Pioneira do Movimento
Teosófico em
Londres Fez um Relato
em Primeira Mão
Condessa Constance Wachtmeister

A condessa de Wachtmeister, à esquerda, ajudou Helena
Blavatsky durante o trabalho de redação de “A Doutrina Secreta”
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Nota Editorial
No texto a seguir, uma colaboradora direta
de Helena Blavatsky conta como a conheceu
pessoalmente, em Londres, em 1884. Os
parágrafos fazem parte do livro em que a
Condessa de Wachtmeister narra como foi
escrita por HPB a obra “A Doutrina Secreta”.[1]
(CCA)
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Para mim nada é trivial, nada é
insignificante, na personalidade, nos hábitos e no ambiente de Helena Petrovna
Blavatsky.
Gostaria apenas de transmitir ao leitor,
se possível, o conhecimento, tão pleno quanto o meu, das dificuldades e
perturbações que a perseguiram durante o desenvolvimento da sua obra: a pouca
saúde, a vida errante, os meios desfavoráveis, a falta de material, a defecção
de falsos amigos e os ataques de inimigos. Estes foram os obstáculos que
dificultaram seu trabalho. Mas a cooperação de voluntários, o amor e o carinho
de seus seguidores e, acima de tudo, o apoio e a orientação de seus
respeitáveis Mestres tornaram possível sua conclusão.
Foi em 1884 que, na oportunidade de uma
visita a Londres, travei conhecimento com Helena Petrovna Blavatsky, na casa
dos Sinnett. Lembro-me ainda da agradável sensação que experimentei naquela
memorável visita. Já havia lido antes “Ísis Sem Véu”, com surpresa e admiração
pela abundância do estranho conhecimento contido naquela obra notável. Estava,
por conseguinte, preparada para apreciar respeitosamente, e mesmo com certa
reverência, uma pessoa que não só havia fundado uma Sociedade que prometia vir
a ser o núcleo de uma Fraternidade Universal da Humanidade, mas que era também
considerada como mensageira de homens cujo progresso mental e espiritual estava
muito além da Humanidade e, desse modo, podiam ser chamados, no sentido mais estrito,
de pioneiros da nossa raça.
Fui recebida cordialmente pela dona da casa, que me apresentou imediatamente
à senhora Blavatsky. As suas feições revelavam uma força instintiva, expressa
numa nobreza inata de caráter além das minhas expectativas. Todavia, o que mais
chamou a minha atenção foi o olhar fixo dos seus maravilhosos olhos cinza,
calmo e inescrutável e, não obstante, penetrante. Irradiavam uma luz serena que
parecia penetrar e revelar os segredos do coração.
Quando, entretanto, passei a observar as pessoas que a cercavam,
experimentei tamanha sensação de repulsa, que durante algum tempo permaneceu na
minha mente como uma incômoda impressão. Era uma cena estranha para os meus
olhos.
No chão, ao pé do divã baixo no qual se sentava a sra. Blavatsky,
estavam reunidos vários visitantes que olhavam para ela com uma expressão de
homenagem e adoração; outros dependiam dos seus lábios com uma estudada
demonstração de intensa atenção, e todos me pareciam mais ou menos afetados
pelo tom predominante da lisonja.
Sentei-me à parte e observava o que se passava, tomada de suspeitas que
posteriormente verifiquei serem perfeitamente infundadas e gratuitas. Eu
tremia, com medo de que uma personagem de quem havia formado uma imagem tão
elevada viesse a se revelar uma escrava da lisonja, ávida pela adulação de seus
seguidores.
Não podia conhecer, naquele momento, o alheamento, a indiferença ao
louvor ou à censura, o elevado senso do dever daquela mulher ali diante de mim,
que não se abalaria com considerações egoísticas. Não sabia então que a sua
natureza era inerentemente incapaz de sacrificar seus poderes e sua grande
missão às exigências de uma popularidade fácil.
Embora orgulhosa demais para se justificar diante daquelas pessoas
incapazes de apreciar o elevado padrão de conduta que se impunha e mostrava ao
mundo em seus escritos éticos e místicos, uma vez ou outra se abria na
intimidade com alguns de seus discípulos mais fervorosos, que se propunham com
determinação trilhar o Caminho. Lembro-me da explicação que deu sobre esse
ponto, quando uma multidão de zombadores, na imprensa e nos salões, se
perguntavam uns aos outros:
“Como é que se explica que esta discípula dos semioniscientes Mahatmas,
esta natural clarividente e especializada leitora da mente humana, não seja
capaz de saber distinguir os seus amigos de seus inimigos?”
“Quem sou eu”, dizia ela, respondendo a uma pergunta com outra, “quem
sou eu para negar uma oportunidade a uma pessoa na qual descubro uma centelha
ainda vacilante de reconhecimento da Causa a que sirvo, e que poderia ser
inflamada numa chama de devoção? Que importam as consequências que se abatem
sobre mim pessoalmente, quando essa pessoa fracassa, sucumbindo às forças do
mal que estão dentro dela - engano, ingratidão, vingança e outras coisas mais -
forças que eu via tão claramente quanto via a centelha de esperança; embora em sua
queda ela me cubra com deturpação, calúnia e desprezo? Que direito tenho eu de
recusar, a quem quer que seja, a oportunidade de aproveitar das verdades que
lhe possa ensinar e de, por conseguinte, seguir o Caminho? Eu lhes afirmo que
não tenho alternativa. Estou obrigada pelas mais estritas regras e leis do
Ocultismo a renunciar a considerações egoísticas; e como posso ousar supor a
existência de faltas num candidato e agir de acordo com a minha suposição,
ainda que uma aura sombria e ameaçadora possa encher-me de apreensões?”
NOTA:
[1]
“Reminiscências de H.P. Blavatsky e de A Doutrina Secreta”, de Condessa
Constance Wachtmeister, Editora Pensamento, São Paulo, 140 pp., 1980, páginas 3
a 5.
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O texto acima foi
publicado como artigo independente nos websites associados dia 17 de julho de
2019. Ele também faz parte da edição de
junho de 2009 de “O Teosofista”. A transcrição inclui pequenos ajustes no texto.
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