Unidade e Contraste
Entre Dois Aspectos da Vida
Carlos Cardoso Aveline

A antiga Igreja da
Misericórdia em Santa Maria da Feira, Portugal
De tempos em tempos surge a seguinte pergunta: até que ponto a teosofia considera o eu pessoal como algo insignificante ou desprezível?
Como instrumento, o pequeno eu é de fundamental importância, e deve ser muito bem tratado. Ele só é realmente insignificante quando pretende ocupar o lugar da Alma Imortal, que constitui ao mesmo tempo a essência, a fonte e o destino final da sua própria existência como “eu” mortal.
Uma causa básica do sofrimento está no hábito de olhar para o transitório como se fosse permanente, e para o permanente como se fosse transitório. A análise da confusão entre o perene e o perecível explica a relação de causa e efeito entre ignorância e dor.
Pensemos por exemplo no processo da reencarnação, com suas várias etapas, desde o minuto em que ocorre a morte física, passando pelo kama-loka e o devachan, até o reencontro - de mil a quatro mil anos depois - com o carma acumulado das existências anteriores. Este reencontro causa o renascimento. E o mero fato de estudar com calma um tema como este liberta o estudante das camadas mais profundas do medo da morte. Ele fica então mais livre para ver sua atual encarnação como Instrumento de algo maior.
Quando o estudante percebe de fato em si mesmo aquilo que é eterno e aquilo que é passageiro, ele passa a tomar providências práticas para colocar sua vida menor - a vida física do eu inferior - a serviço da vida maior, a vida do seu Eu interno. Vejamos outro exemplo do confronto entre o perene e o provisório.
Quando uma pessoa com mais de 40 anos fica surpresa e contrariada diante do “seu envelhecimento” - na verdade, o envelhecimento do seu corpo físico -, ela está ficando surpresa com algo muito óbvio, porque sabe que todos os corpos físicos envelhecem e morrem. Por que há surpresa ou contrariedade diante de algo que é tão bem conhecido? Por que motivo surgem o assombro e a perplexidade, diante da morte do nosso pai, da nossa mãe, do avô ou avó?
A razão é simples. Sentíamos pré-conscientemente que a essência do ser humano - a essência nossa e a essência dos que são próximos a nós - não envelhece e não morre. Há uma vocação natural para a imortalidade, e ela vem do nível imortal do nosso ser. Por isso a morte surpreende. Mas a vocação de imortalidade só se realizará de fato nos planos superiores da vida.
Há, pois, uma grande linha divisória a perceber: a linha divisória entre o perene e o perecível. A visão desta diferença permite optar pelo que é essencial. Não se trata de desprezar o mundo inferior, mas de adaptá-lo, colocando-o a serviço do eu superior.
Libertado das ilusões, vendo o perene como perene e o transitório como transitório, o eu inferior tem prazer de estar serviço de algo maior do que ele próprio. É isso o que fazem os indivíduos que dedicam sua vida a um ideal. Eles têm prazer de trabalhar por uma causa maior.
A vida física é algo absolutamente sagrado em sua transitoriedade, e sua importância pode ser reconhecida quando a vemos como uma experiência indispensável para o avanço da alma espiritual.
A tarefa evolutiva da humanidade de hoje é fazer a ponte entre o espiritual e o físico. Os dois são necessários: a vida é a reunião cíclica do eterno com o transitório.
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O artigo acima está disponível nos websites da Loja Independente de Teosofistas desde setembro de 2016. Uma versão inicial dele faz parte da edição de setembro de 2009 de “O Teosofista”. Título original: “Optando Entre o Perene e o Perecível”.
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Helena Blavatsky (foto) escreveu estas palavras: “Antes de desejar, faça por merecer”.
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