Um Olhar Mais Profundo
Para o Caminho da Sabedoria
Carlos Cardoso Aveline
Carlos Cardoso Aveline

Na Índia antiga, o guerreiro Rajput jurava por sua espada e seu escudo
Não basta adotar ideias corretas.
É preciso observar como nos relacionamos com elas. Uma
visão superficial ou mecânica de conceitos filosóficos corretos é mais do que
suficiente para provocar desastres ao longo do caminho.
Muitos falam, por exemplo, da necessidade de inegoísmo e
autoesquecimento em teosofia. Estas são duas ideias importantes. Mas elas devem
ser administradas com cuidado, porque os seus alicerces são um completo autoconhecimento
e um cuidadoso controle de si mesmo.
Em “Cartas dos Mestres de
Sabedoria” vemos um Mahatma citar palavras de Alfred Tennyson ao referir-se a
três fatores decisivos no esforço teosófico:
“Autorrespeito, autoconhecimento e autocontrole”. [1]
É verdade que o autoesquecimento é indispensável, quando
se decide trilhar o caminho da sabedoria. Ao mesmo tempo, o eu inferior ou alma
mortal é um instrumento necessário para a expressão prática daquele nível de
consciência em que ocorre o autoesquecimento.
O verdadeiro autorrespeito inclui uma correta
consideração pelo veículo que chamamos de “personalidade”. A inteligência
inferior é valiosa. Ela tenta ser útil à nossa consciência mais elevada.
Só a ignorância temporariamente presente no eu inferior deve ser combatida, de
modo calmo e gradual, até desaparecer.
Será correto rir dos nossos próprios erros? Sim, às vezes,
e com moderação. A verdade é que ao longo do caminho os pensamentos e ações da
personalidade passam a viver em harmonia crescente com o clima criado pelo fato
de que o eu inferior se reconhece como um instrumento consciente da Alma
imortal. Nosso eu “inferior” é, portanto, muito mais do que uma “máscara” ou
“casca”. É um santuário, e pode ser protegido de influências e pensamentos
destrutivos. Helena Blavatsky escreveu:
“Só a sempre desconhecida e incognoscível Karana, a Causa Sem Causa de todas as causas, merece ter um altar e um santuário
no solo sagrado e jamais pisado do nosso coração.” [2]
A personalidade “inferior” é um templo habitado por uma inteligência
divina. Portanto, o aprendiz deve cuidar construtivamente do clima psicológico
vivido pelo seu “eu pessoal”. A qualidade
dos seus sentimentos e pensamentos não melhora através de ódio ou desprezo pelo
eu inferior. A melhora ocorre através da consideração e do estímulo positivo. Ideias
ou ações que não se harmonizem com o papel da personalidade como veículo do eu
superior devem ser reconhecidos como expressões de desrespeito pela vida.
O aspecto mais importante do processo de autorrespeito é o
sentimento que o aprendiz de teosofia tem pela voz da sua própria consciência,
pela sua alma imortal, a essência do seu ser, seu Atma, sua Mônada.
Como toda forma de luz, o respeito brilha em todas as
direções. A consideração por si mesmo é a base do sentimento fraterno que o
estudante passa a ter por todos os seres. Tanto os aspectos celestiais como as
dimensões terrestres da vida merecem um cuidado amistoso, e estes dois níveis
do sentimento de respeito são inseparáveis entre si. De certo modo, o ser
humano é o antahkarana, a ponte, entre os níveis superiores e inferiores
da vida. Um indivíduo é sobretudo o foco central do campo de consciência
que anima a sua própria aura.
O que se planta, se colhe. Se a consideração por si mesmo
produz um sentimento de respeito por todos, a recíproca é verdadeira. Com o
tempo, passam a ser necessárias uma atenção e uma vigilância ampliadas por
parte daqueles com quem o estudante de filosofia se relaciona. Em cada
circunstância da vida, a interação correta entre a personalidade do estudante e
outros indivíduos deve ter como base o princípio do respeito mútuo, não no terreno
da mera cortesia social, mas no nível durável da profunda sinceridade.
Quando adotamos esta visão multidimensional do processo
de autorrespeito, fica mais fácil perceber que a autodisciplina não é um ato de
força unilateral. Ela não resulta de uma imposição de fora para dentro. Ela surge
naturalmente da afinidade com a ideia de uma vida correta e altruísta. Assim, a
prática equilibrada da autodisciplina expressa uma profunda estima do
estudante por sua própria personalidade.
Estes três fatores da vida, mencionados em um velho poema
de Tennyson, parecem resumir o caminho da Raja Ioga: autorrespeito,
autoconhecimento e autocontrole. No entanto, nenhum progresso real em Raja Ioga
é fácil. Há sempre um duro combate a ser enfrentado. A mente é como uma espada,
segundo a tradição zen-budista. Na Índia antiga, um guerreiro rajput fazia seus
juramentos solenes pela sua espada e seu escudo. [3] E o Dhammapada ensina:
“Do mesmo modo como o produtor de
flechas torna sua flecha reta, o sábio torna reto o seu pensamento
distorcido.” [4]
A verdade é que assim como um guerreiro eficiente ama sua
espada, um arqueiro ama o seu arco, e um barqueiro, o seu barco, a filosofia
esotérica ensina que um teosofista aprende a amar, a respeitar, e treinar, o
seu próprio eu inferior.
NOTAS:
[1] Carta IV para Laura Holloway, no
volume “Cartas dos Mestres de Sabedoria”, compiladas por C. Jinarajadasa, Editora
Teosófica, Brasília.
[2] Traduzimos esta frase diretamente
da edição original de “The Secret Doctrine”, de Helena P. Blavatsky, Theosophy
Co., Los Angeles, volume I, p. 280.
[3] Veja, por exemplo, o livro clássico
“Annals & Antiquities of Rajasthan”, de James Tod.
[4] “O Dhammapada”, Capítulo 3,
Verso 01. O Dhammapada completo pode ser encontrado em nossos websites
associados.
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A ilustração que abre o artigo acima é reproduzida do livro “Annals &
Antiquities of Rajashtan”, de James Tod, Selected and Abridged by E. Jaiwant
Paul, Roli Books, New Delhi, India, 2008, 141 pp.
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Sobre o mistério do despertar individual para a sabedoria
do universo, leia a edição luso-brasileira de “Luz no Caminho”, de M. C.

Com tradução, prólogo e notas de Carlos Cardoso Aveline, a
obra tem sete capítulos, 85 páginas, e foi publicada em 2014 por “The Aquarian Theosophist”.
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