Uma Obra Única na Literatura Esotérica
Carlos Cardoso Aveline
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Reproduzimos a seguir o texto do
prefácio da
edição brasileira da obra “Cartas
dos Mahatmas
Para A. P. Sinnett”, Editora Teosófica, Brasília, 2001.
Edição em ordem cronológica, dois
volumes - 760 páginas.
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Diversas religiões da humanidade preservam uma
tradição segundo a qual uma coletividade de grandes sábios inspira e conduz,
silenciosamente, a nossa humanidade no caminho que leva à paz e à sabedoria. O
taoísmo menciona estes sábios como Imortais, e o hinduísmo usa o termo Rishis.
Para o budismo, eles são Arhats. Outros os chamam de Mahatmas, raja-iogues, mestres
de sabedoria, Adeptos ou, simplesmente, Iniciados. Segundo a filosofia
esotérica, estes seres atingiram o Nirvana e libertaram-se inteiramente do
estágio atual do reino humano, mas permanecem ligados à humanidade por laços de
compaixão e solidariedade.
A coletividade destes sábios, que
tem ramificações em vários continentes, aprovou e promoveu, em 1875, a criação
da Sociedade Teosófica. Assim surgiu um núcleo da fraternidade universal sem
distinção de classe, nacionalidade, raça, casta, credo, sexo ou cor. Dois
destes Mahatmas participaram de modo mais específico e direto do esforço
teosófico. A presente edição reúne a correspondência entre estes instrutores e
Alfred Sinnett, um dos principais líderes teosóficos dos primeiros tempos.
Do ponto de
vista teosófico, as Cartas dos Mahatmas
Para A.P. Sinnett – publicadas agora
em língua portuguesa pela Editora Teosófica
– são textos de importância incomparável na literatura de todos os
tempos. Pela primeira vez, sábios que completaram a etapa atual da evolução
humana colocaram seus ensinamentos no papel, abrindo, durante alguns anos, uma
exceção à regra milenar pela qual grandes Adeptos e instrutores nada escrevem.
São, pois, documentos de um valor inestimável. Pouco a pouco, à medida que
passa o tempo, passam a ser conhecidos e discutidos mais abertamente entre os
estudantes da filosofia esotérica em todo o mundo.
Ao mesmo
tempo, o estudo das cartas apresenta dificuldades e desafios significativos. Por um lado, elas
foram escritas em situações históricas e humanas muito específicas, em grande
parte desconhecidas do cidadão do século 21. Por outro lado, ao escreverem, os
Mahatmas não tiveram em vista a publicação das suas cartas. Não se preocuparam
com a forma externa, nem com as normas de cortesia mundana, mas, ao contrário,
usaram de total franqueza. Além disso, a verdade é que o ensinamento vindo
diretamente deles contraria de modo radical muitas opiniões convencionais a que
estamos acostumados em diversos assuntos. Outro fator é que a dificuldade natural
dos temas abordados torna necessário que o estudante use a intuição e a
capacidade de conviver com o desconhecido. Do ponto de vista da redação das
Cartas, algumas frases, longas e que abordam temas complexos, não são fáceis de
entender. Para muitos estudantes, no entanto, os desafios tornam o estudo mais
estimulante.
Duas dificuldades para a
compreensão das Cartas dos Mahatmas devem ser analisadas com mais detalhe, do
ponto de vista do leitor de língua portuguesa. A primeira delas diz respeito às
críticas ao cristianismo.
As cartas dos Mahatmas devem ser
vistas como documentos históricos e em seu contexto. As críticas dos Mahatmas
se referem ao aspecto dogmático, imperial e autoritário do cristianismo. Não ao
seu aspecto místico e de sabedoria. Os teosofistas, com sua perspectiva
ecumênica e inter-religiosa e sua proposta de liberdade de pensamento, eram uma
ameaça para os dogmas de várias religiões. Assim, missionários cristãos
tentaram abafar e mais tarde atacaram frontalmente a Sociedade Teosófica. É
neste contexto que surgem as críticas mais francas e duras dos Mahatmas ao
cristianismo dogmático.
Para que se tenha uma ideia das
mudanças de mentalidade ocorridas desde o século 19, basta lembrar que os
movimentos socialistas, na época, eram radicalmente críticos ao cristianismo:
afirmavam que “a religião é o ópio do povo”. Mas, desde então, a religião
iniciou uma nova caminhada. A obra de autores cristãos de vanguarda como
Teillard de Chardin, Anthony de Mello, Leonardo Boff e Madre Teresa de Calcutá,
para citar apenas quatro nomes, tem aspectos essenciais em comum com a
Teosofia. Hoje existe a teologia da libertação. Até certo ponto, as críticas
dos Mahatmas ao Vaticano anteciparam em um século o livro “Igreja, Carisma e
Poder”, do conhecido teólogo brasileiro Leonardo Boff. A crise atual da igreja
dogmática é um fato reconhecido. A igreja progressista deseja mudanças, e a
aproximação entre movimentos sociais e igrejas cristãs é notável em muitas
partes do mundo. Em vários sentidos, portanto, houve transformações
significativas no cristianismo a partir da segunda metade do século 20.
Os Mahatmas são imparciais em
relação a todas as religiões. Não criticam só o cristianismo, mas todas elas,
no que possuem de supersticioso e ilusório. Isto fica claro, por exemplo, nas
Cartas 88 e 90. Especificamente, eles não poupam o hinduísmo, a principal
religião da Índia, conforme se verifica ao ler a Carta 30. Na verdade, os
Mahatmas são tão imparciais que, durante a crise da Loja teosófica de Londres,
em 1883, defenderam a minoria que havia adotado como prioridade o cristianismo
esotérico, em detrimento da maioria dos membros da Loja que, liderada por
Sinnett, seguia os ensinamentos esotéricos transmitidos por eles próprios. A
liberdade de pensamento e a autonomia do aprendiz são partes centrais e
indispensáveis do método de ensino dos Mahatmas. Nas Cartas, fica claro que
eles combatem o dogmatismo com igual vigor dentro e fora do movimento
teosófico.
Vale a pena mencionar, neste
contexto, as duras críticas feitas nas Cartas aos jesuítas. Até hoje, no
dicionário Aurélio da língua portuguesa, o significado da palavra “jesuíta” é
definido, entre outras acepções, como “sujeito dissimulado, astucioso, fingido,
hipócrita”. Uma das acepções do adjetivo “jesuítico” no mesmo dicionário é,
também, “dissimulado, astucioso”. Portanto, os Mahatmas não estavam sozinhos ao
descrever como desonestos os métodos da hierarquia católica do século 19. Isto,
porém, não nega a contribuição cultural positiva que muitos jesuítas deram, em
diversos casos, à cultura ocidental. E é claro que os jesuítas mudaram muito
desde então. Hoje, este e outros setores do cristianismo têm um pensamento
moderno, aberto, democrático e ecumênico diante das grandes questões éticas e
sociais do nosso tempo.
A segunda dificuldade a ser
analisada mais especialmente diz respeito às críticas dos Mahatmas ao movimento
espírita. Aqui, também, é importante ter uma perspectiva histórica dos fatos. A
intenção inicial dos fundadores do movimento teosófico foi trabalhar em
conjunto e em harmonia com o movimento espírita. Depois de algum tempo, ficou
claro que isso não seria possível na época. Durante algumas décadas, as
relações foram tensas, e é neste contexto que foram escritas as cartas a
seguir. Mas a partir da segunda metade do século 20, e especialmente no Brasil,
a aproximação entre os dois movimentos tem sido visível. Hoje é grande o número
de espíritas que são teosofistas, e de teosofistas que são simpáticos a muitos
aspectos do espiritismo. A principal crítica teosófica ao espiritismo se refere
à mediunidade, que os Mahatmas condenam. Eles explicam detalhadamente os
motivos nas Cartas. O espiritismo tem evoluído muito e, no futuro, a meta
inicial de franca simpatia e cooperação entre teosofistas e espíritas será cada
vez mais fácil, do mesmo modo como são fraternos os laços que ligam o movimento
teosófico a budistas, jainistas, hinduístas, judeus, muçulmanos, e a seguidores
de diversas filosofias e religiões, ou de nenhuma delas. Buscar a verdade onde
ela esteja, com bom senso e equilíbrio, é uma ideia central para o movimento
teosófico.
Deve-se levar em conta que as
cartas eram documentos absolutamente confidenciais, e que os Mahatmas deixaram
claro que jamais aprovariam a sua publicação na íntegra. A publicação acabou
ocorrendo longo tempo depois do término da correspondência e do afastamento
deles em relação às atividades visíveis da Sociedade Teosófica. No início da
década de 1920, o editor A. Trevor Barker julgou que, para evitar
mal-entendidos, era necessário dar a conhecer a todos, com total transparência,
os pontos de vista expressados diretamente pelos Mahatmas em relação à vida, às
religiões, ao cristianismo, à filosofia esotérica e ao aprendizado espiritual.
O movimento teosófico não tem
dogmas. Seu lema é “não há religião superior à verdade”. Assim, as Cartas dos
Mahatmas não são objetos de fé cega para ninguém. Porém, a importância do seu
conteúdo parece inegável no mundo todo para muitos estudantes da sabedoria
divina, afiliados ou não a instituições filosóficas e religiosas. Por isso,
desde a sua publicação em Londres em dezembro de 1923, as edições das Cartas
dos Mahatmas se multiplicam em diferentes países e idiomas, assim como sempre
surgem novos livros com estudos e pesquisas sobre elas. O conteúdo essencial
das cartas dos Mahatmas não só permanece atual e válido para o dia de hoje, mas
é um instrumento insubstituível para compreender o futuro.
É conveniente ter em conta, ao
ler as cartas, que nelas os Mahatmas renunciam à consciência nirvânica para
discutir detalhes, comentando situações de intenso conflito humano e
espiritual, e não demonstram qualquer preocupação com a manutenção de uma
imagem de sábios. O que escrevem é sempre verdadeiro, mas só mostra uma parte
da verdade multidimensional e da visão completa que eles possuem da realidade,
e que seria completamente impossível colocar em palavras. Sua franqueza pode
parecer dura, assim como parecem demasiado severos os métodos dos mestres do
zen-budismo, por exemplo. Eles tampouco se ajustam aos nossos padrões
ocidentais de cortesia, frequentemente acompanhados de falsidade e hipocrisia.
O caráter confidencial das cartas protegia o seu estilo, que poderia parecer
duro para pessoas estranhas.
Por outro lado, o leitor deve
levar em conta que o caráter externamente fragmentário do ensinamento faz parte
do esquema pedagógico dos Mahatmas. Espera-se que o aprendiz realize com
perseverança e autonomia a tarefa de ir reunindo aqui e ali elementos
aparentemente esparsos do grande esquema evolutivo da vida, segundo a filosofia
esotérica clássica. A intuição despertará no decorrer deste processo. Como
escreveu Alfred Sinnett em O Mundo Oculto
(Editora Teosófica, Brasília, 2000, p. 227), “estas revelações dispersas
(...) foram quebradas e espalhadas de propósito, de modo que só fosse possível
chegar a uma convicção completa sobre o Adeptado depois de uma certa quantidade
de trabalho empregado na tarefa de reunir as provas dispersas”.
Há duas maneiras principais de ler as Cartas. A primeira
delas é abordar o texto em seu contexto histórico e tentar compreender as
circunstâncias específicas em que ele foi escrito. A segunda maneira é ler o
texto como se fosse diretamente dirigido a cada um de nós. Neste caso,
aplicamos às nossas vidas tudo o que, de algum modo, faz sentido para nós, e
deixamos de lado o que ignoramos dos temas abordados, marcando e separando as
frases profundas e as verdades universais que aparecem a cada instante no
texto, misturadas a discussões de fatos de curto prazo do movimento teosófico
da década de 1880. Uma das perguntas que podemos fazer-nos ao ler o livro é
como agiríamos, concretamente, nas situações descritas. Outra pergunta é: qual
o significado deste ensinamento para nossa vida real, no momento presente? O
significado pode ser imenso, renovador, revolucionário.
Brasília, 22 de abril de 2001.
Carlos Cardoso Aveline
Coordenador da Edição em Língua Portuguesa
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Em setembro de 2016, depois de cuidadosa análise da situação
do movimento esotérico internacional, um grupo de estudantes decidiu formar a Loja
Independente de Teosofistas, que tem como uma das suas prioridades a construção de um futuro melhor nas
diversas dimensões da vida.
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