Parábola de 1947 Denuncia a Luta Entre
Verdade e Falsidade nas Comunidades Humanas
Um Teosofista

Estátua de Palas
Atena: a deusa grega da justiça e da sabedoria era imbatível na guerra.
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Nota Editorial
de 2017:
O vigoroso texto a seguir, publicado sem indicação
sobre o nome do seu autor, é reproduzido da edição
de
novembro-dezembro de 1947 de “O Teosofista”. Na
época a revista era editada em São Paulo pelo
presidente
da seção brasileira da Sociedade de Adyar, Armando
Salles. Título original: “O Reinado da Mentira”.
Para entender a importância do artigo desde o
ponto de vista da teosofia original ensinada
por
Helena Blavatsky e os Mestres de Sabedoria, cabe
levar
em conta o trecho de uma Carta em que um Mestre
afirma:
“Coragem, pois, todos vocês, que querem ser
guerreiros
da Verdade una e divina; prossigam com valentia e
confiança; alimentem sua força moral, não a
desperdicem com
futilidades, mas usem-na em grandes ocasiões como a
atual.” [1]
Na narrativa a seguir, os guerreiros da sinceridade despertam,
eliminam o reinado da mentira e restituem o respeito
à natureza.
(Carlos Cardoso Aveline)
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Existia uma vez,
em certo país, uma feliz nação, governada por uma bela e virtuosa rainha, cujo
nome era Verdade.
Muito
contentes com o reinado de sua soberana, os habitantes daquela nação viviam em
paz e prosperidade. Apesar de se dedicarem a muitas ciências e artes, e apesar
de possuírem avultada riqueza nacional, tinham costumes singelos. Não lhes eram
conhecidos nem orgulho, nem adulação, nem hipocrisia; constituíam um povo
morigerado, honesto e alegre. Suas almas eram serenas e transparentes, podendo
quase ler uns os pensamentos dos outros, o que era fácil, pois as suas
fisionomias eram espelhos fiéis de seus pensamentos e de seus corações.
Um
dia apareceram naquele país uns estrangeiros, vindos do reino da Mentira, dizendo que vinham com o fim de
atar relações comerciais entre os dois povos vizinhos, para o bem recíproco de
ambas as nacionalidades. Tendo sido bem recebidos, fixaram a sua residência no
país hospitaleiro, cujos habitantes, ignorando que os hóspedes eram espias e
emissários da MENTIRA, os tratavam da melhor maneira possível. Daqueles dias,
porém, datou-se a decadência do seu reino.
Os
estrangeiros, sentindo-se seguros, logo se puseram a desenvolver a sua fatal
atividade.
Os
que eram alfaiates e sapateiros, apresentaram ao povo admirado roupas e calçados
esquisitos, muito diferentes das simples vestimentas ali usadas, porém
fabricados todos para pouca duração; eis o primeiro passo para o luxo, que mais
tarde se tornou uma praga para a nação!
As
modistas declararam que num país civilizado era necessário corrigir a natureza,
dando ao corpo feminino formas mais aperfeiçoadas. As mulheres, sempre ávidas
de novidades, desejando realçar a sua beleza, aceitaram sem hesitação os
serviços oferecidos pelas modistas, e estas dedicaram-se com fervor e
entusiasmo à sua missão, “reformando”, como diziam, mas em realidade
“deformando” as linhas e os traços que a Natureza dera ao corpo. E a “moda” não
se ausentou mais daquele país, contribuindo para a degeneração física e moral,
e tornando-se uma das causas da miséria, que mais tarde estendeu suas negras
asas por toda a parte.
Com
a moda foram introduzidos lautos banquetes, nos quais se cometiam pecados
contra o estômago, e bailes noturnos, que se tornaram portadores de muitos
micróbios mortíferos.
Em
breve se notou um sensível aumento de doenças; foi, pois, necessário que se
instituísse uma numerosa classe médica.
Os
mais clarividentes percebiam que a morbidez era consequência lógica da vida
antinatural; mas o povo já tinha perdido o dom de compreender a linguagem da
Natureza, e entregou-se à superstição de acreditar em força onipotente de
certas drogas, esperando obter saúde por meio de venenos, e procurando sanar o
organismo humano com injeções de forças tiradas aos irracionais. Os “doutos”
vivissectores martirizavam os pobres animais, para lhes extrair os pretendidos
remédios, e assim tornou-se a humanidade inimiga dos seres inferiores.
Desde
o princípio, protestava a Verdade contra todos esses enganos; mas a sua voz não
era mais respeitada.
Até
a chegada dos missionários da Mentira não tinha havido Parlamento no reino da
Verdade, cujo governo era patriarcal. Entre os estrangeiros “civilizadores”
houve, porém, indivíduos que se diziam políticos, mas sob a máscara de política
nutriam paixões egoístas; como eram bons oradores, persuadiram facilmente a
nação de que era necessário haver “representantes” no governo. O povo escolheu
pois seus representantes; entretanto, enganou-se redondamente, porque os ditos
senhores, que deviam cuidar dos interesses do povo e informar-se de suas
necessidades, constituíram uma classe privilegiada, que passava a vida em
inatividade e banquetes, cuidando somente de si próprios. As exceções eram tão
raras, que a história não as registrou.
As
leis da Verdade eram muito simples, resumindo-se todas num só mandamento:
“Tratai
aos outros assim como quereis ser tratados vós mesmos”.
Os
políticos decidiram que era mister elaborar leis mais claras, e chegaram a tal
ponto de clareza, que encheram mil volumes com as regras e exceções, esquecendo
mesmo assim ainda certos assuntos e deixando outros em dúvida.
Um
volume tratava das liberdades, 499 volumes citavam as penas, as multas e as
proibições; e 500 volumes foram dedicados à enumeração de variadíssimos
impostos.
Como
era impossível aos cidadãos mais simples conservarem em memória todos os
artigos, parágrafos e decisões governamentais, foram instituídas duas novas
classes de “representantes” chamados juízes e advogados, os quais tinham que
sacrificar a vida ao estudo dos códigos complicados e cheios de parágrafos
tortos.
É
digno de menção o fato de que, apesar de se aumentar o número dos braços
justiceiros, não diminuía, e sim, aumentava o número de crimes e criminosos,
assim como com a multiplicação dos médicos e farmacêuticos iam se multiplicando
as doenças.
Antigamente
sabia-se que a vida é o dia, e a morte a noite da existência, ambas
indispensáveis para a harmonia universal; agora, porém, todo o povo tinha medo
da morte, pensando que, além da tumba, se estendia um horrível Nada, e não sabia gozar a vida
verdadeira, encurtando-a por numerosos excessos, vícios e abusos.
Nos
tempos anteriores não se conhecia dinheiro falso, nem títulos imerecidos, nem
matrimônio sem amor; tudo isso, porém, foi introduzido, pouco a pouco, pelos
agentes da Mentira. E quando as inovações chegaram ao seu apogeu, os mesmos
agentes, nesse tempo já poderosíssimos, acusaram a Verdade de tendências
absolutistas e antipopulares, e condenaram-na como inimiga da nação à prisão
perpétua, encerrando-a num cárcere subterrâneo: o país foi, em seguida anexado
ao reino da Mentira.
A
nação em sua maioria nada fez para a liberdade de sua legítima rainha. Esta,
entretanto, não ficou esquecida por todos, cumprindo-se o que dizia uma antiga
profecia:
“A
Verdade pode ser desentronizada temporariamente, mas há de sair vitoriosa e
imortal, ainda que pareça ser vencida e morta.”
Houve
corações bem formados, que não puderam suportar a malvadez ignominiosa da
Mentira triunfante. Começaram a explicar ao povo os motivos da miséria, das
doenças, da dependência e das incertezas em que se achava; organizaram grupos
regeneradores em todas as classes sociais, provando-lhes com dados e fatos a
veracidade de suas afirmações.
E
o povo compreendeu e ficou com saudades dos tempos da antiga felicidade.
Cresceram
as falanges dos guerreiros da Verdade; escondidos e ignorados a princípio,
tornaram-se em seguida numerosos, fortes e conhecidos publicamente; e chegou um
dia, em que se apresentaram disciplinados em frente à Mentira, declarando-lhe
com energia que se concluíam os dias do seu reinado. Debalde chamou a Mentira
seus servos para a defenderem; suas forças atemorizadas renderam-se. O trono
foi restituído, com grandes solenidades, à Verdade, e a Mentira teve que se
retirar com desonra.
Desde
aquela época o reino da Verdade goza antigo brilho e felicidade, que deve à
estrita observância dos seguintes artigos de fé ali professados:
1.º
- Não é a roupa, nem o dinheiro, nem o título, mas é a ALMA, que faz o homem.
2.º
- A Natureza é o maior artista, o maior sábio e o melhor médico.
3.º
- Do mal causado a outros seres, nunca resulta um bem à humanidade.
4.º
- Bons pensamentos, bons exemplos e absoluta veracidade são mais úteis que
ataques, lutas e prisões.
5.º
- A ignorância, o luxo e a mentira são os maiores inimigos do povo.
NOTA:
[1] “Cartas dos Mahatmas”, Ed.
Teosófica, Brasília, volume II, Carta 130, p. 287. (CCA)
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Imagem clássica de Maat, a antiga deusa egípcia da Verdade, da Justiça e da Moralidade
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Em
setembro de 2016, depois de cuidadosa análise da situação do movimento
esotérico internacional, um grupo de estudantes decidiu formar a Loja
Independente de Teosofistas, que tem como uma das suas prioridades a construção de um futuro melhor nas
diversas dimensões da vida.
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