Um Pioneiro Que Ajudou a Preservar
Os Ensinamentos Originais da Teosofia
Carlos Cardoso Aveline
Carlos Cardoso Aveline

Esta é a única
foto conhecida de John Garrigues.
Foi tirada em
algum momento entre 1919 e 1925.
Uma pesquisa independente
sobre a história da Loja Unida de Teosofistas e do movimento teosófico mostra
que John Garrigues (1868-1944) foi um dos grandes líderes e autores teosóficos
do século vinte.
Enquanto
viveu, Garrigues publicou seus escritos anonimamente. Seu nome permaneceu
desconhecido durante décadas depois da sua morte, exceto no caso daqueles que o
haviam encontrado pessoalmente ou tinham ouvido falar sobre ele por testemunhos
orais diretos.
O silêncio foi
quebrado aos poucos. Em outubro de 2001, “The
Aquarian Theosophist” publicou as notas de Gabriel Blechman sobre Garrigues.
Desde 2011, nossos websites associados oferecem uma seleção de textos deste
autor, em mais de um idioma.
Só
uma parte dos escritos de John Garrigues foi identificada. Durante muitos anos
ele foi o principal editor da revista mensal “Theosophy”, e o tamanho pequeno
de alguns dos seus melhores artigos pode ser explicado pela necessidade
editorial de completar a paginação, na reta final do trabalho de produção da
revista.
Reconhecendo o Movimento Como Campo
Probatório
Seus artigos na “Theosophy” eram
anônimos, e por isso cabe compartilhar os critérios usados na sua identificação
e seleção. Vejamos dez das principais características dos artigos escritos por
Garrigues:
1) Coragem de olhar os obstáculos. Ele apresenta a vida
teosófica como um empreendimento sagrado e perigoso que deve ser compreendido
serenamente. A vida é a jornada do herói, e nela a coragem moral é
indispensável.
2) Visão clara do passado e do futuro do movimento teosófico.
Tendo uma compreensão nítida da lei dos ciclos, Garrigues partilhava os
resultados da sua pesquisa de longo prazo sobre os esforços feitos pelos
Iniciados, e trabalhou conscientemente para construir um futuro cujas linhas
básicas eram conhecidas por ele.
3) Capacidade de enfrentar os testes. Ele discute o caminho
probatório e os desafios que cada aspirante ao discipulado tem diante de si,
como no artigo “O Momento da Dificuldade”, que pode ser encontrado em nossos
websites associados.
4) A presença viva do contraste. Garrigues examina os aspectos
contraditórios da caminhada, ao mesmo tempo que mostra a presença do equilíbrio
e da simetria em cada aspecto da Realidade.
5) Um
ponto de vista frequentemente poético. Esse ponto é fácil de verificar
no livro “From the Book of Images” e em muitos outros escritos seus.
6) Estilo axiomático. Há nos artigos de Garrigues grande número
de frases curtas que merecem ser objeto de meditação. É o caso do texto “A
Chave da Estabilidade”.
7) Exame frontal dos desafios enfrentados pelo movimento teosófico.
Garrigues discute a pseudoteosofia e mostra como ela funciona. Deste modo abre caminho
para que as raízes da autoilusão e da ilusão coletiva sejam destruídas.
8) Defesa ativa de H.P.
Blavatsky e W. Q. Judge. Uma das razões para a importância decisiva
desta tarefa é que os skandhas ou registros cármicos das vidas dos
fundadores estão no próprio centro da aura do movimento. Garrigues também
desenvolveu um enfoque correto em relação à influência viva de HPB depois
da morte dela em 1891. O texto “Helena Blavatsky - A Que Distância?” constitui
um exemplo.
9) Uma percepção das escolhas estratégicas. A metáfora da
guerra e do guerreiro é frequente nos escritos de Garrigues e pode ser vista no
artigo “A Lei da Dificuldade”. O uso clássico da metáfora do guerreiro no
caminho espiritual é encontrado no Bhagavad Gita, nas Cartas dos Mahatmas, no
artigo “A Flecha no Alvo”, de William Q. Judge (disponível em nossos websites),
nos escritos de H.P. Blavatsky, no Novo Testamento (Mateus, 10: 34) e outros
textos antigos e modernos.
10) O estudo das motivações pessoais. Garrigues investiga a
alquimia emocional necessária para fazer um progresso duradouro no caminho. Ele
dá indicações valiosas sobre a expansão, o fortalecimento e a purificação da
vontade espiritual do estudante. Seus artigos motivacionais costumam ser
curtos.
Outros
fatores podem ser acrescentados à lista. Entre eles, a escolha das palavras, o
estilo, o ritmo das frases e os elementos de mantra que estão presentes no
conteúdo e na forma.
Desenvolvendo
uma Intenção Correta
Desde
a década de 1890, o movimento teosófico tem permanecido desnecessariamente
pequeno, ou tem crescido artificialmente ao adotar ações ilusórias. A
vitalidade do movimento depende da motivação interna dos seus membros. Um dos
obstáculos consiste de um par de opostos: de um lado está a ilusão da ambição
pessoal; de outro lado, a ilusão da falta de ânimo para agir. O paradoxo
resulta da falta de uma informação adequada sobre a natureza do movimento.
Pessoas
bem-informadas veem a teosofia como algo que é ao mesmo tempo estimulante e
realista, desafiador e sóbrio. O conhecimento filosófico deve permanecer aberto
ao exame crítico. A pedagogia teosófica pode ser definida como a arte de
pesquisar e ensinar com independência a filosofia esotérica. Através do estudo
das Cartas dos Mahatmas e das Cartas dos Mestres de Sabedoria, podemos
ver como este processo funciona na prática. As Cartas mostram como se pode
aplicar na vida diária os princípios pedagógicos seguidos pelos Mestres e
Iniciados.
A epistemologia e a psicologia do saber
teosófico estão presentes nos escritos de John Garrigues. Ele deu à filosofia
esotérica moderna uma contribuição única através de grande número de artigos sobre
os vários aspectos da motivação do estudante, enquanto busca a sabedoria. Seus
textos estão espalhados pela coleção da revista “Theosophy”, de Los Angeles,
entre 1912 e 1944, e em alguns poucos casos além deste período. O artigo “O
Primeiro Passo Adiante” é um exemplo, entre
muitos.[1] Nele podemos ler:
“Uma
vida limpa envolve pureza, retidão, castidade, e inofensividade, assim como uma
conduta absolutamente franca e direta.”
A Obra Escrita
Garrigues
escreveu o livro “Point Out the Way”, que transcreve palestras dadas durante a
década de 1930. [2] Ele é autor do
melhor livro (em qualquer idioma) sobre os primeiros 50 anos do movimento esotérico
moderno, “The Theosophical Movement - 1875-1925”.[3] Seus artigos na
revista “Theosophy” seriam suficientes para que se publicassem vários livros.
Em 1931, ele começou as cartas anuais do Dia da LUT, que eram mandadas todo mês
de junho para os amigos e associados da LUT ao redor do mundo. Ele foi o seu
principal redator e editor até sua morte em 1944. [4]
John
escreveu um livro de contos como modo de transmitir a sabedoria teosófica. Ele
foi publicado três anos após sua morte, sob o pseudônimo de “Dhan Gargya”, e
com o título “From the Book of Images” (“Do Livro de Imagens”).[5] O livro de contos de Garrigues merece
um estudo cuidadoso. Aqui e ali o autor parece haver introduzido pequenas
dificuldades de compreensão no texto, de modo a exigir do leitor uma atenção
completa. Ao desenvolver a plena atenção, o estudante percebe o significado mais
profundo presente nas entrelinhas.
As Notas de JW Sobre a Vida de Garrigues
Trabalhando
em silêncio, Garrigues cumpriu um papel decisivo na preservação e na divulgação
da verdadeira teosofia durante a primeira metade do século 20.
Jerome
Wheeler, o experiente teosofista e editor que fundou “The Aquarian Theosophist”
no ano 2000, mandou-nos um relato valioso sobre a trajetória de John Garrigues.
O informe chegou a nós no dia 9 de junho de 2005.
“Nunca
o conheci pessoalmente, e por isso só posso dar dados de segunda mão”, escreveu
Jerome. Antes de escrever a sua narrativa, JW havia reunido de estudantes mais
antigos que ele e dos arquivos da LUT em Los Angeles informações básicas e
precisas sobre a vida e o trabalho de Garrigues.
“John
tinha um só braço”, diz JW. “Quando jovem, ele fez planos exuberantes para
estudar na Academia Militar West Point, mas teve um acidente durante uma caçada
e o seu braço foi amputado.” O Carma tem suas próprias maneiras de impedir que
alguém faça coisas para as quais “a porta está fechada”, e nem todas estas
maneiras são fáceis de administrar.
Nascido
sob o signo de Virgo, Garrigues tinha o hábito de trabalhar duro. Era um
indivíduo prático, organizado e com os pés no chão.
“Ele
nasceu em 12 de setembro de 1868”, escreve Jerome Wheeler. “Sua esposa também
era dedicada a profundos estudos esotéricos, que ambos começaram em julho de
1907 sob a direção de Robert Crosbie.”
As
palavras “profundos estudos esotéricos” são uma referência a um nível de
trabalho e compromisso que pode ser chamado de “segunda seção do movimento
teosófico”.
Nos primeiros tempos do esforço teosófico, a
“terceira seção” era o seu trabalho público. Os membros da “segunda seção” eram
aspirantes ao discipulado, discípulos leigos, ou discípulos propriamente ditos
(regulares). A primeira seção era composta exclusivamente de altos iniciados na
filosofia esotérica, isto é, Adeptos. [6]
Isso significa que nos primeiros anos os Adeptos ou Mestres eram membros ativos
do movimento.
Em sua edição de agosto de 1919, a revista “Theosophy”
(p. 289) afirma:
“Depois da morte do Sr. Judge, em 1896, Robert Crosbie preservou o
elo da Segunda Seção do movimento teosófico [com os Mestres], e, em 1907 - apenas 11 anos depois - fez com que
aquele elo se tornasse algo concreto outra vez entre os seres humanos. No ano
de 1909, a terceira seção foi restaurada com a formação da Loja Unida de
Teosofistas.”
John
Garrigues e sua esposa fizeram parte do grupo pioneiro de estudos internos, que
iria florescer a partir de 1909 como LUT. Quando Crosbie e o casal Garrigues
ajudaram a criar este nível mais profundo de estudos, em julho de 1907, Crosbie
tinha 58 anos de idade, e John Garrigues, 38.
Desde
1909 e até a morte de Crosbie em junho de 1919, os dois foram os principais
líderes da Loja Unida. Devido à sua relação pessoal com o ato de escrever,
Garrigues cumpriu um papel decisivo na fundação da revista “Theosophy”, em
1912, assim como no seu trabalho editorial.
Jerome
escreve:
“Conta-se
que Crosbie e John eram muito diferentes. A eloquência de John e a sua
personalidade brilhante faziam com que muita gente pensasse que ele era o
‘principal fundador’, quando na verdade Crosbie era o líder. Robert Crosbie não
queria chamar atenção para si. A vida de John mudou inteiramente graças a
Crosbie. John era profundamente devotado a Crosbie, mas Crosbie evitava ficar
em destaque. Por isso muita gente que assistia palestras e participava de
reuniões pensava que JG era o centro da roda.”
Reunindo Dinheiro Para Uma Causa Nobre
A
maior parte dos teosofistas precisa manter uma vida ativa no mundo das formas,
assim como no mundo da realidade interna. Para Garrigues era fácil lidar com o
mundo externo, e ele colocou todos os seus talentos a serviço da Causa
teosófica. Ele podia obter honestamente grande quantidade de dinheiro, e o seu
exemplo não é o único.
Em
sua Autobiografia, o líder indiano Mohandas Gandhi escreveu sobre um amigo seu,
chamado Raychandbhai, que era conhecido como Shatavadhani ou “alguém que tem a capacidade de lembrar ou prestar
atenção a cem coisas ao mesmo tempo”. [7]
Raychandbhai
levava uma intensa vida profissional envolvendo grandes somas de dinheiro
enquanto mantinha uma atitude contemplativa diante deste e de outros aspectos
da vida ao longo do dia.
“As
decisões comerciais de Raychandbhai envolviam centenas de milhares”, escreveu
Gandhi. “Ele era um profundo conhecedor de pérolas e diamantes. Nenhum problema
de negócios era demasiado difícil para ele. Mas todas estas coisas estavam fora
do centro em torno do qual a sua vida girava.” O centro da vida dele era a
meditação na presença divina. Tendo uma memória prodigiosa, Raychandbhai
fascinava Gandhi por seu “enorme conhecimento das escrituras, seu caráter sem
manchas, e sua paixão ardente pela autorrealização.” [8]
Garrigues
tinha uma capacidade semelhante em relação a fatores aparentemente
contraditórios como sabedoria universal e decisões sobre dinheiro, ou memória
do plano físico e contemplação profunda. Ele ajudou na construção da Loja Unida
de Teosofistas tanto nos seus aspectos externos como na sua estrutura
interna.
JW
escreve:
“Garrigues
era um gênio em questões financeiras. Sua especialidade era analisar a situação
de empresas falidas (ou quase) e dizer o que devia ser feito. Ele financiou a
parte oeste do prédio da Loja Unida em Los Angeles do seu bolso particular. Ele
também faliu mais de uma vez no processo de levantar dinheiro para a LUT.”
O
testemunho prossegue:
“John
tinha uma memória fotográfica. Lembrava perfeitamente qualquer coisa que já
tivesse lido alguma vez, inclusive ‘A Doutrina Secreta’. Suas palestras eram
fascinantes. Costumava pegar uma passagem muito difícil da D.S. (de memória), e
quando terminava sua explicação com muitos níveis de pontos de vista, mesmo as
pessoas mais simples sentiam que haviam compreendido o que a passagem dizia.”
A
aparência pessoal é outro assunto em que Garrigues mostrava uma habilidade de
combinar os aspectos internos e externos da realidade. Jerome Wheeler acrescenta:
“Quando
a loja [da LUT] começou, ele sempre usava fraque formal com caudas (versão
clássica do smoking). Depois de muitos anos ele adotou um smoking informal.
Mesmo quando eu ingressei, em 1963, eles ainda usavam casacos pretos. Agora
eles são totalmente informais!” Quanto a meios de transporte, “ele começou
usando uma limousine com chofer, depois passou gradualmente para um carro
normal com motorista, e nos anos finais ia para a loja com outros teosofistas.”
Um Advogado em 90 Dias
Garrigues
estava disposto a enfrentar desafios na vida profissional, conforme JW informa:
“Em
certa ocasião ele abriu um processo judicial contra uns cristãos fanáticos que
estavam tirando dinheiro de uma companhia petrolífera para os seus esforços
missionários. Em certo momento do processo ele pediu para ver os livros da
contabilidade. Ele tinha uma capacidade tremenda de conhecer a situação de uma
companhia simplesmente olhando a sua contabilidade. O juiz recusou o pedido.
Alegou que ele não era um advogado e que só conselheiros legais tinham o
direito de examinar evidências. Ele pediu um adiamento de 90 dias e voltou à
Corte com o título de advogado. Seu filho disse que foi difícil viver com ele
durante aqueles 90 dias, porque ele estudava livros de direito mesmo quando
estava fazendo a barba!”
A
vida é probatória. A publicação em 1925 do livro de JG “The Theosophical Movement -
1875-1925” foi um sucesso, mas a Sociedade Teosófica de Adyar não gostou
daquele relato franco sobre a traição e a lealdade na história do movimento
teosófico. JW escreve:
“Quando
a S.T. de Adyar ameaçou processar a editora que publicou ‘The Theosophical Movement -
1875-1925’, Garrigues escreveu ao editor E.P. Dutton garantindo que o
livro era autêntico e tinha dados para comprovar cada uma das suas páginas. A
Sociedade Teosófica desistiu do processo judicial.”
Na
década de 1930, outro desafio surgiu quando um grupo começou a usar
indevidamente o nome da LUT e a sua Declaração. JW informa que Garrigues
“começou um processo judicial em defesa da LUT e venceu, mas durante o processo
alguém perguntou a quem pertencia a LUT, e Garrigues foi registrado como seu
proprietário.”
O
episódio é narrado na revista “Theosophy”:
“No
início de 1937, dois indivíduos que haviam assinado cartões de associados da
Loja Unida de Teosofistas registraram de acordo com as leis da Califórnia uma
organização chamada ‘A Loja Unida de Teosofistas,
Ltda.’. Além desta distorção do propósito original da associação não
formalizada que Robert Crosbie fundara em 1909, estas pessoas adotaram a
‘Declaração’ da L.U.T. e o formulário através do qual cada membro da L.U.T. se
torna um associado registrado. Para proteger o nome da Loja Unida de
Teosofistas e impedir a distorção perante o público dos seus ideais, seus objetivos,
seu método e ensinamento, foi promovido por parte de um grupo de estudantes da
L.U.T. um processo contra a corporação e os seus dirigentes. Depois de
numerosas postergações (….), a sentença foi dada a conhecer dia 25 de março de
1938.”
A
sentença dizia:
“Os
requerentes merecem um julgamento contrário aos requeridos …. e que estes
últimos e cada um deles estejam permanentemente intimados e para sempre
impedidos de usar o nome ‘Loja Unida de Teosofistas’…..” [9]
B. P. Wadia Era um Irmão para Garrigues
Quanto
à vida de família, Jerome escreveu:
“Não
se sabe muito sobre a sua vida externa. Muitos dos seus parentes passaram a
fazer parte gradualmente da loja, incluindo o seu irmão (que era um grande
orador em São Francisco), sua irmã e outros. Ele era casado e tinha um filho.”
A
sabedoria de Garrigues era percebida por outros teosofistas e o relato feito
por JW em 2005 informa:
“O
sr. B.P. Wadia, depois que voltou para a Índia, costumava insistir com
veemência que John era um dos que SABIAM. As lojas indianas e europeias da LUT
surgiram quase todas da inspiração interior de Wadia e do seu apoio financeiro,
também.”
Além
de ter uma “personalidade exuberante”, Garrigues sabia como trabalhar em
equipe. Em seu bem conhecido ensaio biográfico sobre B. P. Wadia, Dallas
TenBroeck escreveu:
“[O sr. Wadia] costumava dizer que o John
Garrigues e ele eram como dois irmãos. Um podia escrever a primeira parte de um
artigo e o outro concluir o texto, sem que a diferença fosse percebida. Ou
podiam dividir a tarefa de escrever uma série de artigos, redigindo
alternadamente.”[10]
As
aparências não eram a prioridade para John Garrigues, segundo informa JW:
“Ele
tinha a fama de possuir temperamento forte. Eu acho que esta era uma avaliação
superficial. Ele era obviamente um guerreiro. Fazia um ‘show’ se alguém dizia
coisas idiotas. No entanto, a raiva descontrolada destrói o astral, e penso que
este aspecto da sua natureza era uma ‘performance externa’. Uma vez, durante
uma das suas palestras, alguém na multidão perguntou, ‘se os peixes podem recuperar seus órgãos, porque você não pode fazer o
seu braço crescer outra vez?’ ”
Garrigues
havia sofrido um acidente quando jovem e perdera um braço. JW prossegue:
“Ele
respondeu a esta pergunta com voz muito serena e grande paciência, embora a
audiência em geral tenha ficado chocada com a questão.”
Garrigues
observava com atenção os esforços para desvalorizar o trabalho de líderes
através do estratagema de definir a imagem deles a partir de alguma imperfeição
pessoal.
No
artigo “A Liderança do Exemplo” (“The Leadership of Example”), ele escreveu:
“Há
grande quantidade de livros sobre liderança, incluindo estudos sobre os grandes
‘líderes’ militares do mundo, como Napoleão, Alexandre o Grande, e Tamerlane, e
tratados que analisam grandes figuras literárias como Poe, Dickens, Hugo e
Flaubert. A tendência na biografia moderna é mostrar as fraquezas destas
personalidades; e mesmo mostrar em alguns casos que as suas próprias fraquezas
as levaram à fama. Napoleão tinha apenas um metro e 60 centímetros de altura;
daí surgiu sua ambição de dominar os que eram mais altos! O braço atrofiado do
imperador alemão era a real motivação para a sua busca de glória.”
O
artigo prossegue:
“Mas
o que dizer dos líderes espirituais? A psicologia moderna busca honestamente
por algum motivo ignóbil para ‘explicar’ até mesmo os grandes Instrutores. E
como nenhum homem conhecido no mundo está livre de toda imperfeição, é sempre
fácil assinalar algum atributo ou qualidade como a ‘razão’ da grandeza. Jesus
não tinha o sangue totalmente judeu. Ele era pobre e teve que suportar os
insultos e as injustiças que os pobres sofrem. Por isso ele transformou a
pobreza e a humildade em virtudes. Ele declarou que desprezava as distinções de
raça, credo, sexo, condição social e organizações; e isso é um simples
‘mecanismo de defesa’, afirma-se. Mas será que este ‘desmascaramento’ da
história pode explicar o motivo pelo qual milhares de pessoas que nasceram nas
mesmas condições não puderam alcançar a mesma grandeza? Tais teorias deixam
inteiramente de lado o fato de que a mensagem dos líderes espirituais do mundo
é sempre a mesma. Parte do trabalho do movimento teosófico em seu ciclo atual é
reunir os inúmeros ensinamentos espirituais e mostrar a sua identidade comum.”
E podemos
ler, alguns parágrafos mais adiante:
“Como
pode um líder ser grande por causa de alguma fraqueza, combinada com uma forte
ambição pessoal de dominar? Um verdadeiro líder é grande porque ele evoca
sempre o espírito do homem; porque a sua fé na onipotência do espírito é suprema. Sua voz é universal, e todos
que a escutam são elevados em alguma medida a uma união com a verdade.” [11]
Mantendo as Pessoas Alertas
JW
informa que Garrigues “deu as palestras de domingo à noite em Los Angeles todas
as semanas, até dois anos antes de sua morte em 1944”.
E
acrescenta:
“As
transcrições de aulas dadas por ele e intituladas ‘Point Out the Way’, mais
tarde transformadas em livro, provavelmente foram feitas por pedido de vários
estudantes. Garrigues também mantinha em dia a correspondência de toda a loja
externa da LUT.”
Foi
JW que reuniu as transcrições em um só volume, “Point Out the Way”.[12] Em seu principal testemunho sobre
Garrigues, podemos ler:
“Ele
gastava muita energia tentando chocar as pessoas de modo a fazê-las pensar, e
uma ou duas vezes colocou ideias que eu deixei de lado como apêndices e rotulei
como ‘coisas que perderam validade’.”
O
teosofista norte-americano Gabriel Blechman conheceu Garrigues pessoalmente, e
foi o primeiro a escrever um testemunho público sobre ele. Gabriel disse que
Garrigues era chamado de “JG” pelos amigos, e os jovens da LUT de Los Angeles o
chamavam de “tio John”.
“Minhas
primeiras memórias de JG”, contou Gabriel, “foram do período anterior ao começo
da Escola de Teosofia. Ele tratava os jovens de uma maneira amigável. Falava no
nível de compreensão próprio deles sobre vários objetos naturais que estavam
numa estrutura para exposição feita de vidro, ou sobre qualquer coisa que
alguém trouxesse. Ele nos fascinava com coisas interessantes mas despercebidas,
de todos os reinos da natureza. Nem notávamos que lhe faltava um braço. Eu e as
outras crianças esperávamos com ansiedade pelas conversas com JG, anteriores às
aulas. Ele nunca agia como se fosse alguém importante. Não tínhamos qualquer
noção do caráter decisivo do seu trabalho entre os adultos. Fazendo uma revisão
daqueles anos, a sua atitude me faz lembrar daquela frase em ‘Luz no Caminho’ sobre o estudante ideal
do conhecimento oculto: ‘O poder que o discípulo deve desejar é o poder que o
fará parecer nada aos olhos dos homens’.” [13]
Gabriel escreveu:
“JG gostava de
provocar um choque nas pessoas, para fazê-las sair do que detectava como um
estado de preguiça e rotina. Na época eu não percebia isso. Um dia ele
perguntou de modo casual se eu sabia por que no velho Oeste as pessoas que
ingeriam bebidas alcoólicas nunca misturavam suas bebidas. Eu pensei comigo: ‘Como um teosofista pode falar de modo tão
descuidado sobre algo que desaprovamos?’ Não lembro da explicação agora,
mas penso que era correto e fazia sentido para as pessoas que bebiam álcool.
Permaneci perplexo durante algum tempo. Outros viram o comentário de JG com
naturalidade porque conheciam melhor o estilo dele.”
“Dizem que as suas
palestras nos domingos à noite eram apresentadas em um tom de voz baixo e
sereno, mas com frequência ele dizia algumas poucas palavras com voz muito
alta. Quando lhe perguntaram sobre isso, ele disse que era para acordar as
pessoas que ele poderia ter feito adormecer. Isso mostrava um bom sentido de
humor assim como uma consciência da reação da audiência diante do que ele
estava dizendo. Sua tática era provocar um choque similar ao produzido pelos
seus comentários sobre mistura de bebidas alcoólicas. Ele mantinha as pessoas
alertas de modo que elas pudessem responder ativamente ao que estava
acontecendo.” [14]
Há
sempre mais de um ponto de vista para olhar uma pessoa. Uma estudante de Los
Angeles, tão experiente como JW, mandou-nos amavelmente o seu testemunho sobre
a vida de JG. Numa mensagem individual de 17 de setembro de 2011, ela escreveu:
“Na
minha família todos conheciam bem JG e trabalhavam com ele, mas ninguém jamais
pensou que ele tinha um temperamento difícil - longe disso.”
John
Garrigues morreu dia 24 de maio de 1944, às 8h15m da noite. Naquele momento o
resultado da Segunda Guerra Mundial era claro e o triunfo da democracia já
podia ser visto como inevitável.
A
vitória das Nações Unidas contra o nazismo foi declarada oficialmente em 1945
no mesmo dia e mês em que, durante o ano de 1891, H. P. Blavatsky concluiu sua
missão: oito de maio.
O
ano de 1945 completava sete décadas desde a criação do movimento teosófico em
1875. Depois da vitória da democracia, a sede geral das Nações Unidas foi
estabelecida em Nova Iorque, a mesma cidade em que H.P.B. havia fundado o
movimento teosófico.
NOTAS:
[1] “O Primeiro Passo Adiante” pode ser facilmente encontrado nos websites da Loja Independente de Teosofistas. Em outro artigo, Garrigues faz um exame do problema do desânimo e as alternativas para ele: “A Energia da Luz e da Esperança”.
[2] “Point Out the Way” (“Mostra o
Caminho”), de John Garrigues, é um texto datilografado e mimeografado, com 211
páginas, que reproduz notas estenográficas feitas durante palestras informais
sobre o livro “O Oceano da Teosofia”, de W.Q. Judge. As palestras foram dadas
durante o começo da década de 1930 na LUT de Los Angeles.
[3]
“The Theosophical Movement - 1875-1925” (autor
anônimo), copyright
1925, E. P. Dutton & Company, 705 pp., EUA.
[4] Veja em nossos websites associados a coleção “The ULT Day Letters, 1931-1960”. As cartas anuais deixaram de ser publicadas em 2011.
[5] “From the Book of Images and The Book of
Confidences”, The Cunningham Press, Los Angeles, Califórnia, 1947, 192 pp. A autoria de
“From the Book of Images” é esclarecida pelo sr. Dallas TenBroeck nos Arquivos
que ele partilhou com amigos seus em 2006. As evidências internas do texto
também indicam que ele foi escrito por J. Garrigues.
[6] Sobre as três seções, leia o artigo “Os Sete Princípios do Movimento”, de Carlos Cardoso Aveline. Em inglês, veja “Collected Writings” de HPB, TPH, volume II, pp. 500-501; “The Theosophist”, Índia, April 1880, p. 180, item X e outros; e “Rules and Bye-Laws [of the Theosophical Society] as Revised in General Council at Bombay”, February 17, 1881, em “The Theosophist”, Adyar, June 1881, Supplement, especialmente o item X.
[7] Em um livro de 2009, o
norte-americano Donald J. Trump dá a esta função da consciência o nome de
“concentração multinível”. Ao discutir a natureza da mente criativa, Trump
afirma: “A inovação acontece a partir da intersecção das ideias: pensar em
termos musicais enquanto escuta os seus limpa-pára-brisas, pensar
simultaneamente em hotéis-torre e condomínios, ou observar uma pedra a rolar e
imaginar uma roda. Quem sabe qual será o resultado? Umas vezes será fantástico
e outras não, mas põe a mente a funcionar em novas dimensões que ocasionalmente
poderão revelar-se úteis. Isso também pode acontecer quando não estamos
deliberadamente a tentar ser inovadores, de modo que a outra técnica a
empregar, a nível consciente e inconsciente, é manter uma mente aberta.”
(“Pense Como Um Campeão”, Donald J. Trump, com Meredith McIver, Gestãoplus,
copyright 2009, Lisboa, Portugal, 163 pp., ver pp. 18-19.) O que Trump escreve
sobre o funcionamento criativo da mente aberta está ligado à capacidade de
perceber o mundo com base na Lei da Analogia, da qual Helena Blavatsky fala em
“A Doutrina Secreta” e outros escritos.
[8] “An Autobiography, or the
Story of My Experiments with Truth”, M. K. Gandhi, Penguin Books, 1982, Part
II, Chapter 1, pp. 92-93.
[9] “Theosophy” magazine, Los Angeles, May 1938, pp.
335-336.
[10] Do artigo “B.P. Wadia, a Life of Service to Mankind”, de Dallas TenBroeck. Veja os parágrafos que estão sob o subtítulo “1922-1927”.
[11] Veja “The Leadership of Example”, de John Garrigues. O texto foi publicado pela primeira vez na revista “Theosophy”, de Los Angeles, em dezembro de 1939, pp. 69-71.
[12] Do item três de uma mensagem
individual datada de 5 de dezembro de 2005.
[13] Veja “Luz no Caminho”, de M.C.,
The Aquarian Theosophist, Portugal, 2014, 85 pp., ver p. 23, regra 16 da
primeira série de regras.
[14] Do artigo “My Memories of John Garrigues”, de Gabriel Blechman.
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