Como a Alma se Aproxima
do Discipulado e da Sabedoria
Carlos Cardoso Aveline

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O texto a seguir continua e
conclui
“O Caminho do Aprendizado - Parte
I”.
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O Discipulado de Bennett
Os
Adeptos evitam todo desperdício de energia. Eles preferem atuar anônima e
silenciosamente através da consciência intuitiva do próprio aprendiz. Um
exemplo clássico deste tipo de discipulado é a experiência de Robigne Mortimer
Bennett (1818-1882), um livre-pensador norte-americano perseguido pelo
cristianismo dogmático.
Bennett
ficou preso durante alguns anos por causa das suas ideias. Ele era amigo
pessoal de HPB, mas nunca chegou a acreditar muito na existência dos Mahatmas.
Sobre ele, um discípulo avançado escreveu para Sinnett, a pedido de um
Mahatma:
“Também
devo dizer que você reconhecerá em um certo sr. Bennett, da América do Norte, que
chegará em breve a Bombaim, uma pessoa que, apesar do seu nacionalismo, que
você tanto detesta, e das suas tendências excessivamente céticas em relação às
religiões, é um dos nossos agentes (fato que ele desconhece) no empreendimento
de levar a cabo o plano para a libertação do pensamento ocidental de credos supersticiosos.”
[ “Cartas dos Mahatmas”, Carta 37,
volume um, p. 180. Veja ainda uma emocionante defesa de Bennett, feita por um
Mahatma na carta 42, volume um, pp. 191-192. ]
Edison, Flammarion, Tennyson,
Balzac
Esse
discipulado sem consciência cerebral pode ser mais numeroso que os outros,
porque é o menos complicado. As informações presentes nas cartas dos Mahatmas e
nas obras de HPB sugerem o processo de discipulado inconsciente no caso de
vários cientistas e escritores. Um provável discípulo leigo inconsciente (ou
com grau incerto de consciência) foi o cientista norte-americano Thomas Alva
Edison, membro da ST, um amigo pessoal de HPB que um mestre qualifica como
“bastante protegido” por um dos adeptos. [ “Cartas dos Mahatmas”, obra citada,
volume dois, p. 138, Carta
93B, resposta número 14. ]
O
astrônomo francês Camille Flammarion está na mesma situação. A poeta inglesa
Christina Rossetti (1830-1894), foi citada por um Mestre no final da Carta 42
de “Cartas dos Mahatmas”. Outro
pensador que chamou atenção dos Mahatmas é o poeta inglês Alfred Tennyson. [
Veja o final da Carta 18, à p. 129, e o parágrafo final da Carta 20, à p. 138.
As duas Cartas estão no volume I de “Cartas dos Mahatmas Para A.P. Sinnett”.
Traduzo
a seguir um dos seus poemas, para ilustrar o modo como a consciência cósmica
está presente em sua obra. Trata-se de “O Sonhador”, o último poema escrito por Tennyson. Seus versos dizem respeito
à necessidade histórica de uma nova era de paz entre os humanos:
No meio de uma noite no meio do
inverno,
quando tudo estava morto com a
exceção dos ventos,
Em sua cabeça ressoava uma frase
da Escritura:
‘Os Humildes Herdarão a Terra.’
Até que, em sonhos, ele viu uma
Voz da Terra passar e dizer, em tom de lamento:
“Estou perdendo a luz da minha
juventude
E a visão que tempos atrás me
conduzia
E bato de encontro a uma Verdade
de Ferro
Quando me esforço por uma Idade
de Ouro
E gostaria que minha raça
terminasse, porque,
Repleta de mentirosos, e loucos,
e patifes,
E cansada de autocratas, de rebeldes
e de escravos,
Escurecida pelas dúvidas sobre
uma fé que salva,
Coberta de vermelho pelas
batalhas, oca com tantas sepulturas,
Eu giro, e sigo girando em torno
do Sol,
Seguida pelos lamentos dos meus
ventos,
E pelos gemidos das ondas do
mar.”
Seria apenas o vento da noite
soprando Desolação e engano
Através de um sonho sobre uma
escuridão?
No entanto ele pensou estar
respondendo aos lamentos dela com uma canção:
Tuas perdas te arrancam gemidos,
oh Terra
De coração cansado, dolorido!
Mas tudo o que termina bem é bom.
Gira, e segue girando em torno do
Sol!
Ele avança de céu em céu,
E as perdas são menores que os
ganhos,
Porque tudo o que termina bem é
bom.
Gira, segue girando em torno do
Sol!
O Reino dos Humildes sobre a
Terra
Oh vida cansada, não começou?
Porém, tudo o que termina bem é
bom.
Gira, e segue girando em torno do
Sol!
Porque teus lamentos se
transformarão na música das esferas,
Ou tua raça desaparecerá para
sempre!
Tudo aquilo que termina bem é
bom.
Gira, segue girando em torno do
Sol!
[
Alfred, Lord Tennyson, “Selected Poems”, Gramercy Books, Nova Iorque, EUA,
1993, 256 pp., ver pp. 96-97. ]
Não há
um limite pré-determinado entre a condição de discípulo leigo inconsciente e a
de um pensador que é inspirado eventualmente, ou que trabalha dentro das linhas
de ação e pensamento dos Mahatmas e seus discípulos. Outro pensador inspirado
era Honoré de Balzac, escritor que H.P. Blavatsky qualifica como “o ocultista
inconsciente da literatura francesa”. [“A Doutrina Secreta”, comentário A do item 4 da Estância III, volume um: ver “A Doutrina Secreta”,
tradução passo a passo, disponível nos Websites Associados. ]
Balzac
parece ter colaborado em sua obra com uma tarefa empreendida não só por
Blavatsky mas pelos próprios mestres, tanto em suas Cartas como através de
vários discípulos, leigos ou não. Tratava-se de revelar o funcionamento das máscaras sociais que os cidadãos modernos usam, cascas externas reguladas por normas de cortesia, mas que
ocultam sentimentos egoístas dignos do reino animal. Esse ponto foi
exaustivamente trabalhado por HPB e pelos Mestres. A tarefa avançaria mais
adiante com Sigmund Freud e outros pensadores da psicologia moderna.
Em uma
curta biografia de Balzac, Henry Thomas e Dana Lee Thomas escreveram,
depois de comparar o escritor francês com Dante:
“Ele
[Balzac] foi um artista que viveu no ambiente da ciência moderna e não na
atmosfera da fé medieval. Projetou fazer para o reino dos homens o que Buffon
fizera para o dos animais – escrever um documento exaustivo sobre a anatomia
moral comparativa da espécie humana. E por que não? Os animais tinham sido
classificados e catalogados segundo os tipos. ‘Os soldados, os trabalhadores,
os letrados, os estadistas, os comerciantes, os marinheiros, os poetas, os
mendigos, os padres, são tipos tão diferentes uns dos outros como os lobos, os
leões, os corvos, os abutres e os tubarões.’ Pois os motivos que guiam o mundo
dos homens, argumentava Balzac, são as paixões de animais, especialmente a
paixão do interesse próprio. ‘A polidez apenas adorna o homem e a hipocrisia o
mascara ... O animal persiste no homem com a diferença de que, sendo a mente do
homem mais vasta que a do animal, suas necessidades e seus perigos são
maiores.’ E assim [Balzac] construiu no museu da história natural do homem um
panorama de esperanças, desejos, ambições, lutas, rivalidades, ódios, lisonjas
e temores – um quadro exaustivo de toda a desumanidade da espécie humana...” [“Vidas
de Grandes Romancistas”, de Henry
Thomas e Dana Lee Thomas, Editora Globo, RJ-Porto Alegre-SP, 1954, 344 pp., ver
p. 101. ]
Um Trabalho Que Avança Por
Milênios
Naturalmente,
Adeptos e Mestres têm acompanhado a humanidade desde o seu surgimento. O
discipulado não é coisa de uma vida ou de um século. E tampouco a reencarnação
se dá de modo tão rápido quanto se pensa popularmente. O intervalo entre duas vidas é bem maior do que afirmam autores
fantasiosos e, na verdade, varia de mil
a quatro mil anos, salvo exceções, segundo os Mahatmas. [Veja “Cartas dos
Mahatmas Para A.P. Sinnett”, obra citada, vol. II, Carta 93B, metade inferior
da p. 148; Vol I, Carta 62, metade inferior da p. 256; e ainda Vol II, metade
superior da p. 40. ]
Na
Grécia e Roma antigas, na Índia, na China, na Pérsia, no Egito e nas Américas
primitivas, a presença dos Mestres e dos seus discípulos deixou marcas
culturais que podem ser encontradas ainda hoje com facilidade.
A
seguir, uma lista com alguns poucos exemplos de filósofos ocidentais cujo
trabalho se inscreve dentro dos objetivos e da tradição geral da filosofia
esotérica, e que dão elementos úteis para o aspirante ao discipulado no século
21.
Pitágoras de Samos (segunda metade do século VI a.C.),
Sócrates de Atenas (470 a.C.-399 a.C.),
Antístenes de Atenas (Entre séculos 5 e 4 a.C.),
Xenofonte - historiador, escritor, 430 a.C.-355
a.C.,
Platão de Atenas - 428/427 a.C.-347 a.C.
Os
Cínicos:
Diógenes de Sinope (séc. 4 a.C.)
Os
Estoicos:
Zenão de Cítio (Chipre) (séc. 4 a.C. e séc. 3
a.C.),
Epicuro de Samos (341 a.C.-270 a.C.), fundou o
“Jardim” em Atenas, em 307-306 a.C., a primeira grande escola do período
helenístico. Considerado “um teosofista” por Helena Blavatsky.
Os
Ecléticos:
Marco Túlio Cícero (106 a.C.-43 a.C.).
Os
Neoestoicos:
Pensadores
cujos escritos (ou transcrições de palestras) têm valor admirável para um
aspirante ao discipulado:
Sêneca (4 a.C.-65 d.C.),
Musônio Rufo (28 d.C.-101 d.C.),
Epicteto (55 d.C.-135 d.C.),
Marco Aurélio (121-180 d.C.).
Os
Neoplatônicos (Neopitagóricos):
Amônio Sacas, de Alexandria (entre séculos 2
e 3 d.C.),
Plotino de Licópolis (205-270 d.C.),
Porfírio de Tiro (233/234 d.C.-305 d.C.),
Jâmblico de Cálcides (séc. 3 e 4 d.C.),
Plutarco de Atenas (morreu em 431-432 d.C.),
Hierocles de Alexandria (século 5 d.C.),
Proclo,
Hipátia, e outros.
Elos de Luz em Uma Corrente
Ilimitada
A idade
média, é, em geral, uma era de obscurecimento. E isso apesar da presença de
figuras marcantes como São Francisco de Assis, Tomás de Kempis (autor de A Imitação de Cristo), Roger Bacon e
outros místicos cristãos importantes. Roger Bacon antecipou descobertas
científicas fundamentais.
Nicolau
de Cusa (1401-1464) foi um neoplatônico.
A partir
do século 16, centenas de pessoas destacaram-se na luta contra a obscuridade.
Entre elas, Martin Lutero, o líder da Reforma, Thomas More (autor de A Utopia), Erasmo de Rotterdam, e outros,
entre os quais estão os portugueses Damião de Góis e Pedro Nunes. Mencionar
alguns poucos nomes aqui serve como exemplo e ilustração de um contexto maior.
Os
Mahatmas jamais se limitaram a trabalhar através deste ou daquele pequeno grupo
de pessoas. As instituições “esotéricas” que desenvolvem um sentimento de
privilégio ou de exclusividade em sua relação com os Imortais ou com qualquer
fonte de sabedoria na verdade perdem contato com a fonte de inspiração. A luz
da verdade ilumina a todos, assim como a luz do sol.
São João
da Cruz, Teresa de Ávila e Miguel de Molinos pertencem ao século 17. Um nome
significativo é Giordano Bruno, filósofo morto pelo Vaticano em 17 de fevereiro
de 1600. O filósofo e matemático alemão Gottfried Leibniz (1646-1716) escreveu
obras importantes na linha de trabalho dos Mahatmas, assim como o filósofo
místico Jacob Boheme (1575-1624), também alemão. Já o filósofo platônico inglês
Henry More, que morreu fisicamente em 1687, existia em um estado pós-morte
muito especial em plena segunda metade do século 19. Segundo Henry Olcott
revela em seu Diário, ele estava instalado em sua biblioteca, trabalhando, e
ajudou Helena Blavatsky a escrever certas passagens de “Ísis Sem Véu”. [ Veja “Old Diary Leaves”, o diário de Henry Olcott, volume um (first series), editado por
TPH-Adyar, Índia, 1974, pp. 238-243. ]
Paracelso
(1493-1541), alquimista que ajudou a criar os conceitos e métodos básicos da
medicina moderna, é um exemplo notável de ocultista. Há indícios de uma
identidade muito profunda entre a alma de Helena Blavatsky e a dele. [Veja em
nossos websites o artigo “Paracelso e o Livro da Natureza”. Examine também “Old
Diary Leaves”, de Henry Olcott, volume um (first series), p. 240. ]
Considera-se,
em círculos esotéricos, que as obras publicadas sob o nome de William
Shakespeare – escritas no final do século 16 e início do século 17 – foram
escritas em verdade por Francis Bacon (1561-1626), ocultista avançado e criador
do método científico experimental. As peças teatrais publicadas em nome de
Shakespeare possuem importante valor oculto, o que pode ser verificado
facilmente lendo-as ou vendo os filmes baseados nelas. Elas examinam em
profundidade o drama de luz e sombra que se desdobra na alma humana. Manly P.
Hall e outros estudiosos de destaque levantaram indícios numerosos de que
Francis Bacon foi o verdadeiro autor das obras e poemas atribuídos a
Shakespeare. A escritora inglesa Jean Overton Fuller escreveu uma documentada
biografia de Francis Bacon em que aborda esse tema. [ “Sir Francis Bacon, a
Biography”, de Jean Overton Fuller, George Mann Books, Kent, Grã-Bretanha,
1994, 384 pp. Veja também o capítulo “Bacon, Shakespeare and the Rosicruacians”
da obra “The Secret Teachings of All Ages”, de Manly P. Hall, Philosophical
Research Society, 1994, Califórnia, EUA. ]
As
ciências exatas, assim como outras áreas do conhecimento humano, são
acompanhadas e assistidas pelos Mahatmas em seu progresso. Além do já citado
Bacon, há Isaac Newton, Johannes Kepler e muitos outros. Os exemplos nessa área
são tão numerosos como na área religiosa ou na área filosófica.
O grande
místico que apareceu na Europa do século 18 usando o nome de Conde Alessandro
Cagliostro pode ter sido bem mais do que um discípulo leigo. Sua vida e
personalidade têm notáveis coincidências com as de Helena Blavatsky. Discípulos
avançados podem reencarnar rapidamente porque experimentam durante a vida
física uma consciência equivalente à do Devachan - o descanso celestial que é
normalmente necessário entre uma reencarnação e outra. [Veja em nossos websites
o artigo “O Mistério de Alessandro Cagliostro”.]
Um
grande iniciado, mas ainda não um Adepto ou mestre de sabedoria, apareceu na
mesma época que Cagliostro nas cortes europeias usando o nome de Conde de
Saint-Germain. Porém, não há indícios de legitimidade nas versões que circulam
afirmando que Saint-Germain seria um Adepto responsável por cerimônias
ritualísticas, e que escreveria ou inspiraria a redação de livros e a
realização de palestras através de médiuns e “canalizadores”. Não faz sentido, tampouco,
pensar que um Adepto se daria a conhecer a discípulos usando o mesmo nome com
que se tornou conhecido na encarnação anterior. Em certos círculos, a verdade
sobre os Adeptos está recoberta por uma grossa camada de fantasias e
clarividências viciadas pelo desejo e pelas expectativas de cada clarividente.
No
século 18, os pensadores franceses Voltaire, Denis Diderot e Jean-Jaques
Rousseau estiveram entre os que deram contribuições valiosas para o “plano para
a libertação do pensamento ocidental de credos supersticiosos”, elaborado pelos
Mahatmas e mencionado acima, em uma citação relativa a Bennett.
A obra
de Francis Hutcheson, influenciada pela filosofia ocidental clássica e
especialmente por Cícero, tem paralelos significativos com Raja Ioga.
A
proclamação universal dos direitos do homem, feita pela revolução francesa de
1789, é o mais belo manifesto pela fraternidade universal que se conhece até
hoje, e foi inspirado no pensamento de Jean-Jacques Rousseau e na independência
norte-americana de 1776. Aliás, entre os líderes e pensadores da independência
norte-americana parecem não haver faltado discípulos leigos. Infelizmente
Rousseau popularizou a ideia de que o povo simples e trabalhador tem uma
bondade profunda e estável, bastando tirar o poder das elites e voltar à simplicidade
primordial para que a humanidade supere a ignorância espiritual. Leo Tolstoi,
admirado por Helena Blavatsky e provável discípulo leigo, compartilhou o mesmo
erro e idealizou excessivamente o camponês russo, por contraste com a elite russa
que ele desprezava. A verdade é que o atual mau uso do conhecimento nas nações
que sofrem da doença da injustiça social não é motivo para jogar fora o
conhecimento, ou para pensar que os pobres têm pureza de alma e os ricos estão
coletivamente condenados à maldade. Cabe, isso sim, usar o conhecimento de modo
correto: a luta entre a ignorância e a bondade ocorre em cada coração humano,
sem trégua.
Um exemplo
de trabalho espiritual através da literatura é dado pelo escritor russo Fiódor
Dostoievsky. Apesar do tom lúgubre de vários dos seus livros, ele chamou
atenção dos Mahatmas pelo menos em alguns momentos, já perto do final da sua
vida.
Em um
longo trecho da obra Os Irmãos Karamázovi, intitulado O Grande Inquisidor, Dostoievisky descreve
uma suposta volta de Jesus Cristo à Terra, maravilhando o povo com seus
milagres até ser preso e encerrado em uma cela das prisões da Inquisição do
Vaticano. Segue-se então um diálogo franco entre o Mestre e o Inquisidor. Em
uma das suas cartas, um Mestre revela que sugeriu a Blavatsky que publicasse o
texto em The Theosophist, a revista que ela editava. O Adepto escreveu:
“A
sugestão de publicar O Grande Inquisidor
é minha; porque seu autor, sobre quem já pesava a mão da Morte enquanto
escrevia, deu a descrição mais convincente e mais verídica jamais escrita da
Sociedade de Jesus. Está contida ali uma grande lição para muitos, e mesmo você
poderá tirar proveito dela.” [ “Cartas dos Mahatmas”, obra citada, volume um,
Carta 21, p. 142. Veja também “Collected Writings”, HPB, TPH-Índia, volume III,
pp. 324-325. Para ler “O Grande
Inquisidor” no romance “Os Irmãos Karamázovi”, veja a seção V do livro V da
obra. ]
A
Sociedade ou Companhia de Jesus é a corporação dos jesuítas, que na época
funcionava como uma sociedade secreta e um serviço de espionagem com práticas
autoritárias da pior espécie.
O romancista
francês Victor Hugo (1802-1885), uma das maiores expressões do romantismo,
também navegou nas amplas águas do discipulado leigo.
A obra
de Hugo expressa um certo anticlericalismo, um bravo combate ao dogmatismo
religioso, uma postura democrática e uma valente defesa dos direitos humanos.
Articulando o que havia de melhor na alma francesa, ele exaltava a fraternidade
universal. Veja-se, por exemplo, a obra “Os Trabalhadores do Mar”. Já em seu
livro intitulado “William Shakespeare”, Victor Hugo discute não só o escritor
inglês mas todo o trabalho da literatura de inspiração, e deixa clara sua
identidade com o caminho da Raja Ioga e seu compromisso com o futuro humano:
“Pensamento
é poder. Todo poder é dever. No século em que estamos, deve esse poder entrar
em repouso? Deve esse poder fechar os olhos? O momento é chegado para a arte se
desarmar? Menos que nunca. A caravana humana, graças a 1789, atingiu um ponto
elevado, e sendo o horizonte mais vasto, a arte tem mais a fazer. Eis tudo. A
todo alargamento de horizonte corresponde um alargamento de consciência. Ainda
não alcançamos o objetivo. A concórdia condensada em felicidade, a civilização
resumida em harmonia. Isto ainda está longe.” [William Shakespeare”, obra de
Victor Hugo, Ed. Campanário, Londrina, PR, edição do ano 2000, 330 pp., ver
p.250.]
A
referência acima a “1789” diz respeito à Revolução Francesa de 1789, que fez a
proclamação universal dos direitos do homem, e pouco depois terminou em um
banho de sangue, devido à premissa falsa de que “o ser humano é bom e para que
seja feliz basta eliminar a elite social maldosa”.
Ao
mesmo tempo que sonhava com a justiça social, Victor Hugo estava interessado no
despertar da alma imortal. Ele escreveu:
“No
poeta e no artista há o infinito. É esse ingrediente, o infinito, que dá a essa
espécie de gênio a grandeza irredutível. Essa quantidade de infinito, que há na
arte, é exterior ao progresso. Pode ter, e tem, para com o progresso, deveres;
mas não depende dele. Não depende de nenhum dos aperfeiçoamentos do futuro, de
nenhuma transformação da língua, de nenhuma morte ou de nenhum nascimento de
idioma. Tem em si o incomensurável e o inumerável; não pode ser subjugada por
nenhuma concorrência; é tão pura, tão completa, tão sideral, tão divina em
plena barbárie quanto em plena civilização. Ela é o Belo, diverso segundo os
gênios, mas sempre igual a si mesmo. Supremo. É essa a lei, pouco conhecida, da
arte.” [“William Shakespeare”, obra citada, p. 86.]
O Diário de Leon Tolstoi
O escritor russo Leon Tolstoi,
autor de Guerra e Paz, foi intensamente
defendido por HPB. Místico autêntico, ele lutou contra o dogmatismo, a
hipocrisia, a burocratização eclesiástica e o controle ritualístico do
sentimento cristão. Teve pelo menos um texto, sobre a arte de viver, publicado
por Blavatsky em uma das suas revistas.
Apesar de suas limitações, os
sintomas de discipulado leigo são fortes. Sua vida e sua obra foram dedicadas à
expansão da consciência humana, o que incluía o combate a todas as formas de
dogma religioso e de autoritarismo. Por suas ideias “hereges”, foi excomungado.
Deixou livros admiráveis do ponto de vista oculto. E Tolstoi tinha uma prática
pessoal que é seguida por aprendizes há muitos séculos. Ele dedicava uma parte
do dia ao autoexame e à meditação, e registrava no papel o resultado da sua
luta diária consigo mesmo. Na bem documentada biografia “Tolstoy”, de Henri
Troyat, vemos que já com idade avançada e perto do final da vida, o pensador
ainda mantinha um esforço intenso de autoaperfeiçoamento. Troyat escreve:
“Ao
contrário de algumas pessoas idosas, para quem a proximidade da morte traz mais
indulgência para consigo mesmas, sua necessidade de submeter-se a um código
moral severo era mais forte que nunca. O tempo não havia enfraquecido seu amor
pela perfeição. Todas as noites, infalivelmente, ele se fechava em seu
gabinete, abria um caderno e, sob a luz de uma única vela, sem óculos, com a
mão firme e o nariz enterrado na página, registrava suas boas resoluções, seus
fracassos, seus ressentimentos, suas fraquezas e vitórias, e estabelecia regras
de conduta como ele fazia quando tinha 20 anos de idade. Além desse diário, ele
tinha um caderno que nunca saía do seu bolso e em que anotava impressões e
pensamentos a qualquer momento. Frequentemente, as notas desse caderno eram
ampliadas no diário. Tudo que ele lia, via e ouvia era motivo de avaliação.” [“Tolstoy”, de Henri Troyat, Doubleday &
Company, Inc., Nova Iorque, EUA, 1967, 789 pp., ver pp. 584-585.]
Os
exemplos de criadores misticamente inspirados são virtualmente inumeráveis, na
poesia, nas artes, na filosofia e na ciência. Em muitos casos, obras inspiradas
cumpriram seu papel e caíram em completo esquecimento.
Um
exemplo disso é o romance oculto “Mr. Isaacs”, de Francis Marion Crawford. Um
dos personagens do romance, Ram Lal, é inspirado em um Mahatma. Ao ser
publicada em 1882, a obra recebeu comentários positivos tanto de Helena
Blavatsky como do Mestre. Hoje, muito poucos dão atenção a essa obra nunca
reeditada. [“Mr. Isaacs, a Tale of Modern India”, de Francis Marion Crawford, publicado em Londres em 1882 por
Macmillan and Co., 316 pp. Helena Blavatsky comenta a obra em “Collected
Writings”, HPB, TPH/India, volume IV, p. 640. O Mestre escreve sobre o romance
no último parágrafo da Carta 102, “Cartas dos Mahatmas Para A.P. Sinnett”.]
Há
indicações irrefutáveis no sentido de que o pensador francês Eliphas Levi (1810-1875) era um discípulo leigo.
Mas não se sabe até que ponto ele foi perfeitamente consciente desse fato ou
dos processos específicos de inspiração.
A
obra de Eliphas tem diversos pontos em comum com os escritos de HPB, inclusive
em sua linguagem e estrutura. Seu verdadeiro nome era Louis Constant. HPB
recebeu ordens de divulgar alguns dos manuscritos inéditos de Eliphas Levi nas
páginas da revista que ela editava, “The Theosophist”. Além disso, um Mestre
escreveu notas de pé de página relativamente numerosas no livro “The Paradoxes
of the Highest Science”, de Eliphas Levi. [Na edição brasileira, “Os Paradoxos
da Ciência Oculta”.]
O
filósofo alemão Arthur Schopenhauer (1788-1860),
que foi inspirado na sabedoria indiana, é mencionado no parágrafo final da
Carta 65, em Cartas dos Mahatmas, e
parece ser outro exemplo de pensador cujas ideias se inscrevem no contexto do
trabalho dos Mestres.
Benedictus
de Spinoza (1632-1677) – citado na
polêmica Carta 88, sobre Deus – elaborou uma filosofia que coincide
notavelmente com as ideias dos Mahatmas. Por sua posição diante da questão da
existência ou não de Deus, uma posição essencialmente idêntica e só
aparentemente diferente da defendida pelos Mestres, Spinoza foi duramente
perseguido mesmo na liberal Holanda da época.
Já no
século 20, o físico Albert Einstein foi leitor de “A Doutrina Secreta” e sua
visão da vida no cosmo se harmoniza perfeitamente com a filosofia esotérica.
Sigmund
Freud escreveu diversos ensaios sobre psicanálise aprofundando as linhas de
pensamento presentes nas Cartas 30, 88 e 90 de “Cartas dos Mahatmas Para A. P.
Sinnett”, e as Cartas 43 (primeira série) e 82 (segunda série), de “Cartas dos
Mestres de Sabedoria”. [Veja, a respeito, o capítulo 11 do livro “Três Caminhos
Para a Paz Interior”, Carlos Cardoso Aveline, Ed. Teosófica, 2002, 191 pp.]
Toda a
parte 7 da extraordinária obra “Helena Blavatsky”, de Sylvia Cranston, revela o
sutil mas gigantesco impacto positivo que o trabalho de HPB e dos Mestres,
realizado no final do século 19, teve, sobre a arte, a ciência, a cultura e o
rumo da história humana no século 20. [A obra de Cranston foi publicada no
Brasil pela Editora Teosófica, Brasília. “Sylvia Cranston” era pseudônimo de
uma teosofista associada da Loja Unida de Teosofistas, LUT.]
Tal
impacto luminoso faz parte de um empreendimento de milhares de anos,
pacientemente promovido pelo esforço de inúmeras almas nascidas nas mais
diferentes culturas. Esse processo vem provocando um gradual despertar
espiritual que prosseguirá vitoriosamente no século 21 - e ganhará ainda mais
impulso e amplitude à medida que o tempo passar.
Discípulos Leigos Não São Poucos
A
existência de discípulos leigos inconscientes – almas que são observadas
e ajudadas pelos Mahatmas sem que saibam sequer da existência deles – demonstra
que o verdadeiro discipulado pouco ou nada tem a ver com algum sistema de
crenças. O discipulado depende, isso sim, da pureza de coração do aprendiz.
Depende da sua inteligência espiritual, da nobreza das suas intenções mais
internas e do altruísmo do seu projeto de vida, não no plano externo, mas lá no
âmago do seu coração, que é o que entra no campo de observação dos
Mahatmas e dos seus discípulos mais avançados.
Por isso há pessoas que são
discípulos e não sabem disso, e ao mesmo tempo há outros indivíduos que sabem
da existência dos Mestres, desenvolvem uma “vaidade espiritual” e se consideram
discípulos, mas não o são. A vida é cheia de contrastes. Ter conhecimento sobre
o caminho oculto e o discipulado é algo que ajuda alguns e atrapalha outros.
Nessa questão, tudo depende do discernimento, do bom senso e da pureza de
intenções.
Um Processo Gradual
Estudando
a documentação disponível sobre o discipulado - e considerando que a evolução
do aprendiz se dá ao longo de várias vidas - é possível observar que o processo
de inspiração do aprendiz por parte de um Adepto se desdobra lentamente. Uma
regra nesse processo de muitas vidas é que os fatos, em sua substância, são
sempre maiores e mais sólidos do que a consciência cerebral que se obtém deles.
Um
Mestre observa a alma do aprendiz muito tempo antes de inspirá-la ativamente.
Inspira-a muito tempo antes de deixar sentir sua presença sutil. Deixa sentir
sua presença sutil muito tempo antes de deixar-se ouvir. Deixa-se ouvir antes
de deixar-se ver, e deixa-se ver um pouco antes de encontrar o aprendiz no
plano físico. Porém, antes de tudo isso, o aprendiz deve aprender a ouvir seu
próprio coração.
Após
1900, os discípulos leigos - isto é, os estudantes sérios da Sabedoria que
estão dedicados ao progresso da humanidade - têm possibilidades razoáveis de
obter acesso aos primeiros estágios dessa gradação, e isso deveria ser mais
do que suficiente para polarizar os seus esforços na busca da Verdade.
Um
desses estágios está indicado com clareza neste aforismo de “A Voz do
Silêncio”, de H. P. Blavatsky:
“Silencia
os teus pensamentos e fixa toda tua atenção em teu Mestre, que ainda não vês,
mas sentes.”
Reproduzo
alguns outros aforismos, além desse específico, para dar uma ideia do contexto
em que ele ocorre:
“Há uma única estrada para o
Caminho; só no seu final a Voz do Silêncio pode ser ouvida. A escada pela qual
o candidato sobe é formada por degraus de sofrimento e dor, e estes só podem
ser silenciados pela voz da virtude. Ai de ti, portanto, discípulo, se houver
um só vício que ainda não abandonaste; porque então a escada cederá e te
derrubará. O pé desta escada se apóia na lama profunda dos teus pecados e
falhas, e, antes que tu possas tentar atravessar este amplo abismo de matéria,
tens que lavar os teus pés nas Águas da Renúncia. Cuida para não pôr um pé
ainda sujo no primeiro degrau da escada. Ai daquele que ousa sujar um degrau
com pés enlameados. O barro mau e pegajoso seca, se torna resistente, e então
gruda os seus pés naquele ponto. E, assim como um pássaro preso pela isca do
caçador astuto, ele fica impossibilitado de obter mais progresso. Os seus
vícios tomam forma e o arrastam para baixo. Seus pecados erguem suas vozes como
a risada e o soluço do chacal depois que o sol se pôs. Os seus pensamentos se
tornam um exército e o levam para longe como um escravo e um prisioneiro.
Mata teus desejos, Lanu, torna
teus vícios impotentes, antes que seja dado o primeiro passo da viagem solene.
Estrangula os teus pecados e
torna-os mudos para sempre, antes de erguer um pé para subir pela escada.
Silencia os teus pensamentos e
fixa toda tua atenção em teu Mestre, que ainda não vês, mas sentes.
Funde os teus sentidos em um só sentido, se queres
estar seguro contra o inimigo. É por este sentido apenas – que está escondido
dentro do vazio do teu cérebro - que o caminho íngreme até o teu Mestre pode
ser revelado diante dos teus olhos turvos.” [“A Voz do Silêncio”, Helena P.
Blavatsky, edição dos nossos Websites Associados, Fragmento I. Na edição da Ed.
Pensamento, SP, aforismos 69-73, pp. 54-55.]
“A Voz
do Silêncio”, de HPB, e “Luz no Caminho”, de Mabel Collins, são duas obras
fundamentais para o estudo do discipulado. Os dois livros são, na verdade,
transcrições de fragmentos do “Livro dos Preceitos de Ouro”, “uma das obras que
são colocadas nas mãos dos estudantes místicos do Oriente”, segundo HPB
escreveu no prefácio de “A Voz do Silêncio”. Em seguida, ela explica que o
“Livro dos Preceitos de Ouro” é matéria de estudo dos alunos das Escolas
Esotéricas cujos centros estão situados, geograficamente, além dos Himalaias.
Naturalmente, essas escolas inspiram pessoas no mundo todo. O fato de que temos
ao nosso alcance essas duas obras com fragmentos do “Livro dos Preceitos de
Ouro” é uma oportunidade para o estudante atento.
Mente Aberta, Esforço Próprio
Nos três
volumes publicados com Cartas recebidas de Adeptos, temos indicações preciosas
sobre a teoria e a prática do discipulado em suas diversas variantes leigas e
regulares. Mas as informações estão “desarrumadas”, como se fossem cartas de um
baralho, colocadas fora de sequência. Isso faz com que a pesquisa do estudante
tenha mais valor. Vejamos um dos trechos mais ricos em informações. Lembrando
que os Adeptos frequentemente se referem uns aos outros como “Irmãos”, vejamos
o que um Mestre escreve sobre o discipulado:
“Na
Ciência Oculta os segredos não podem
ser transmitidos subitamente, mediante uma comunicação escrita, nem mesmo oral.
Se fosse assim, tudo o que os ‘Irmãos’ teriam que fazer seria publicar um
Manual de Instruções que poderia ser ensinado nas escolas, ao lado da
gramática. É um erro comum das pessoas acreditarem que nós nos envolvemos, e
envolvemos os nossos poderes, em mistério por vontade nossa; que desejamos
manter nosso conhecimento para nós mesmos, e que por nossa própria vontade nos
recusamos a transmiti-lo (...). A verdade é que, até que o neófito atinja a
condição necessária para aquele grau de Iluminação para o qual ele está
qualificado e apto, a maior parte dos segredos, se não todos eles, é incomunicável. A iluminação deve vir de dentro. Até lá, nenhum
truque de encantamento ou jogo de aparências, nem palestras ou discussões
metafísicas, e tampouco penitências autoimpostas, podem dar esta iluminação.
Todos estes são apenas meios para um fim, e a única coisa que podemos fazer é
dirigir o uso destes meios (...). E há milhares de anos que isto não é segredo.
Jejum, meditação, castidade em pensamento, palavra e ação; silêncio durante
certos períodos de tempo para permitir que a própria natureza fale a quem se
aproxime dela em busca de informação; domínio das paixões e impulsos animais;
completa ausência de egoísmo nas intenções, e o uso de certo incenso (...) têm
sido apontados como instrumentos desde a época de Platão e Jâmblico, e desde os
tempos ainda mais remotos de nossos Rishis
hindus. A maneira como tudo isso deve ser posto em prática de modo que seja
adequado para cada temperamento, é, naturalmente, tema de experimentação da
própria pessoa e da cuidadosa observação de seu tutor ou guru. Isso é de fato
uma parte do seu aprendizado, e seu guru ou iniciador só pode ajudá-lo com a
sua experiência e força de vontade, mas não pode fazer nada mais que isso, até a última e suprema iniciação.” [Veja
“Cartas dos Mahatmas Para A. P. Sinnett”, Carta 20, vol. I, pp. 134-135.]
O
Mahatma destaca o caráter experimental da caminhada. Não existe uma
receita mecânica de comportamento válida para todas as pessoas, momentos e
situações. Não há um caminho pré-fabricado. O caminho se faz ao andar. O
estudante deve avançar por mérito próprio, com mente aberta e com um espírito
de pesquisador, examinando o terreno em que avança. A ajuda que pode receber é
importante mas não é suficiente. E ele não deve esperar por ela. A autonomia do
aprendiz é o elemento mais importante da autotransformação. Os ingredientes
da autotransformação são colocados diante dele pelo ensinamento esotérico, mas
só ele mesmo pode determinar, a cada dia, como fará uso e como combinará todos
esses fatores.
Cada
nova porção de conhecimento – cada parágrafo de leitura inspiradora – traz para
nossa vida um teste, e levanta a questão: “Será que sou capaz de tirar
proveito real, ao menos em parte, do ensinamento que estou contemplando? Serei
capaz de neutralizar ou afastar da minha vida, da maneira mais adequada
possível, as influências cármicas que me impedem de estar crescentemente à
altura desse ensinamento?”
O Orgulho “Espiritual”
Desde o início, um dos problemas
a serem evitados pelo estudante é o surgimento do orgulho “espiritual”, ou a
impressão de que somos seres “muito especiais”, que merecem o reconhecimento
dos outros ou as homenagens do mundo externo. A humildade interior é uma
garantia do estudante, e ela acompanha a verdadeira autoestima. A vaidade, de
fato, é uma tentativa fracassada de substituir a autoestima legítima por um
produto artificial, a admiração dos outros.
Os Testes Consolidam o Progresso
A vida, com suas situações cotidianas, se
encarrega de testar não só a humildade, mas a coragem, o bom senso, a
perseverança, a pureza de intenções, o vigor intelectual, a tolerância e a
flexibilidade mental do aprendiz. Os testes da vida são essenciais porque
tornam a nossa caminhada mais verdadeira. É graças a eles que construímos,
gradualmente, uma coerência pessoal. A dinâmica desse processo probatório foi
descrita da seguinte maneira por um Mahatma, quando ele abordou, em uma carta,
as condições do discipulado nos tempos modernos:
“O aspirante é agora atacado
inteiramente no lado psicológico da sua natureza. O processo de testes - na
Europa e na Índia - é o da Raja Ioga, e o seu resultado é, como tem sido
explicado frequentemente, o desenvolvimento de todos os germes, bons e maus,
que há nele e em seu temperamento. A regra é inflexível, e ninguém escapa, quer
ele apenas escreva uma carta para nós ou formule, na privacidade do seu
coração, um forte desejo de comunicação e conhecimento ocultos. Assim como a
chuva não pode fazer frutificar a rocha, tampouco o ensinamento oculto surte
efeito sobre a mente que não é receptiva; e assim como a água aumenta o calor
da cal cáustica, também o ensinamento coloca em impetuosa ação todas as
insuspeitadas potencialidades latentes no aspirante.” [“Cartas dos Mahatmas
Para A. P. Sinnett”, Carta 136, vol. II, p. 316.]
No trecho acima, o Mestre afirma
mais uma vez que, quando o pensamento de um buscador da Verdade se eleva, ele
entra facilmente no campo de observação dos Adeptos. Em alguns casos, basta
“formular, na privacidade do seu coração, um forte desejo de comunicação e
conhecimento ocultos”. Fica subentendido, no entanto, que esse desejo não é
egocêntrico.
O aspirante é testado
inteiramente no lado psicológico da sua natureza, ao longo das linhas da Raja
Ioga. E o que significa Raja Ioga? Essa é a ioga do autoconhecimento, do
autocontrole, e do conhecimento do eu superior por parte do eu inferior. A
tarefa do aprendiz, então, é conhecer e controlar gradualmente todas as
dinâmicas do seu pensamento, das suas emoções e suas ações. Em outra carta, o
mesmo Mahatma esclarece o desafio e demonstra, de um jeito claro como água
pura, o processo pelo qual cada um de nós cria o seu próprio destino:
“...
Cada pensamento do homem, ao ser produzido, passa ao mundo interno e se torna
uma entidade ativa associando-se - amalgamando-se, poderíamos dizer - com um
elemental, isto é, com uma das forças semi-inteligentes dos reinos. Ele
sobrevive como inteligência ativa - uma criatura gerada pela mente - por um
período mais curto ou mais longo, proporcionalmente à intensidade da ação
cerebral que o gerou. Desse modo um bom pensamento é perpetuado como força
ativa e benéfica, um mau pensamento como demônio maléfico. Assim, o homem está
constantemente ocupando sua corrente no espaço com seu próprio mundo, um mundo
povoado com a prole de suas fantasias, desejos, impulsos e paixões; uma
corrente que reage sobre qualquer organização sensível ou nervosa que entre em
contato com ele na proporção da sua intensidade dinâmica. A isto os budistas
chamam de ‘Skandha’. Os hindus chamam de ‘Carma’. O adepto produz essas formas
conscientemente; os outros homens as atiram fora inconscientemente.” [“Cartas
dos Mahatmas Para A.P. Sinnett”, obra citada, volume II, Anexo I, p. 343.]
Um Adepto produz todos
seus pensamentos com plena consciência dos efeitos que eles causarão. Um
aprendiz, seja qual for seu estágio de desenvolvimento, pode produzir
gradualmente uma parcela cada vez maior e melhor dos seus pensamentos de modo
correto, considerando-se o seu estágio. Ele passa a produzir pensamentos que
apontam na direção correta, e assim evita, dentro das suas possibilidades, a
formação de pensamentos em direção incorreta.
Elementos Para Um Esquema de Trabalho
Quando decidimos assumir
conscientemente a autoria dos nossos pensamentos, damos um passo prático
importante para diminuir a distância entre nós e os Adeptos. Há muitos e
diferentes fatores úteis para alcançar esse objetivo. Recomenda-se combinar
diferentes práticas e exercícios, de uma maneira adequada para nosso
temperamento e para as condições reais da nossa vida no momento atual. Com o
tempo, podemos tratar de melhorar nosso desempenho, usando de paciência,
talento e criatividade. Eis alguns fatores importantes:
*O estudo de textos de filosofia
esotérica é um exercício que ensina a pensar corretamente e dominar o processo
de pensamento. Sua prática, individual e em grupo, eleva a consciência do
estudante.
*Estudar lenta e meditativamente
textos teosóficos clássicos, durante 20 a 40 minutos diários, tomando notas em
um caderno especialmente destinado a isso e relacionando as ideias examinadas
com a vida diária.
*O uso de certos mantras, em
português ou sânscrito, mentalmente ou com sons físicos, em diferentes momentos
durante o dia. O mantra une e alinha os padrões vibratórios desde o nível mais
elevado até o plano físico. A repetição meditativa de certas frases e
pensamentos inspiradores tem o mesmo efeito de autodisciplina e
autopurificação, e serve para renovar as energias acumuladas no
subconsciente.
*A prática de alimentação
correta, em quantidades moderadas. Abstenção de carne e bebidas
alcoólicas.
*Ginástica moderada, caminhadas,
natação, Tai chi chuan.
*A prática da sinceridade em
todos os momentos da vida. A veracidade não significa dizer a qualquer pessoa a
primeira coisa que vem à cabeça, mas consiste em ser fundamentalmente sincero
com os outros como decorrência do fato de que escolhemos ser sinceros com nós
mesmos.
*A decisão de ser um centro de
paz e de bom senso onde quer que se encontre. O estudante poderá ser obrigado a
desafiar e denunciar mecanismos de falsidade e mentira, mas não aceitará
envolver-se em conflitos permanentes ou em qualquer sistema estável de rancor
recíproco. Essa é uma condição indispensável: manter a cada dia limpo e
brilhante o centro de paz em seu coração.
*A produção de relações humanas
corretas, pautadas por sinceridade, equilíbrio e respeito.
*Uma vida afetiva sóbria,
construída sobre bases saudáveis. Essa prática beneficia também as pessoas com
quem o aprendiz se relaciona, em casa ou no trabalho. Porém, nem sempre é fácil
tornar mais verdadeiras as bases dos relacionamentos. A tarefa requer total
coragem e máxima paciência.
*Harmonização da vida
profissional com a vida espiritual, simplificando os nossos envolvimentos com o
mundo externo. Gastar menos dinheiro pode dar-nos mais liberdade interior.
*A prática do trabalho altruísta.
Não se trata apenas de fazer tarefas que promovam o bem comum. Significa
cumprir nossos deveres com impessoalidade e desapego em todas as áreas da vida.
*A prática da auto-observação,
pela qual identificamos e corrigimos nossos erros e defeitos, mas também
percebemos o desenvolvimento do potencial divino em nós.
Não é necessário pretender
alcançar nota máxima em cada uma dessas práticas. Esses, na verdade, são apenas
alguns exemplos. Cada estudante avançará com mais facilidade em alguns aspectos
e avançará menos em outros. O importante é que haja um progresso ao longo do
tempo; que esse progresso seja sustentável; e que o grau de contentamento do
estudante consigo mesmo e com a vida em geral aumente, à medida que percorre o
caminho.
Um dos erros cometidos por almas
inexperientes é ter um grande entusiasmo pelo caminho espiritual durante um ou
dois anos e depois decepcionar-se por falta de resultados espetaculares. Mais
sensato é avançar moderadamente até o final de uma vida que seja útil aos seus
semelhantes - e que, se possível, seja longa.
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Sobre o mistério do despertar
individual para a sabedoria do universo, leia a edição luso-brasileira de “Luz no Caminho”, de M. C.

Com tradução, prólogo e notas de
Carlos Cardoso Aveline, a obra tem sete capítulos, 85 páginas, e foi publicada
em 2014 por “The Aquarian Theosophist”.
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