Um Poema Sobre os Ciclos Cósmicos
Que Marcam a Vida no Planeta Terra
Múcio Teixeira

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Nota
Editorial de 2015:
O poeta Múcio Teixeira nasceu em
Porto Alegre em 13 de setembro de 1857 e
viveu até 8 de agosto de 1926. Amigo
pessoal do
imperador-filósofo D. Pedro II, Múcio foi
um dos
principais pioneiros do pensamento
teosófico no Brasil.
Escrito em 1915, o poema “O Devanear do Teósofo” é
claramente inspirado nas obras de Helena
P. Blavatsky,
sobre cuja vida e obra Múcio também
escreveu um poema.
(Carlos Cardoso Aveline)
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A meu filho Múcio
“Os
corpos, que são aglomerações de
moléculas,
seriam assim os análogos das
vias-lácteas
e das nebulosas resolúveis.”
(Paul Gibier)
O
Devanear do Teósofo
Depois
do pensamento libertar-me
Da
ação do peso, a fim de que espedace
Os
pesados grilhões do cativeiro
Que
me prendem à terra, livremente
Poderei,
lá de cima, examiná-la,
Cravando
o olhar do espírito nas rochas
Imóveis,
entre as ondas movediças
Dos
oceanos profundos, que separam
Continentes,
nações, e fauna e flora.
Terei
do macrocosmo a ideia exata,
Partindo
das sementes às florestas,
Indo
do grão de areia às cordilheiras,
Até
chegar do protoplasma ao homem
E
do homem ao núcleo do planeta,
Onde
o berço encontrei e espero a tumba,
Para
nela deixar o corpo inerte
Quando
minha alma sacudir as asas
No
largo voo de existência nova.
Mas,
sem sair desta planetosfera,
O
microcosmo sondarei, buscando
Encontrar
nele o ser real, ou antes
O
terceiro princípio, que, por cima
Da
matéria e da força, como um fluido,
Do
Universo animado é parte ativa. [1]
A
forma dos Oceanos e das terras,
Confirmando
o que ensina a História Oculta,
Diz
que cada período cosmogônico
De
vinte e cinco mil e centos de anos
Determinado
pela astronomia
Na
semestral precessão dos equinócios,
Assiste
a pavorosos cataclismos,
Multiplicando
universais dilúvios,
Uns
pelas águas, outros pelo fogo, [2]
Permanecendo
o mundo equilibrado,
Sempre
a girar vertiginosamente.
Estamos
num período em que os gelos,
Cuja
espessura se acumula agora
Em
cinquenta quilômetros no Ártico,
Ou
no Austral, onde a fremir se partem
Num
desmoronamento monstruoso;
Blocos
de gelo enormes, qual se fossem
Dezenas
de Itatiaias [3] sobrepostos,
Precipitam-se,
lá, varrendo os mares,
Se
arrastando e rolando com as águas,
Raspando
os continentes, e levando
Nessa
enxurrada as rochas de granito.
A
água salgada espuma sobre tudo,
Exceto
alguns planaltos solitários,
Que
são os Ararats das novas Arcas;
E
um silêncio completo se alevanta
Sobre
a humana grandeza, sepultada
Num
cemitério de cidades mortas!...
Só
séculos depois irão surgindo,
A
pouco e pouco, juncos oscilantes,
Arbustos
verdes, árvores frondosas,
Florestas
virginais, aves e feras;
Novos
homens, cabanas e rebanhos,
Casas,
cidades, com prisões e templos,
Hospitais
e quartéis, tendas e escolas,
Prostíbulos,
bordéis e lupanares.
De
novo nascerão reis e poetas,
Juízes,
sacerdotes e guerreiros,
E
ladrões, e mendigos e avarentos;
Crianças
louras e mulheres lindas,
Curiosas
aquelas, estas falsas,
Ardentes,
voluptuosas e ciumentas,
Prometendo,
sem dar, uns paraísos
De
onde os tristes Adões são sempre expulsos...
Começarão
de novo as duras guerras,
Revoluções,
duelos, e combates
Peito
a peito, ou no fundo das trincheiras,
Negros
túneis fatais por onde passam
Os
sinistros comboios do extermínio!...
Mas
das passadas gerações extintas
Nada
mais restará: nem um poema,
Nem
as estátuas dos heróis e gênios;
Entrementes
no azul do firmamento
O
mesmo sol há de dourar os dias
E
a mesma lua pratear as noites.
Somente
a análise espectral nos mostra
A
analogia que há entre as estrelas
E
as almas imortais, umas e outras
Presas
pelas correntes invisíveis
De
uma lei de harmonia, que se estende
Do
ovo da crisálida à falena, [4]
Do
grão ao fruto, da raiz à fronde, [5]
Do
indivisível glóbulo de um átomo
À
incalculável dimensão dos astros!
(Rio,
1915)
NOTAS:
[1] O
indivíduo humano encontra em si os princípios que servem de base para o
universo inteiro. “Acima” do plano da matéria e do plano da energia está o akasha, a luz astral, que Múcio Teixeira chama corretamente de terceiro princípio do universo. Como se
verá por outros trechos deste poema, Múcio escreve em parte inspirado pelo
estudo de “A Doutrina Secreta”, de Helena P. Blavatsky. Mas ele também usa de
liberdade artística e emprega sua imaginação poética, não adotando um enfoque sempre
técnico da cosmogênese e da geologia teosóficas. (CCA)
[2]
Ensinamento de “A Doutrina Secreta”. (CCA)
[3] “Itatiaia”
é um nome de origem indígena e significa “penhasco cheio de pontas”, “pedra
pontuda”. É no elevado Maciço
do Itatiaia que se situa o Pico das Agulhas Negras, com 2.791metros, na fronteira entre os estados do Rio de
Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. (CCA)
[4] “Falena”. Borboleta noturna. (CCA)
[4] “Falena”. Borboleta noturna. (CCA)
[5]
Fronde: folhagem dos ramos de uma árvore. (CCA)
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O
poema “O Devanear do Teósofo” é
reproduzido do volume “Terra Incógnita”, de Múcio Teixeira, Casa Duprat
Editora, São Paulo, 1916, 407 pp., ver pp. 189-193.
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Sobre o mistério do despertar individual
para a sabedoria do universo, leia a edição luso-brasileira de “Luz no Caminho”, de M. C.

Com tradução, prólogo e notas de Carlos
Cardoso Aveline, a obra tem sete capítulos, 85 páginas, e foi publicada em 2014
por “The Aquarian Theosophist”.
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