Um Instrumento de Trabalho, a
Ser Bem Cuidado e Valorizado?
Carlos Cardoso Aveline

Há no estudo
avançado de filosofia clássica duas possíveis atitudes práticas do aprendiz em
relação ao seu próprio corpo físico.
A
primeira, mais distante em relação ao mundo material, aparece na escola
neoplatônica de Alexandria. Podemos dizer que Helena Blavatsky e Damodar
Mavalankar são dois exemplos modernos de discípulos avançados que se
inscreveram, pelo menos em grande parte, nesta mesma atitude.
A
segunda atitude, que valoriza mais o corpo como instrumento de trabalho da alma,
é ensinada por Hipócrates, do século 5 A.E.C., e exemplificada pelos discípulos
dos Mestres de Sabedoria que seguem o caminho de Raja Ioga e de autoconhecimento
sem desafiar sistematicamente a ignorância organizada do carma coletivo da
nossa humanidade.
O
fato de alguém pertencer a um grupo ou outro depende de várias questões. Estes
são três dos fatores envolvidos:
1) A missão do aprendiz em determinada
encarnação;
2) O grau de adiantamento no
aprendizado da alma e a melhor forma de ajudar a humanidade; e
3) O temperamento do aprendiz e o seu
“carma de temperamento” acumulado nas encarnações mais recentes. A sua
experiência adquirida ao longo de várias vidas permitirá “manobrar” e “aprender
mais” durante a mesma encarnação, adaptando-se a situações novas.
O
primeiro grupo não se identifica mais do que precariamente com o seu próprio
corpo físico. Em alguns casos, faz uma tarefa envolvendo alto grau de
sacrifício pessoal, estando sujeito a intensa hostilidade de vários tipos. Em
outros casos, trabalha pela humanidade enquanto está total ou parcialmente fora
do corpo. Os exemplos de HPB e Damodar indicam a presença destes dois fatores:
o sacrifício pessoal ao desafiar frontalmente a ignorância organizada, e a
relativa ausência do corpo (especialmente em HPB).
Abordando
o poder curativo de certos mantras, Blavatsky afirmou:
“...O
som (…) pode até mesmo ressuscitar um homem ou um animal cujo ‘corpo vital’
astral não tenha sido separado irreversivelmente do corpo físico pelo corte do
‘cordão’ magnético ou ódico. Tendo sido salva três vezes da morte por esse
poder, a escritora pode ser considerada alguém que conhece pessoalmente alguma
coisa sobre isso.” [1]
Ou
seja, foram necessárias várias intervenções externas, feitas por Mestres de
Sabedoria, para evitar a morte física prematura de HPB. E isso ocorreu em parte
porque ela, devido a uma série de motivos, não tinha grande intimidade com seu
veículo material.
Vejamos
o caso de Damodar Mavalankar. Quando este discípulo indiano foi retirado da
civilização atual para os ashrams dos Sábios dos Himalaias, um Mestre escreveu:
“O
pobre rapaz teve a sua queda. Antes
que pudesse chegar à presença dos ‘Mestres’, teve que passar pelas provas mais
severas que algum neófito já enfrentou, para recuperar-se pelas muitas ações
questionáveis nas quais tomou parte com excesso de zelo (...). O sofrimento
mental e físico foi demasiado para sua frágil constituição física, que tem
estado bastante prostrada, mas ele se recuperará no decorrer do tempo. Isso
deve servir como uma advertência a todos.” [2]
Neste
caso, o “excesso de zelo” implicava entre outros elementos um sacrifício
frontal da sua própria vida. A tendência estava presente na atitude de
Blavatsky.
Quando
há uma relação de algum modo precária com o seu próprio corpo, o eu inferior do
discípulo pode sentir-se relativamente alheio ao mundo material. Talvez
enfrente dificuldades para dirigir seu corpo de modo hábil nas pequenas coisas,
embora tenha controle dele em tudo o que é mais importante espiritualmente.
O
segundo grupo de almas é aquele em que o carma ou o sentimento de dever faz com
que o aprendiz reconheça o seu próprio corpo como um instrumento essencial de trabalho,
que deve ser atentamente conhecido, preservado e utilizado do modo mais correto
possível. [3]
Nenhuma
das duas atitudes em relação à vida física é, necessariamente, mais evoluída do
que a outra. Há, na longa série de encarnações, um momento em que a alma se
ergue acima da vida física e abre mão dela por uma causa maior. E há um momento
em que a alma coloca a vida física num contexto sagrado de aprendizagem perene,
valorizando-a como uma oportunidade espiritual e um processo de grande valor.
As
duas atitudes podem ser recorrentes, alternadamente. Com frequência cada uma
delas é adotada pela mesma alma em diferentes ciclos espirais, à medida que o
aprendiz avança pelo Caminho.
Ao
longo das várias encarnações exigidas pelo discipulado autêntico, a alma
individual nasce com uma e outra atitude, em relação ao corpo físico emprestado
em cada ocasião pela natureza. As duas atitudes também podem ser experimentadas
em etapas diferentes da mesma encarnação.
O
estudante atento observa a vida todos os dias desde o ponto de vista do eu
superior. Ele trata de trilhar a cada momento o caminho mais justo, mais
correto, e mais eficiente, valorizando a vida física como um aprendizado da
alma espiritual.
NOTAS:
[1] Palavras citadas no
extraordinário livro “Helena Blavatsky”, de Sylvia Cranston, Ed. Teosófica,
Brasília, 1997, 678 pp., ver p. 359.
[2] “Cartas dos Mestres de
Sabedoria”, Ed. Teosófica, Brasília, 1996, 295 pp., ver p. 76, carta 29,
primeira série.
[3] Veja por exemplo “Uma Oração da Paz”. A partir
desta atitude, entra em ação sempre que possível a filosofia médica de
Hipócrates, cujos princípios centrais são firmados na Carta 88 de “Cartas dos
Mahatmas”, Ed. Teosófica, Brasília, 2001, vol. II, p. 60.
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A doutrina de
Hipócrates sobre a saúde propõe uma relação correta entre corpo e alma.
Sobre
este tema, clique e veja em francês o livro “L’Essentiel de la
Doctrine D’Hippocrate, extrait de ses œuvres”, de Paul
Carton.
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Leia “A Ioga da Teosofia”, “A Saúde das Emoções”, “As Refeições do Peregrino”, “A Arte de Viver Sem Açúcar” e “A Consciência do Estômago”.
Examine “O Que é a Aura Humana”, “Simplificando e Elevando o Carma”
e “O Elixir da Vida”.
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O texto “A Atitude da Alma Diante do Corpo” foi
publicado nos websites associados dia 22 de janeiro de 2020.
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