Um dos Primeiros Estágios da Jornada
Gilmar Gonzaga
John Garrigues (esquerda), Helena Blavatsky e Swami Vivekananda
A concentração, como teoria e como método prático, é
tema central nos grandes tratados existentes sobre Raja Ioga.
Dada a
magnitude do assunto, um aspirante à senda do Ocultismo que considere a
possibilidade de abordá-lo em um artigo pode se deparar, em um primeiro
momento, com a ideia de que tal empreitada é demasiado ousada, uma vez que o
entendimento da questão exige um aprofundado estudo prévio, de preferência
alicerçado pela vivência. E isso é um fato.
Não
obstante, ao colocar à prova o objeto da tarefa o autêntico buscador romperá a
tendência à inércia em si, e ao voltar a atenção para o tema perceberá que a
própria concentração da mente no trabalho atua na ampliação da sua abrangência e
estabelece conexões com os níveis internos até então eclipsados pela predisposição
limitadora.
Essa
experiência, por si só, corrobora a veracidade do que se quer demonstrar, no
que concerne ao poder da concentração. O limite deixa de representar obstáculo,
uma vez que daí decorre a convicção de que a expansão do entendimento é
possível para quem se propõe a avançar firmemente na demanda. A concentração é
o método adequado.
As
reflexões que serão apresentadas a seguir expressam, em parte, as simples
interpretações do autor deste artigo acerca da bibliografia pesquisada, mas
também alguns frutos do entendimento obtido a partir de esforço próprio e um
pouco da percepção resultante da sua experiência até o momento. Para atenuar
essas restrições, o artigo é enriquecido com citações de trechos de textos
escritos por almas mais avançadas no Caminho.
O estudo
refletido de um tema dessa natureza exige uma ideia geral acerca do amplo processo que caracteriza a Jornada conhecida
como Raja Ioga ou Ioga Real. Nesse sentido, vale citar Swami Vivekananda, uma
autoridade reconhecida no assunto:
“A
ciência da Raja Yoga quer fornecer aos homens o meio de estudar o que se passa
interiormente neles. Indica-lhes um instrumento que é a própria inteligência. A
potência da atenção convenientemente conduzida e dirigida para a vida interior,
há de nos permitir analisar nossa alma e esclarecer muitos fatos.”
“Que o
homem se convença de que nunca morre, e já não terá medo da morte. Que ele
saiba que é perfeito, e já não terá desejos vãos; suprimi estas duas coisas,
matareis a miséria; criareis a felicidade perfeita, mesmo durante a vida
atual.”
“Para
conquistar este poder, só existe um método: a concentração.”
“A que
devemos toda a ciência adquirida até hoje, senão à concentração das forças do espírito?
(...) O poder da inteligência humana é sem limites.”
“Aumenta
a concentração; é o segredo.” [1]
As
afirmações acima são significativas. O entendimento correto do que significa concentração nesse contexto representa a
chave para se avançar com segurança na Senda.
Outro
pensamento, resultante das ideias contidas na citação, é que em Raja Ioga a
atenção é dirigida para os aspectos internos da realidade, a ser conhecida pelo
aspirante a partir de si próprio, e que os instrumentos necessários para
realizar essa tarefa hercúlea estão também no interior do indivíduo. Entretanto,
por meio do estudo podemos concluir que essa mudança de polarização da mente
(dos níveis ou planos externos para os internos) é algo complexo e é nesse
esforço que a concentração deve ser treinada.
Para que
a atenção do aspirante se volte com relativa facilidade para o “Oculto”, a
desidentificação com o mundo material é uma necessidade que consiste em um
difícil processo gradual, e pode ser caracterizada pela simplificação das
relações com os aspectos mais grosseiros do mundo exterior, incluindo os
sentidos físicos e suas sensações, e a migração dos interesses para os aspectos
mais sutis do mundo interior.
É
relativamente fácil constatar que os estágios iniciais do contato mais
consciente com a Raja Ioga, na época atual, passam pelo estudo concentrado da
boa literatura existente, considerando que a instrução presencial física dificilmente
ocorre nesse estágio. Além de fornecer uma base conceitual e um mapa de
referência, a literatura correta dota o aspirante de uma ideia ampla acerca do
processo que caracteriza essa Jornada. O estudo de obras reconhecidamente fiéis
ao essencial da filosofia e das práticas relacionadas à Ioga Real aponta também
o esquema operacional a ser seguido pelo candidato sincero, a partir de um
método por meio do qual ele deve se preparar para as fases mais avançadas da
Jornada “morro acima” ou “caminho adentro”.
Carlos
Cardoso Aveline escreve:
“A ‘ioga real’ é um tema recorrente no trabalho da Loja
Independente de Teosofistas. Estamos construindo um enfoque que valoriza vários
autores sem adotar nenhum deles como o autor preferencial. Este foi também o
enfoque seguido por Blavatsky e, creio, pelos Mestres no que tange a discípulos
leigos: a abordagem eclética, o processo aberto, porque a Raja Ioga não é algo
que pode ser abordado como se bastasse adotar e recomendar um determinado
‘livro didático’. Todos os caminhos do autoconhecimento levam ao
autocontrole que é a meta da Raja Ioga, e são eficazes se estiverem combinados
com ela.” [2]
Sobre a
questão do método, Vivekananda afirma:
“Cada ciência pede uma preparação, um método
próprio, e enquanto não nos conformarmos com ele, não chegaremos a compreender
essa ciência; sucede o mesmo com a Raja Yoga.” [3]
No âmbito
da Teosofia Clássica, o método ou o conjunto de técnicas sintetizado nos
Aforismos de Ioga de Patañjali tem sido adotado e indicado como uma forma
segura de avançar na Senda da “Ioga Real”. Essa obra foi traduzida e comentada
por diversos autores e aqui vale a afirmação de Aveline citada anteriormente,
no que concerne à multiplicidade de abordagens.
Cabe ao
estudante usar o seu discernimento, função que é resultante e indutora no
processo de concentração.
Por meio
do estudo da filosofia que fundamenta os Aforismos de Patañjali e outras obras
importantes, podemos identificar as causas dos condicionamentos mentais e o
método para libertar a consciência desses condicionamentos.
Segundo uma
compreensão possível desse método, o processo que conduz ao êxito na prática da
Raja Ioga passa por diversos estágios gradativos, que iniciam pelo
fortalecimento do caráter do aspirante na busca do desenvolvimento de uma
elevada moral. Por meio do desapego ou da renúncia aos objetos de desejos e
pelo cultivo das virtudes exigidas para o avanço no Caminho, poder-se-á lidar
de forma equilibrada e altruísta com as faculdades latentes, que serão
desenvolvidas natural e progressivamente. Em Raja Ioga, o estímulo para a autorrealização
não deverá ser a aquisição ou ativação dessas faculdades latentes. De acordo
com Carlos Aveline:
“A verdadeira Ioga é aquilo pelo qual nos
qualificamos para trabalhar com mais eficiência pelo bem da humanidade.” [4]
Os
estágios iniciais na Senda da Ioga exigem diversos níveis de concentração. Uma
condição que parece ser necessária nessa fase é a presença da consciência
capaz de observar imparcialmente o processo interno do aspirante, dirigindo-o e
promovendo os ajustes necessários para a estabilização da mente e do equilíbrio
a partir do centro de paz existente em todas as individualidades. Esse estado
de consciência pode ser visto como um despertar e é possível que parte
significativa da humanidade já se encontre nesse estágio.
A partir
do reconhecimento dessa instância da consciência e da devida atenção dada a
ela, segue-se possivelmente o que John Garrigues considera como a necessidade
de cada indivíduo “encontrar o seu lugar”
ou o “ponto de equilíbrio”; e, uma
vez encontrado, a necessidade de adotar a atitude de “fazer os ajustes adequados dentro de sua própria esfera”. [5]
Penso que
esse estágio de desenvolvimento da consciência representa o encontro de si em
si ou, de si consigo mesmo: a identificação em si daquilo pelo qual se
estava procurando fora. Isso significa não só encontrar o centro de
equilíbrio ou “lugar”, mas o estágio ou grau de desenvolvimento “num plano que não é demasiado elevado, nem
demasiado baixo”. [6]
O método de
autolibertação por meio da estabilização da mente induz à mudança do polo de
atenção - até então predominantemente externo - para dentro, a partir do centro
de equilíbrio. Para tanto, faz-se necessário um tremendo esforço.
Portanto,
parece ser correto afirmar que a concentração está na ordem direta do
fortalecimento da Vontade, que funciona nesse caso como um verdadeiro
“estabilizador mental”. Cardoso Aveline afirma em seu artigo “Atuando no Plano
das Causas”:
“O Desejo de cada indivíduo tem uma relação
preferencial com os efeitos, assim como a sua Vontade ativa está relacionada
com o mundo das Causas. Os Sábios e os Ocultistas seguem a lei da conservação
da energia e focam seu esforço central nas Causas, para não perder demasiado
tempo com aquilo que dificilmente pode ser mudado ou evitado - os efeitos.” [7]
A
abordagem experimental pode conduzir à percepção da concentração, em seus
aspectos iniciais, como um ajuntamento ou uma redução gradativa daquele
afrouxamento que faz com que fiquemos à deriva, perdidos na vida, perseguindo
miragens no deserto.
O
ajuntamento se dá em diversos níveis do ser, podendo, por isso, ser chamado de
alinhamento. Trata-se, no plano mais evidente, do recolhimento dos fios de
atenção que nos mantém mentalmente conectados com as marés oscilantes do mundo
superficial; e da fixação da consciência no ponto de equilíbrio caracterizado
pelo nosso “lugar”. Encontrado o equilíbrio, por intervenção da vontade,
avança-se para dentro.
A
respeito da Vontade, Helena P. Blavatsky escreveu:
“A maior
parte dos humanos vive no desejo e através do desejo, confundindo-o com a
vontade. Mas aquele que quiser vencer deve separar a vontade do desejo, e fazer
com que sua vontade predomine; porque o desejo é instável e muda o tempo todo,
enquanto a vontade é firme e constante.”
“Tanto a
vontade como o desejo são absolutamente criadores, e formam o ser humano e
também o ambiente ao seu redor. Mas a vontade cria de modo inteligente, e o
desejo cria de modo cego e inconsciente. O homem, portanto, faz a si mesmo à
imagem dos seus desejos, a menos que ele crie a si mesmo segundo o modelo do
que é Divino, através da sua vontade, que é um produto da luz.”
“A tarefa
do ser humano é dupla: despertar a vontade, para fortalecê-la pelo uso e pela
vitória, torná-la capaz de governar com poder absoluto em seu corpo; e, ao
mesmo tempo, purificar o desejo.” [8]
Tendo
como fundamento essa abordagem, é possível afirmar que o esforço concentrado no
conhecimento e na aplicação prática das técnicas e métodos desenvolvidos em
Raja Ioga abre a “porta” para uma incomensurável Realidade antes ignorada, e
que essa porta está, como sempre, acessível àqueles que são verdadeiros
desbravadores, e estão dispostos a se empenhar pela conquista do eu inferior e pelo
reinado do Eu Superior.
Várias
evidências indicam que uma parcela considerável da humanidade hoje (capaz de
formar uma poderosa massa crítica) está sendo conduzida para essa porta, a qual
foi atravessada por poucos ao longo de milênios.
De acordo
com essa perspectiva, o trabalho da Loja Independente de Teosofistas - que é desenvolvido em diversas instâncias no cenário
da evolução das almas - revela-se extremamente importante. Aparentemente
pequeno, o esforço da LIT contribui de
forma substancial para a vitória dos buscadores da Verdade e para o fortalecimento
das bases de uma civilização fundada na ética e na boa vontade.
NOTAS:
[1] Excertos das páginas 23-24 do
livro “Raja Yoga ou Conquista da Natureza Interna”, de
Swami Vivekananda, Livraria Clássica Editora, 1925. A obra está
disponível aqui.
[2] Trecho da postagem feita
por Aveline no âmbito do Grupo de Estudos dos associados da LIT, no dia 13 de janeiro de 2019.
[4] Do artigo “Bom Senso no Estudo de Raja Ioga”,
de Carlos Cardoso Aveline.
[5] Do texto “O Centro Interno de Equilíbrio”,
de John Garrigues.
[7] De
“Atuando no Plano das Causas”,
de Carlos Cardoso Aveline.
[8] De
“Para Fortalecer a Vontade”, de
Helena P. Blavatsky.
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O texto “Concentração em Raja Ioga” foi publicado em nossos websites
associados no dia 11 de fevereiro de 2019.
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Em 14 de
setembro de 2016, um grupo de estudantes decidiu criar a Loja Independente de Teosofistas. Duas das prioridades da LIT são tirar lições práticas do
passado e construir um futuro saudável.
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