Examinando a Força dos
Ciclos na História do Brasil
Michel Temer
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Nota Editorial de
2016:
Michel Temer começa o artigo a seguir mencionando
o dilema de rupturas institucionais de que o Brasil
tem
sofrido desde o golpe militar de 1889 contra Dom Pedro
II.
Em seguida, ele prevê, escrevendo em 2004, que o
Brasil
teria de enfrentar e vencer em breve uma nova ameaça
totalitária.
O artigo foi escrito com base em um conhecimento da
lei dos ciclos, tema central em teosofia ou filosofia
esotérica.
O alerta de Temer é valido também para as décadas
futuras.
(Carlos Cardoso Aveline)
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A história
constitucional brasileira revela que o Brasil passa por ciclos temporários de
democracia e autoritarismo. Foi assim desde a Proclamação da República. A
primeira Constituição republicana foi a de 1891, que, para a época, continha
preceitos preservadores de direitos individuais e garantias democráticas.
Perduraram até 1930, quando começaram desajustes institucionais que levaram à
centralização autoritária com a Constituição de 1937.
Esse
período concentrador persistiu até 1945 quando caiu o regime ditatorial e
reinaugurou-se a democracia por meio da Constituição de 18 de setembro de 1946.
O período seguinte, que mediou entre 1946 e 1964, embora tumultuado,
alicerçava-se em Constituição com dizeres democráticos.
Chega-se
a abril de 1964, com golpe de Estado, que implanta sistema autoritário jogando
no chão as liberdades individuais, com desprezo absoluto pela separação de
poderes do Estado. Fortalece-se o Poder Executivo e, no particular, a figura do
Presidente da República. Tal situação perdurou até 1982 quando começaram a
elegerem-se governadores de oposição, pela via direta, o que fez crescer o
movimento constituinte de que resultou a Constituição de 5 de outubro de 1988,
detalhista e pormenorizada no tocante aos princípios democráticos nela contidos.
Este
breve relato histórico visa a confirmar a assertiva contida na primeira
sentença deste artigo. É curioso notar: quando se buscava a democracia ou o
autoritarismo, tudo se dava com o apoio popular, quando não com o próprio
pleito direto do povo. Agora, estamos aproximadamente a vinte anos de exercício
democrático [1] e convém que
tenhamos presente o histórico constitucional brasileiro, tal como descrito.
Tudo
como prevenção. Tudo para impedir que, sociologicamente, a tendência popular
caminhe para uma direção que possibilite o autoritarismo. Faço esta afirmação
na convicção de que nem sempre a autoridade constituída deseja fazê-lo, mas a
onda popular, os conflitos políticos, as desavenças institucionais, a
insegurança pública e a insegurança social, a ausência de condições dignas de
subsistência, as críticas abertas, as observações oposicionistas mais
agressivas, o reduzido apego às garantias democráticas obtidas ao longo do
tempo podem induzir as autoridades constituídas a se acharem no direito de
agredir esses valores e, com isto, reinstalarem regime centralizador que beire
à ditadura.
Longe
de mim o catastrofismo, mas vale o alerta. Atitudes do tipo: controle da
imprensa, controle da produção do cinema e teatro, sobre serem
inconstitucionais por ferirem o princípio da livre expressão começam a revelar
essa inquietação sociológica que marca a história política brasileira. A
tentativa de romper o sigilo profissional do advogado e do psicólogo é uma agressão
inominável às liberdades individuais. Nem falo da quebra do sigilo telefônico
que se tornou rotina aplaudida mesmo por aqueles que se dizem arautos da liberdade.
Lamentavelmente, com a conivência de alguns juízes que autorizam o
“grampeamento” de um número telefônico (até aí a permissão é constitucional)
facultando, sequencialmente, que a polícia continue a “grampear” todos os
números daqueles que eventualmente dialoguem com o “grampeado” original,
independentemente de nova manifestação judicial (o que é nitidamente
inconstitucional). Ocorre que a autorização judicial é prevista na Constituição
exatamente para impedir que inocentes vejam devassada sua vida privada.
Até
mesmo o vazamento de inúmeras informações relativas à apuração da CPI do
Banestado pode levar à ideia de vulneração de direitos individuais de pessoas
que possam estar com sua vida patrimonial perfeitamente regularizada. O desejo
de cercear a atividade do Ministério Público que, nos termos constitucionais, é
defensor da sociedade e das liberdades democráticas, é outro sintoma de caminho
para um regime fechado e centralizador.
Não
quero, neste tópico do Ministério Público, dizer que ele tenha o poder de
presidir inquéritos investigatórios, a meu ver, competência da polícia civil.
Mas pode ele, no exercício da sua competência constitucional diligenciar, por
força do controle externo que exerce sobre a polícia civil, para determinar
todas as providências investigatórias com vistas à apuração do delito. Diria
que o Ministério Público não é o condutor de inquérito policial, mas é o seu
principal agente provocador e impulsionador. As discussões em torno de suas
competências visam, deliberadamente ou não, a inibi-lo. Mais uma vez,
demonstração de centralismo.
Estou,
como percebem, dizendo obviedades. Mas é importante relembrá-las. Reafirmá-las
e repisá-las. Foram movimentos populares, muitos com derramamento de sangue,
que fizeram o Estado, o Poder Público, respeitar direitos mínimos do indivíduo.
Três revoluções gloriosas demonstraram-nos. A Inglesa, com vários atos obtidos
em favor dos súditos; a Independência norte-americana em 1776, com a Declaração
da Virgínia, enaltecedora de direitos, e a Francesa de 1789, de que nasceu a
Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão. Nesses Estados, e em tantos outros do mundo, jamais se imaginou vulnerar ou eliminar
tais conquistas libertárias. Em outros, não. A vocação concentradora persistiu
ao longo do tempo.
Por
isso, e sempre como alerta, mais uma obviedade, relembrando “No caminho com
Maiakovski”:
“Na
primeira noite eles
se
aproximam
e
colhem uma flor
de
nosso jardim.
E
não dizemos nada.
Na
segunda noite,
já
não se escondem:
pisam
nas flores,
matam
nosso cão.
E
não dizemos nada.
O
mais frágil deles
entra
sozinho em nossa casa,
rouba-nos
e,
conhecendo
nosso medo,
arranca-nos
a voz da garganta.
E
porque não dissemos nada,
já
não podemos dizer nada.”
NOTA:
[1] Estas palavras foram escritas em 2004.
(CCA)
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O artigo “Democracia e Autoritarismo” é
reproduzido do volume “Democracia e
Cidadania”, de Michel Temer, Malheiros Editores, SP, 288 pp., 2006, ver pp.
65-67. O texto foi publicado pela primeira vez em setembro de 2004.
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