Os Impulsos Destrutivos São Sintomas de
Uma Frustração Profunda, Que Se Deve
Curar
Enrique Pichon Rivière e Ana Pampliega
de Quiroga
Ana Pampliega de Quiroga
e Enrique Pichon Rivière. Enrique viveu entre 1907 e 1977.
0000000000000000000000000000000000000000000
Nota Editorial de 2020
De onde surgem os
papagaios imitadores
de Adolf Hitler, que
usam um discurso de
esquerda ou de direita
e apresentam-se como
socialistas ou
capitalistas, para prometer ao povo
a felicidade através
da destruição, e do ódio?
Ana Pampliega de Quiroga e Enrique
Pichon
Rivière analisam os sentimentos de
frustração dos
cidadãos e mostram como alguns
aventureiros
podem aproveitar-se desta forma de
sofrimento.
Os povos crescem enfrentando e vencendo
crises.
A compreensão liberta da violência. A
paz estimula
a sabedoria. Não deveria ser muito
difícil perceber
um fato básico: a ajuda mútua é melhor
que o rancor.
(Carlos Cardoso Aveline)
0000000000000000000000000000000000000000000000
Durante
os últimos tempos, os jornais, ao mencionarem os acontecimentos de ordem
nacional e internacional, registraram episódios de violência cuja intensidade e
repetição só podem ser explicadas através de uma análise cuidadosa.
O
mundo está submetido em sua totalidade a uma frustração do ser humano na sua
possibilidade de realizar-se. Disso surgem tremendas tensões carregadas de
hostilidade e que contam com um denominador comum: a agressão. Esse medo é hoje
uma enfermidade universal e é contra ele que aparece um mecanismo de defesa: a
violência.
Esta
tensão surge em focos diversos, parciais, em atitudes grupais ou isoladas, mas
que sempre refletem a situação de uma comunidade. Se um homem, como ocorreu há
pouco no Texas, sobe numa torre e assassina dezenas de pessoas a tiros, não se
trata de um mero fato casual. Neste momento ele atua como porta-voz de todo um
grupo. A explosão isolada desta violência é uma maneira de defender-se ou de
postergar a violência universal, que significaria hoje a destruição da
humanidade.
A
violência pode ser definida como uma reação coletiva ocasionada pela acumulação
de frustrações de indivíduos que, em um momento dado, por se identificarem com
um mesmo conflito, adquirem a sensação de pertencer
a um grupo. A agressão, ainda que se manifeste caoticamente, é precedida
sempre de uma etapa de planificação e tende a destruir o que representa a fonte
de frustração ou de medo, seja um objeto concreto ou um símbolo deste objeto. A
violência aponta sempre para uma direção.
Debaixo
desta estrutura de agressão, que de um modo ou de outro se torna coletiva,
encontramos uma agenda incorporada já à nossa cultura e alimentada por dois
fatores assinalados várias vezes ao longo destas notas [1]: a insegurança e a incerteza.
Fenomenologicamente,
o ato de violência é precedido de um período de obscuridade (por isso se fala
de violência cega), como se fosse
esperado o enfraquecimento da censura para produzir o impulso irreprimível da
agressão. Estudando detidamente o fenômeno da explosão da violência, se observa
junto ao período prévio de planificação uma percepção do lugar ou do símbolo de
onde surge o mal-estar, e ao qual se dirigirá o ataque. Para analisar a eclosão
de violência devemos estudar as suas causas, os seus personagens, o campo em
que ela se desenvolve, os objetivos para os quais ela aponta.
Dificilmente
um ato de violência se engana na sua direção; ele toca sempre os valores que o
grupo agressor quer substituir.
Quanto
às causas, a principal é a já mencionada frustração, surgida e continuamente
alimentada através do caráter competitivo da nossa sociedade, pelo caráter
inacessível das fontes de satisfação pessoal [2], um aumento incessante de custo de vida, tendo como resultado
uma expansão da incerteza e do medo do desemprego, somando-se a isto a
impossibilidade de planejar um futuro.
As
diferenças de classe social, as tensões raciais, e as perturbações na
comunicação entre pessoas, classes sociais e instituições, esta situação de
desencontro que alguém chamou de “Diálogo de Surdos”, apenas agravam a
situação.
Estas
diferenças, causa de tensões, têm sido traduzidas no plano internacional em
termos de desenvolvimento e subdesenvolvimento; e o caráter monopolista,
colonialista e imperialista das grandes potências [3] agrava a inveja e a rivalidade em um mundo dividido entre
pobres e ricos, originando-se outra vez esta frustração que leva à violência.
Os
protagonistas deste golpe de violência são, por um lado, os que alimentam situações
de tensão, configurando instituições, atitudes e preconceitos que provocam a
frustração. Por outro lado, eles são combatidos pelas vítimas de uma constante
desilusão.
Uma
das saídas para esta situação de conflito é a escolha de pessoas ou grupos
minoritários sobre os quais se projeta a agressão. Uma vez mais a explosão
parcial permite uma drenagem de
agressividade e trata de salvar a sociedade da destruição total.
Em
um dado momento, pouco importa quem seja o objeto do ódio; é por isso que
Harman Bahr, cinquenta anos antes do nazismo, escreveu:
“Se
não existissem judeus os antissemitas teriam que inventá-los.”
O
mesmo deve-se dizer dos negros, dos adolescentes, isto é, de todas as minorias
com características diferenciadas que em um dado momento desempenham o papel de
bode expiatório.
Esses
grupos que representam o papel de vítimas são minorias às quais cabe
desempenhar o papel de agentes da mudança social, despertando os medos
universais: o medo à perda e o medo ao ataque, e reforçando desta maneira os
fatores que desencadeiam a agressão.
NOTAS:
[1] “Estas notas”:
alusão aos capítulos da obra “Psicología de la Vida Cotidiana”, de
Enrique Pichon Rivière e Ana Pampliega de Quiroga. (CCA)
[2] “Fontes de
satisfação pessoal” - os autores se referem aqui às fontes meramente materiais
de satisfação pessoal, cujo caráter falso e ilusório a teosofia desmascara.
(CCA)
[3] Grandes
potências colonialistas que são tanto “capitalistas” quanto “comunistas”, como
é o caso notável da China nas primeiras décadas do século 21. (CCA)
000
O artigo “Olhando Para as Fontes da Violência” foi traduzido por CCA da obra “Psicología
de la Vida Cotidiana”, de Enrique Pichon Rivière e Ana Pampliega de Quiroga,
Editorial Galerna, Buenos Aires, 182 páginas, 1970, pp. 78-80. Título original: “La
Violencia”. A publicação nos websites associados ocorreu dia 26 de maio de 2020.
000
000