Uma Bênção Superior Surge de
Observar e Curar as Falhas Humanas
Carlos Cardoso Aveline
Quando uma associação teosófica adota uma pedagogia clara
e eficaz, não oferece a ninguém um modo de fugir dos desafios. A associação ensina
as pessoas, isso sim, a aprender com o sofrimento e a eliminar as causas do
mal-estar.
Ao invés de oferecer um refúgio sectário contra o que
parece “insuportável”, o estudo teosófico autêntico fortalece a capacidade individual
de ver e viver o mundo tal como ele é. A filosofia esotérica ajuda a conviver
com as pessoas assim como são, mas garante o direito de cada um de procurar
sossego e ter uma vida calma, naquilo que depende de si.
Os desinformados apegam-se ao prazer e rejeitam o que
qualificam de “inaceitável”. Aquilo que se considera “absurdo”, naturalmente, varia
bastante de pessoa para pessoa, e muitos são os que se consideram “mutuamente
inaceitáveis”.
A teosofia liberta as pessoas da ingenuidade que é reagir
num plano meramente emocional diante do que lhes agrada ou desagrada.
Uma associação teosófica é um laboratório alquímico. Nela
o pior e o melhor de cada ser humano, o mais elevado e o menos elevado, estão
inevitavelmente presentes. A tarefa é transmutar a sombra em luz e a ignorância
em conhecimento.
Em cada aspecto da vida vale a lei da simetria. [1] O sentimento de “absurdo” é algo natural,
mas estreito, e pode ser transcendido pelo nascimento da compreensão. O Taoísmo
alerta para o fato de que, quanto mais é cultuado no plano consciente o lado
luminoso da vida, mais se agita desde o subconsciente o lado menos luminoso das
almas.
O paradoxo faz parte da caminhada, mas não deve
desorientar o peregrino nem ameaçar sua honestidade: o coração sincero é o bem
mais precioso do buscador da sabedoria. O caminho da visão impessoal abre-se à
frente do peregrino e lhe dá segurança. O vazio e a amplitude protegem o
estudante da Loja Independente de Teosofistas.
A luta entre aspectos diferentes da alma humana cria as
sensações de surpresa e de absurdo no plano do eu inferior. É a visão impessoal
da vida que permite colocar avanços e fracassos no contexto maior em que as
ninharias são transcendidas.
Um dos lemas da Loja Independente é “melhorando sempre”.
A ideia implica reconhecer que as imperfeições fazem parte da natureza e o
universo está em construção. Nesse e em outros pontos, a sabedoria milenar do
taoísmo - elogiada por H.P. Blavatsky - é uma arma de defesa do estudante da
LIT.
Mais Fatos, Menos
Palavras
O “Tao Teh Ching” mostra o perigo do divórcio entre a
realidade e o pensamento, a substância e a aparência. O capítulo dezoito da
obra afirma:
Com a decadência do
grande Tao,
Surgiram as
doutrinas do “amor” e da “justiça”. [2]
Quando o
conhecimento e a esperteza apareceram,
Uma grande
hipocrisia espalhou-se como consequência.
No momento em que as
seis relações deixaram de viver em paz, [3]
Começaram os (elogios
aos) “pais bondosos” e “filhos atenciosos”.
Quando o país caiu
no caos e no desgoverno,
Surgiram os (elogios
aos) “ministros leais”. [4]
O capítulo dezenove aprofunda essa abordagem e aponta a alternativa. O Tao Teh Ching convida a abandonar o que
é artificial, e a deixar de lado a forma para que o conteúdo floresça:
Elimine
a sabedoria, abandone o conhecimento, [5]
E
o povo será cem vezes mais beneficiado;
Elimine
o “amor”, abandone a “justiça”,
E
as pessoas recuperarão o amor pelos seus semelhantes;
Deixe
de lado a astúcia, esqueça a “utilidade”,
E
os ladrões e assaltantes desaparecerão. [6]
Já
que estes três pares de elementos são externos e inadequados,
As
pessoas precisam de algo em que possam confiar:
Revele
o seu Eu Simples, [7]
Adote
a sua Natureza Original,
Vigie
o seu egoísmo,
Reduza
os seus desejos [8].
Helena P. Blavatsky raciocinava de modo semelhante, e fez
uma advertência decisiva aos membros da Escola Esotérica criada por ela em
Londres em 1888. HPB alertou para o fato de que, sempre que o olhar de alguém
se ergue sinceramente para o mundo sagrado, o carma da ignorância se agita na
mesma proporção e se torna visível:
“Há uma estranha
lei em Ocultismo, que tem sido verificada e comprovada durante milhares de anos
de experiência prática; e ela não deixou de operar, quase em todos os casos,
durante os quinze anos transcorridos desde que a S. T. [isto é, o movimento teosófico]
existe. Tão logo alguém assume o compromisso como ‘estudante em provação’,
certos efeitos ocultos ocorrem. O primeiro deles é a manifestação de tudo o que
está latente na natureza do indivíduo: seus erros, seus hábitos, e suas
qualidades ou desejos suprimidos, sejam eles bons, maus ou indiferentes.”
“Por exemplo, se
alguém é um sensualista ou ambicioso, seja por atavismo ou herança cármica, os
seus vícios seguramente virão para fora, ainda que até o momento ele tenha tido
êxito em reprimi-los. Eles se tornarão inevitavelmente visíveis, e ele terá que
lutar cem vezes mais do que antes, até matar todas estas tendências em si mesmo.”
“Por outro lado, se
o indivíduo é bom, generoso, casto e abstêmio, ou tem qualquer virtude até aqui
latente ou oculta em si, isso irá manifestar-se no exterior de modo tão
irreprimível como o resto. Um homem da sociedade que odeia ser considerado um
santo e portanto assume uma máscara, não será capaz de ocultar sua verdadeira
natureza, seja ela nobre ou não.”
“ESTA É UMA LEI
IMUTÁVEL NO DOMÍNIO DO OCULTO.”
“Seus efeitos serão
tanto mais fortes quanto mais for intenso e sincero o desejo do candidato à
sabedoria, e quanto mais profundamente ele tiver sentido o significado e a
importância do seu compromisso.” (…)
“O antigo axioma
oculto, ‘Conhece a ti mesmo’, deve ser algo familiar para cada membro desta
Escola; mas poucos compreenderam o significado real desta sábia exortação do
oráculo de Delfos. Todos vocês sabem dos seus ancestrais terrestres, mas quem
entre vocês já localizou todas as ligações hereditárias, astrais, psíquicas e
espirituais que fazem o que vocês sejam o que são? Muitos escreveram sobre seus
desejos de unirem-se a seus Eus Superiores, mas ninguém parece saber do vínculo
indissolúvel entre os seus ‘Eus Superiores’ e o SER Único Universal.” [9]
Até aqui, as palavras de Blavatsky.
Sempre que um ser humano estuda sinceramente a lei do
universo, o seu eu inferior entra numa crise transformadora. Por esse motivo os
setores autênticos do movimento teosófico formam hoje e sempre um ambiente
claramente probatório.
O efeito alquímico do movimento está vivo porque, graças
à preservação dos seus ensinamentos originais, ele não se afastou por completo da
influência dos Mestres de Sabedoria.
Em todo ambiente probatório há algo que se pode descrever
como febre cármica. O absurdo - ou aquilo que se considera
como absurdo - deve ser reconhecido pelo aprendiz bem informado como parte da
realidade diária, e colocado dentro do marco de referência incondicional da
fraternidade, isto é, do humilde respeito a todos os seres.
As dinâmicas ilusórias do medo, da raiva, da frustração, da
ambição e de outros sentimentos inferiores devem ser compreendidas, para que desapareça
o seu poder de hipnotizar o estudante desde o subconsciente.
Cada forma errada de vibração da alma deve ser compensada
por uma forma oposta e correta de vibração.
No convívio entre as pessoas, a distância ótima deve ser
estabelecida reciprocamente. A distância
adequada será dinâmica, aumentando e diminuindo conforme as necessidades e
possibilidades da evolução da alma.
O Progresso Segundo
a Teosofia
Pouco depois de criar a sua Escola Esotérica, H.P.
Blavatsky passou a enfrentar o amplo despreparo dos seus alunos. A ética e o discernimento
eram precários, e ela constatou:
“Assim como o indivíduo vê as imperfeições do seu rosto
ao olhar um espelho, assim também, manter diante de vocês a imagem brilhante
dos Esoteristas verdadeiros e avançados foi o suficiente para revelar aos mais
sinceros entre vocês as suas próprias falhas. A revelação é tão impressionante
que alguns dos melhores membros da E.E., precipitando-se indevidamente,
quiseram romper sua ligação e abandonar o ‘caminho’.” [10]
O “efeito espelho” se aplica a todas as relações humanas.
No convívio com os outros seres, as lições mais básicas podem ser as mais difíceis. A sofisticação que
nega as questões elementares é com frequência uma fuga do ponto incômodo em que
dói um calo ao caminhar, ou que rebenta uma bolha, tornando especialmente doloroso
cada passo adiante.
Abordando o processo probatório, Blavatsky escreveu:
“O problema que surge diante de nós é sempre exatamente
aquele que nós sentimos como o mais difícil entre todos os problemas possíveis
- e é sempre a única coisa que sentimos que não podemos suportar. Se olharmos
para o problema desde um ponto de vista mais amplo, veremos que estamos
tentando romper nossa casca no seu único ponto vulnerável; que o nosso
crescimento, para ser um crescimento real e não o resultado coletivo de uma
série de excrescências, deve avançar no mesmo nível em todos os aspectos, assim
como cresce o corpo de uma criança, não primeiro a cabeça e depois uma mão,
seguida talvez por uma perna, mas em todas as direções ao mesmo tempo, de modo
regular e imperceptível.” [11]
A chave do equilíbrio, ao caminhar, está em conviver com
a diferença, e com a decepção.
Cabe evitar o hipnotismo causado pelos erros alheios ou por
aquilo que vemos como erros dos outros. Só deste modo poderemos corrigir calmamente nossas próprias falhas.
Quando se fala de movimento teosófico, ou da LIT, é inevitável
o paradoxo. A noção de absurdo rompe as ilusões da infância espiritual. A LIT é
pequena. Seus associados são poucos e sua responsabilidade é enorme, mas a
humildade é seu escudo e podemos ficar contentes com a tentativa de fazer o que
nos é possível, mesmo que seja pouco.
Ao invés de agir como uma marionete, cada um deve ser o
centro referencial da sua própria atuação. Uma vez que sua intenção seja boa e
nobre, o estudante pode atuar como achar melhor. Deve, porém, orientar-se pelo ensinamento
original e cooperar ativamente com o movimento dentro das possibilidades reais
do lugar e tempo concretos em que lhe toca viver.
Os absurdos, as incoerências, os fracassos e as frustrações
fazem parte da transformação alquímica da alma, especialmente no âmago do
movimento teosófico autêntico. Esta constatação, porém, não é de modo algum uma
desculpa para que não se faça o melhor que se pode.
Uma associação dedicada aos estudos esotéricos deve dar
as boas-vindas aos que sofrem; imperfeições e “incoerências” fazem parte da
aprendizagem, mas a boa vontade deve presidir o esforço e a intenção interior precisa
ser pura.
A febre cármica dissolve a configuração da ignorância,
fazendo com que uma sabedoria estável, impessoal e libertadora brilhe com força
crescente desde a alma imortal.
A Loja Independente não pretende construir um espaço que permaneça
longe das incoerências, mas um espaço que enxergue
as imperfeições, que as compreenda
e tire lições práticas dos erros.
Uma bênção superior surge de observar e curar as falhas
humanas.
A LIT visa ser um espaço que estimula o melhor das pessoas,
dando a elas condições e instrumentos para aperfeiçoarem a si mesmas, e para expandirem
antahkarana - a ponte para o céu -
enquanto melhoram a vida a seu redor.
NOTAS:
[1] Veja em nossos websites associados o artigo “A Lei da Simetria”. (CCA)
[2] Doutrinas essenciais do confucianismo, usualmente traduzidas (de modo
errado) como “benevolência” e “honestidade”. (Nota de Lin Yutang)
[3] “Seis
relações”: Pai, Filho, Irmão mais
velho, Irmão mais moço, Marido, e Esposa. Veja o Tao Teh Ching nas versões de Stanislas Julien (Kessinger Legacy) e
Wing-Tsit Chan (Prentice Hall). (CCA)
[4] O texto acima constitui o capítulo dezoito do “Tao Teh Ching”. Traduzo-o de
“Laotse, the Book of Tao”, tradução do chinês para o inglês de Lin Yutang,
publicado no volume “The Wisdom of China and India”, edited by Lin Yutang, The
Modern Library, Random House, New York, USA, 1955, 1104 pp., ver página 592. (CCA)
[5] Elimine
o excesso de conversas sobre a sabedoria e o conhecimento. (CCA)
[6] As
ideias dos capítulos 18 e 19 estão amplamente desenvolvidas em Chuangtse
(Capítulo X, “Opening Trunks” nas edições em inglês). (Lin Yutang)
[7] Su, o que não tem adorno, que não
foi cultivado, a qualidade natural, o eu simples; originalmente “seda lisa de
fundo”, por contraste com desenhos coloridos colocados sobre a seda; daí surge
a expressão “revelar”, “compreender”, su.
(Lin Yutang)
[8] Os
oito caracteres destas quatro linhas resumem os ensinamentos práticos do
taoísmo. (Lin Yutang)
[9] “Collected Writings”, H. P. Blavatsky, TPH, EUA, volume XII, pp. 515-516.
Veja também o artigo “Resistência à Mudança, em Teosofia”.
(CCA)
[10] “Collected Writings”, H. P. Blavatsky, TPH, EUA, volume XII, p. 504. (CCA)
[11] Do artigo de Helena Blavatsky intitulado “O Progresso Espiritual”. (CCA)
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O texto acima foi publicado dia 9
de maio de 2018.
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Em 14 de setembro de 2016, um
grupo de estudantes decidiu criar a Loja
Independente de Teosofistas. Duas das prioridades da LIT são tirar lições práticas do passado e construir um
futuro saudável.
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