Quando a Fraternidade Vence a Ignorância
Carlos Cardoso Aveline
Na sociedade moderna, a presença da sabedoria universal é como um oásis no
deserto
Tudo é cíclico: durante séculos, filósofos árabes e judeus
foram amigos, dialogaram e cooperaram. Não é por acaso, portanto, que grande
parte dos países árabes mostra hoje novamente um respeito crescente pelos
judeus.
Após a fundação de Israel, em 1948, os judeus foram com
poucas exceções expulsos dos países árabes. Por outro lado, o estado judaico é
uma democracia parlamentarista. Os cidadãos árabes israelenses, que somam boa
parte da população, não só podem permanecer no país, mas votam, são votados, e
estão representados no parlamento, o Knesset.
Como ocorre em outras áreas da vida, o que é saudável
chama pouca atenção dos desorientados. Os numerosos aspectos em que árabes e
judeus convivem em paz não despertam o interesse da mídia moralmente cega.
Para o jornalismo mercantilista, que ignora os
princípios éticos, a prioridade é publicitar os atos de violência e terror. O
pseudojornalista deixa de lado as ações construtivas, porque prefere correr
atrás do dinheiro fácil.
Apesar da desinformação da opinião pública, o
antissemitismo vem perdendo força.
Uma das causas históricas deste processo é a forte tradição
de sabedoria do mundo árabe, que constitui um aspecto do saber universal comum
a todos os povos, e que deve ser estimulada à medida que se constrói a paz.[1]
O platonismo, neoplatonismo, as obras de Aristóteles, o
pitagorismo e o judaísmo tiveram forte influência sobre o mundo árabe desde
antes do islamismo. É correto resgatar
o melhor do passado, quando tratamos de construir um futuro saudável. A cultura
árabe tem elementos humanistas profundos, capazes de derrotar com tranquilidade
a intolerância religiosa e a injustiça social.
A seguir, apresentamos duas pequenas seleções de ditados
e axiomas do pensamento tradicional árabe.[2]
1. Da Obra “A
Sabedoria dos Árabes”
[Seleção de Ary de
Mesquita, Ediouro / Tecnoprint, RJ, 1986, 114 pp. As páginas de onde foram
retirados os axiomas aparecem ao final de cada citação.]
* Nada no mundo pode elevar mais que a Verdade. (p. 22) [3]
* É tão difícil escurecer o Sol como ocultar a Verdade para
sempre. (p. 105)
* Fazei o bem rapidamente enquanto o puderdes, pois não é
sempre que tereis poder para fazê-lo. (p. 22)
* Os velhos, em geral, gostam de dar conselhos, e os
jovens quase sempre preferem errar sem eles. (p. 23)
* Se um sábio não censura um insensato, causa duas
inconveniências: diminui o seu próprio crédito e fortalece a visão errônea do
desajuizado. (p. 84)
* Quem se associa a um insensato em suas ações torna-se
igual a ele na insensatez. (p. 88)
* Não deves ser áspero com ninguém, a fim de que o
destino não seja áspero para contigo; a sorte um dia te protege e noutro te é
adversa. O mundo terreno é somente um empréstimo, que se tem de pagar. (p. 91) [4]
* Confia teu camelo à onipotência divina, mas antes
prende-o firmemente a uma árvore. (p. 85)
* Nem todo aquele que exibe uma pele de tigre é um herói.
(p. 52)
* Quem pretende ensinar o bem deve primeiro praticá-lo. (p. 69)
* As boas ações afugentam as más. Isso é uma exortação
aos que pensam. (p. 88)
* O homem só é premiado pelo que fez com boa intenção. (p. 92)
* Entre os amigos, acolho com tolerância aquele que
apresentar um defeito. Não perdoo, porém, ao mentiroso. Aos meus olhos, a
mentira é um defeito que anula todas as suas qualidades, atenua-lhe todas as
virtudes, e destrói tudo o que houver de valioso no seu ser. (p. 52)
* Uma tarefa pode ser difícil, mas, se a começares, já a
terás feito pela metade. (p. 53)
2. De “As Mais
Belas Páginas da Literatura Árabe”
[Coletânea de
Mansour Challita, 378 pp., Ed. Associação Cultural Gibran, ACIGI, RJ. As
páginas de onde foram retirados os axiomas aparecem ao final de cada citação.]
* A nobreza nunca faz em segredo o que a envergonharia em
público. (p. 72) [5]
* Melhor silenciar até que te peçam a palavra do que
falar até que te silenciem. (p. 72)
* O silêncio é, às vezes, mais eloquente que os
discursos. (p. 73)
* Quando fizeres o bem, oculta-o. Quando te fizerem o
bem, proclama-o. (p. 72)
* O tolo procura a riqueza; o sábio procura a perfeição. (p. 74)
* Nossas obras ensinam melhor do que nossas palavras. (p. 112)
* Antes censurar abertamente do que odiar em silêncio. (p. 113)
* O homem fala, o sábio cala, o tolo discute. (p. 71)
* Um sábio dizia: “Que ninguém saia de casa sem levar
dois grãos de tolice no bolso. Porque não se pode vencer o tolo senão com a
tolice.” (p. 222)
* As moscas aborrecem o maior dos elefantes. (p. 222)
* As tempestades derrubam as árvores fortes e altas por
mais enraizadas que estejam na terra; mas a elas resistem as modestas plantas
flexíveis e as hastezinhas do campo. (p. 223) [6]
* Às vezes, os deuses castigam os homens atendendo aos seus
desejos. (p. 223)
* A vingança, muitas vezes, é como morder o cachorro
porque ele nos mordeu. (p. 267)
* O homem forte não é aquele capaz de atemorizar os seus
adversários. O homem forte é aquele que se domina quando está encolerizado. (p. 269)
* Os médicos árabes dos primeiros séculos diziam: “o
corpo é como a árvore: não pode viver sem ar, sem sol e sem água”. (p. 270)
* O latido dos cães não incomoda as nuvens. (p. 114)
* O “arif” [sábio]
procura a Verdade, e a quer por ela mesma, e não por qualquer outro motivo.[7] Não há nada que ele prefira a este
conhecimento profundo: e ele não presta culto senão a ela, e não por ardente
desejo ou por temor - embora estes existam - mas, sobretudo, porque ela merece
e porque, entre a adoração e a verdade, há uma relação cheia de nobreza. (p. 106)
* O “arif” [sábio]
é corajoso. E como não o seria quando é generoso e magnânimo, alheio ao medo da
morte e liberado do amor do falso? Como não o seria quando ele mesmo é grande
demais para ser impelido ao mal pelo erro dos homens, ou para guardar rancores?
[8] Como não o seria quando seu
pensamento está ocupado com a Verdade? (p. 106)
NOTAS:
[1] Veja em nossos websites o artigo “Israel: Besides Defeating Terror”.
[2] Uma versão inicial destas seleções foi publicada na edição de setembro de
2013 de “O Teosofista”, pp. 14 e 15.
[3] O lema do movimento teosófico moderno é “Não há Religião Mais Elevada que
a Verdade”.
[4] Neste ponto a filosofia esotérica tem algo a acrescentar: “Lembra que a
tua sinceridade será vista como áspera pelo ingênuo e pelo hipócrita, e que teu
dever é ser sincero mesmo assim. A tua intenção deve ser pura, e as palavras,
sinceras, ainda que no plano das aparências sejas catalogado como ‘arrogante’ pelos
que obedecem ao medo da verdade. A vida humana é valiosa e, desde o ponto de vista da alma, a hipocrisia constitui no mínimo uma grande perda de tempo.”
[5] A palavra “nobreza” significa aqui “aquele que é moralmente nobre”. A
ideia deste axioma pertence aos “Versos de Ouro de Pitágoras”, que estão
disponíveis em nossos websites associados. Veja, ali,
os itens 12, 13, 28, 29, 30, 38, 39 e 40, entre outros.
[6] Este ensinamento é também taoista. As árvores altas e fortes
significam o poder material no mundo visível. As plantas pequenas e flexíveis
simbolizam a simplicidade voluntária dos sábios, que com frequência nada
possuem. É preciso ser pequeno, no mundo das aparências materiais, para viver a
grandeza interior da alma.
[7] A ideia da Verdade inspira o lema do movimento teosófico; veja a nota número
3, acima.
[8] O rancor constante é a fonte da violência mental ou física, assim como do
antissemitismo. Ao abandonar o cultivo da raiva, o sábio árabe passa a ser
amigo de todos e abre as portas da paz, no Oriente Médio e no mundo.
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Leia também os artigos “A Teosofia e o Oriente Médio”, “Deus e Guerra no Oriente Médio”,
“O Islamismo é Maior Que a Violência”
e “Construindo a Paz no Oriente Médio”.
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Em 14 de setembro de 2016, depois
de uma análise da situação do movimento esotérico internacional, um grupo de
estudantes decidiu criar a Loja
Independente de Teosofistas. Duas das prioridades da LIT são tirar lições práticas do passado e construir um
futuro saudável.
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