Pitirim A. Sorokin Propõe Uma
Visão Prática da Vida Emocional
Carlos Cardoso Aveline
Nas
cidades modernas, uma grande parte da população está condicionada por uma visão
de mundo que é ao mesmo tempo superficial e de curto prazo. Milhões de pessoas
falam de amor e escutam canções populares que giram em torno de sentimentos, mas
evitam fazer qualquer tentativa real de saber sobre o que estão falando.
É
claro que entender o mistério das afeições humanas constitui uma tarefa difícil.
Talvez seja por isso que muitos nem sequer buscam esta meta. Os vários
significados da palavra “amor” são com frequência difíceis de compreender. O
amor cria conflitos e harmonia, felicidade e desespero. Ele movimenta o
Universo inteiro. Ver a unidade dinâmica e a harmonia entre os diferentes
elementos da vida é o mesmo que entender a Vida.
Quer
nós possamos compreender o amor ou não, o amor implica um grau de altruísmo. O
poeta brasileiro Mário Quintana escreveu que a amizade ocorre quando “a alma de
alguém muda de casa”, ou quando alguém se sente “em casa” ao olhar para a vida
de alguma alma amiga. A afinidade humana é também multidimensional: ela flui
nos sete níveis de consciência.
De
acordo com Pitirim A. Sorokin, um pioneiro da pesquisa científica sobre
altruísmo, a energia do amor tem pelo menos cinco dimensões:
(1)
A intensidade;
(2)
A extensão;
(3)
A duração;
(4) A pureza; e
(5) A adequação da sua expressão em ações objetivas,
desde o ponto de vista do seu propósito interior.[1]
1. A Intensidade
“Em
intensidade”, diz Sorokin, “o amor varia entre o zero e o ponto mais alto possível,
arbitrariamente definido como o infinito.”
“O
ponto zero não é nem amor nem ódio. Abaixo do ponto zero está o ódio (que tem
uma dimensão de intensidade semelhante). Todos nós conhecemos esta escala de
intensidade do amor. Quando observamos uma pessoa que prega o amor mas não o
pratica, sabemos que a intensidade do seu amor está próxima do ponto zero; quando
a pregação pretensiosa do amor é usada para as ações egoístas e rancorosas dos
hipócritas, as ações deles caem abaixo de zero e se tornam ações de ódio de
várias intensidades.”
De
acordo com a teosofia, a intensidade do amor altruísta depende do nível de
consciência do qual ele emerge. Qual é a intensidade do contato entre a
personalidade do indivíduo e a sua própria alma imortal?
Sorokin prossegue:
“Ações
como dar algumas moedas de pouco valor ao faminto (quando o doador tem grandes
posses), ou oferecer um lugar a outra pessoa num transporte coletivo, são ações
de amor, embora de pouca intensidade. As ações pelas quais uma pessoa doa
livremente os seus mais altos valores - saúde, vida, ‘alma’ (…) - são ações de
amor da mais alta intensidade. Entre o ponto zero da intensidade de amor e os
seus pontos mais elevados há muitos graus intermediários.”
Possuindo
autorrespeito, o cidadão sente amor e respeito pelos outros. E qual é a maneira
mais eficiente de medir o peso e a força da verdadeira amabilidade?
“Em
geral, os níveis de intensidade do amor não podem ser vistos em escala”, diz
Sorokin.
“Na
maior parte dos casos não podemos dizer exatamente quantas vezes uma
determinada intensidade é maior do que outra, ou se é igual, ou maior, ou
menor. No entanto, podemos ver com frequência claramente qual intensidade é realmente grande e qual é pequena, e às vezes
podemos até medi-la em unidades quantitativas. Por exemplo, se as demais
condições forem iguais, o ato de apenas oferecer um lugar no transporte
coletivo será visto por praticamente todos os seres normais como uma ação de
muito menos intensidade de amor do que o ato de salvar uma vida colocando em
risco, ou sacrificando, a sua própria vida.”
Ele acrescenta:
“…Quando
a mesma pessoa dá a outros em alguma ocasião dois por cento da sua riqueza, e
em outro momento doa noventa por cento do que possui, a sua segunda ação de
amor será muitas vezes mais intensa que a primeira. Quando a pessoa doa a
outros em determinada situação uma hora do seu tempo, e em outra circunstância doa
uma semana, ou um mês, a sua segunda ação será muitas vezes maior do que a
primeira em intensidade de amor. Resumindo: em geral a intensidade do amor não pode ser medida em uma escala. Isso, no
entanto, não nos impede de ver as grandes diferenças de intensidade entre
várias ações de amor; e tampouco nos impede de medir precariamente estas
intensidades usando - em algumas ocasiões - unidades numéricas. O mesmo pode
ser dito das possibilidades de medição em escala das outras quatro dimensões do
amor.” [2]
2. A Extensão
A
teosofia ensina o amor impessoal e ilimitado. Ela informa como os seus
estudantes podem obter uma compreensão da vida como um todo, a qual não necessitará
- nem poderá - ser expressa em palavras. Não há separação entre o pensamento e
a emoção, em filosofia esotérica. Os seus estudantes devem conhecer o que eles amam, e amar
o que conhecem.
Pitirim
Sorokin enfoca o processo do amor com ajuda dos métodos usados pela ciência
convencional. Ele escreveu o seguinte sobre a largura ou estreiteza das
afinidades de cada um:
“A extensão do amor vai do ponto zero que é o
amor apenas por si mesmo, até o amor pela humanidade inteira, por todos os
seres vivos e pelo universo. Entre estes graus mínimo e máximo está a vasta
escala de extensões: o amor pela sua própria família, ou por alguns amigos, ou
o amor por todos os grupos a que o indivíduo pertence - seu clã, sua tribo,
nacionalidade, nação, e outros grupos e associações religiosas, profissionais e
políticas.”
O
amor universal e sem limites é outro fato concreto na vida humana:
“O
ponto máximo de extensão é o amor pelo universo todo (…). Como São Francisco de
Assis, é possível amar ‘a irmã Terra’, a lua, o vento, um rio, uma árvore e
todos os fenômenos animados e inanimados em geral, e deste modo ‘caminhar de
modo amável e reverente sobre a Terra’. E pode-se ‘odiar o mundo inteiro’ e ver o mundo como um inimigo.”[3]
Cada
humano pode amar todos os seres, ou pode não amar nenhum. Em teoria, é possível
amar apenas a si mesmo. Na realidade, isso é impossível, porque não existe qualquer
separação real no universo. O egoísmo é somente uma forma de cegueira, o “eu
pessoal” consiste numa ilusão. E no entanto, adotando um ponto de vista mais
superficial, poderíamos dizer que no sistema de Sorokin o “ponto zero” da
extensão do amor consiste em amar exclusivamente a si mesmo.
O
ódio, por sua vez, é uma quantidade
negativa de amor. A rejeição
agressiva de outro ser é uma “afinidade abaixo de zero” e seu efeito é pior
que inútil, exceto nos casos de legítima defesa.
De
acordo com a teosofia, o oposto do amor constitui uma dívida (cármica) para
consigo mesmo e para com os outros, e uma dívida para com a Lei Universal do
Equilíbrio. O sentimento de rejeição cega deve ser corretamente compreendido
antes de ser eliminado e substituído por dois fatores: uma clara compreensão da
unidade da vida, e um sentido de justiça impessoal. A sabedoria teosófica
ensina entre os humanos tanto a boa vontade como o desapego. Estes dois
sentimentos liberam as pessoas da alternância neurótica entre “apego” e “rejeição”.
3. A Duração
“A duração do amor pode variar desde o
momento mais curto possível até longos anos, ou a vida inteira de um indivíduo
ou de um grupo”, diz Sorokin.
E a teosofia acrescenta:
“O
amor também costuma durar por grande número de reencarnações, talvez algumas
eternidades”.
As
ações solidárias têm tempos e ritmos muito diferentes. Sorokin escreve:
“Não
só as ações de amor de baixa intensidade, mas muitas das ações da mais alta
intensidade podem durar apenas um curto tempo, como as ações de um soldado em
um campo de batalha que arrisca sua vida para salvar seu camarada: tendo
salvado a vida do colega e tendo ele próprio sobrevivido, um soldado pode
deixar de lado a atitude solidária e tornar-se outra vez um indivíduo egoísta e
medíocre. Uma mãe que cuida da sua criança doente durante toda a vida, um indivíduo
bondoso que ajuda durante anos esta ou aquela pessoa, financeiramente ou de
outro modo, grandes apóstolos do amor que realizam sua missão solidária durante
décadas, e mesmo ao longo da vida inteira, são exemplos de amor durável.” [4]
As
ações profundamente altruístas desenvolvidas durante uma encarnação criam
tendências cármicas que irão surgir novamente na forma de fatos abençoados em
vidas futuras.
4. A Pureza
Outra dimensão é a
integridade. Sorokin escreve:
“A pureza
do amor varia desde o amor que é motivado apenas pelo amor - sem qualquer
mancha de uma ‘intenção suja’, de busca de prazer, vantagens, ou lucro, até o
‘amor impuro’, em que o amor é apenas um meio para alcançar um objetivo
utilitário ou hedonista ou algo similar, e onde o amor consiste somente de umas
gotas superficiais numa corrente de lama, feita de aspirações e objetivos
egoístas.”[5]
Na realidade, o conceito de pureza do amor deve
ser temperado por um conhecimento do fato de que todos os níveis de consciência
interagem constantemente. A pureza não significa que haja uma ausência de
comunicação entre os níveis superiores e inferiores de afeto. Ela significa que
os níveis inferiores de amor e afinidade não têm força para interferir
indevidamente com o processo impessoal e puro da afinidade mais elevada. Um
conhecimento dos fatores psicanalíticos ajudará a preservar o tipo correto de
devoção, em uma vida espiritual definida como algo que se desenvolve no plano da
impessoalidade. E isso nos leva ao ponto seguinte.
5. A Adequação do Amor
Toda pessoa sincera tem uma tendência para ser um
amigo leal, para ter compaixão, ser útil aos outros e sentir boa vontade para
com todas as formas de vida. Ninguém, no entanto, possui garantias de poder
fazer isso de maneira eficiente. Tudo depende da quantidade de discernimento da
pessoa ao avaliar o funcionamento da Lei do Carma e ao antecipar as
consequências das suas próprias ações.
Quando são combinadas com decisões ingênuas, as
boas intenções podem causar grandes desastres. Todos os dias o uso errado da
energia do amor causa situações calamitosas. O fato é fácil de ilustrar.
Sorokin escreve:
“Todos nós conhecemos mães que amam seus filhos
intensamente e querem que eles sejam ‘dignos de serem amados’, isto é, que
sejam honestos, trabalhadores e bons. Com este propósito, elas mimam a criança,
satisfazem todas as suas fantasias, e não impõem disciplina quando a criança
precisa de disciplina. Através deste tipo de ação de amor elas estragam seus
filhos, os tornam caprichosos, irresponsáveis, fracos, preguiçosos e
desonestos. Estas consequências objetivas do amor diferem radicalmente da meta
materna, que é o amor. (…) Na ausência da necessária sabedoria, o amor cego
perde o rumo nas suas manifestações concretas e destrói a si mesmo; ao invés de
beneficiar a pessoa amada, com frequência a prejudica. Neste caso temos um amor
inadequado (…) como uma paixão obscura avançando no rumo da autodestruição.” [6]
O mesmo desafio ocorre em todos os aspectos da
vida.
O amor irresponsável por seu país pode levar a
uma guerra injusta. O amor cego por uma igreja ou seita produz fanatismo, opressão
e intolerância. Uma devoção egoísta à sua própria família pode provocar
ausência de ética. O apego indevido a grupos ideológicos gera uma luta
exagerada entre grupos sociais e desarmonia em grande escala na vida de um
país.
Os exemplos são muitos. O amor sem sabedoria não
é capaz de enxergar com clareza nem possui um sentido de responsabilidade. Seu
resultado é a autodestruição. Cícero está certo ao estabelecer três
pré-condições para qualquer pessoa que queira ajudar outro ser. Em primeiro
lugar, a ação solidária deve ser justa e não pode causar sofrimento indevido a
terceiros. Em segundo lugar, a ação deve estar dentro das possibilidades do
indivíduo solidário. A terceira condição é que a pessoa a ser ajudada precisa ser digna da ajuda: deve merecê-la. [7]
Uma vez que a quantidade necessária de sabedoria
esteja presente, o amor e a amizade altruístas são reais e prevalecem, lado a
lado com a justiça e com um sentimento de respeito por todos os seres.
O primeiro objetivo do movimento teosófico
moderno consiste em formar lentamente um núcleo durável de Fraternidade
Universal, sem distinção de raça, nacionalidade, credo, sexo, ideologia, casta
ou cor da pele. Este sentido de fraternidade inclui todos os seres no contexto
ilimitado do tempo eterno e do espaço infinito. A combinação de uma intenção
nobre com um severo discernimento leva cada estudante da lei universal a
aprender mais rápido a arte da ação
correta.
NOTAS:
[1] Veja
o livro “The Ways and Power of Love”, Pitirim A. Sorokin, Templeton Foundation
Press, Pennsylvania, EUA, 2002, 552 pp., p. 15. Sobre
a visão em cinco dimensões que Sorokin desenvolveu sobre o amor altruísta, veja
o volume “Unlimited Love”, de Stephen G. Post, Templeton Foundation Press,
Philadelphia and London, 2003, 232 pp., capítulo 9, pp. 133-155. Um Fragmento
em inglês do livro de Stephen Post foi publicado nas páginas 1-2 da edição de
julho de 2015 de “The Aquarian Theosophist”, que pode ser encontrada nos
websites associados.
[2] “The Ways and Power of Love”, Pitirim A.
Sorokin, Templeton Foundation Press, Pennsylvania, EUA, 2002, 552 pp., ver pp.
15-16.
[3] “The
Ways and Power of Love”, Pitirim A. Sorokin, p. 16.
[4] “The
Ways and Power of Love”, Pitirim A. Sorokin, mesma p. 16.
[5] “The
Ways and Power of Love”, Pitirim A. Sorokin, p. 17.
[6]
“The Ways and Power of Love”, Pitirim A. Sorokin, pp. 17-18.
[7] “De Officiis”, de Cícero, com tradução do latim
para o inglês de Walter Miller, Loeb Classical Library, Harvard University
Press, 2005, 424 pp., ver p. 47.
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O artigo
acima foi publicado
nos websites associados em 13 de janeiro de 2020, e é uma tradução do original
em inglês “The Five Dimensions of Love”. O
tema foi abordado pela primeira vez por Aveline numa nota publicada anonimamente
sob o mesmo título na edição de maio de 2016 de “O Teosofista”, pp. 7-8. A publicação inicial do artigo completo em
inglês ocorreu anonimamente na edição de junho de 2018 de “The Aquarian Theosophist”.
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Leia o
texto “A Força Invencível do Amor”,
cujo subtítulo é “A Escada Platônica Que Une Céu e Terra”.
Outras
leituras possíveis: “A Misteriosa Energia do Amor”,
de Pitirim A. Sorokin, “Quando o Amor é Durável”, de Carlos
C. Aveline, e “Amor, Sexo e Autotranscendência”, de Viktor A. Frankl.
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