, “Vinoba e a Vontade de Construir”
e “Voto dos Membros Do Ashram de Gandhi”.
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