22 de setembro de 2014

A Presença Sagrada Junto a Nós

Uma Oportunidade Diante
De Quem Tem Olhos Para Ver

Carlos Cardoso Aveline



Cedo ou tarde o estudante de teosofia ganha consciência plena da luta entre aquilo que em sua vida é iluminado e aquilo que fica nas sombras e boicota o avanço na direção da luz.

E o estudante se pergunta:

“Como é possível lidar com a sombra e transmutá-la em luz?”

A resposta a esta pergunta não é sempre a mesma. Ela evolui e se transforma à medida que o peregrino avança pelo caminho.  

Como lidar com a sombra passa a ser uma questão urgente porque a ignorância parece ficar mais forte a partir do momento em que o peregrino decide com firmeza buscar a sabedoria. A luz da verdade ilumina tudo, inclusive o acerto, o erro, a vitória, a derrota e a deslealdade, própria ou alheia. O pensamento negativo pode hipnotizar, caso não haja vigilância suficiente. 

A respeito do paradoxo entre luz e sombra, a filosofia esotérica ensina:

“Quando tiveres encontrado o começo do caminho, a estrela da tua alma mostrará sua luz; e por esta luz perceberás como é grande a escuridão em que ela brilha. A mente, o coração e o cérebro permanecem escuros até que a primeira grande batalha tenha sido vencida. Não fiques assustado nem aterrorizado por esta visão; mantém os teus olhos fixos na pequena luz e ela crescerá.” [1]

Esta é a grande arma do estudante.  A contemplação do mundo espiritual permite a inofensividade e a liberdade em relação à dupla infeliz chamada medo / raiva. E também abre espaço para a felicidade, a plenitude, a humildade e a paz.

A chave da vitória está em manter o foco fundamental no que é bom, e, secundariamente, olhar os defeitos e erros com a firme intenção de corrigi-los. 

Tudo depende da intenção: queremos realmente o bem? Que  possamos, então,  buscar em todas as ocasiões o que é belo, justo e verdadeiro.  O foco mental elevado nos permite perceber que, saibamos ou não saibamos, estamos o tempo todo ao lado de uma energia divina. 

A presença sagrada é essencialmente Atma-Buddhi, a Lei Universal, o Mestre interno, a alma imortal, o eu superior. Dormindo ou acordados, atentos ou desatentos, os seres humanos estão sempre diante ou ao lado desta força divina multidimensional. Não há nome ou termo adequado para mencioná-la. A prática  da presença divina consiste na lembrança constante de que, como seres humanos, estamos 24 horas por dia na presença da lei eterna e da inteligência infinita. A ideia é pitagórica e foi absorvida mais tarde  pela tradição mística cristã.

Não é fácil lembrar da inteligência divina ao nosso lado. Mesmo esquecida, a presença sagrada continua ativa na aura do indivíduo e “fotografa” o tempo todo os fatos, agradáveis e desagradáveis. Tudo é registrado pelo carma para o débito e o crédito futuros, segundo escreveu um Mestre.  

Alguns estudantes procuram manter a lembrança constante do caráter essencialmente correto do seu próprio ser, que está, num plano secundário, sujeito a erros e ilusões. Eles lembram durante algum tempo da presença divina e depois esquecem;  e  relembram outra vez;  e assim vão lutando. A cada erro, aprendem mais. Passo a passo, aprendem a receber as vitórias com humildade e as derrotas com autoconfiança.  Deste modo os altos e baixos da “maré cármica” deixam de atingir o caminhante. No entanto, o avanço é de longo prazo. Uma vida inteira não é suficiente para a tarefa.  Algumas encarnações são necessárias para que nasça no Coração e na Mente do caminhante a percepção constante e “instintiva” da presença divina. Então ocorre o amanhecer. 

Durante palestra na década de 1990, um teosofista europeu falou sobre a existência na alma humana de um “homing instinct”, um “instinto de volta para casa”. O que significa a palavra “casa” nesta frase?  A Alma Imortal é a Casa. É da alma espiritual que sai o raio de luz iniciador de cada nova encarnação. E é para a alma espiritual que a alma mortal  volta “instintivamente” após a morte do corpo físico. Na alma imortal o eu inferior descansa, e nela ele se dissolve em paz enquanto dorme como um bebê dorme nos braços amorosos da sua mãe. 

O caminho teosófico faz com que  no tempo certo a “volta para casa” ocorra durante a vida física e enquanto o estudante dispõe de boa saúde, através da descoberta profunda  da sabedoria divina no seu próprio coração e na sua mente. Assim a mente se coloca “instintivamente” a serviço do Coração, que representa em pequena escala o Sol.

Na filosofia esotérica e na astrologia, o coração é uma miniatura do centro do nosso sistema solar. Quando a mente se une ao coração, ambos passam a representar o sol. A auréola dourada em torno da cabeça dos antigos Iniciados Orientais, adotada mais recentemente pelos pintores de santos ocidentais, simboliza este fato - conforme um Mestre de Sabedoria assinala nas Cartas dos Mahatmas.   

De que modo o peregrino pode  evitar o perigo da sombra gerada pela luz do pequeno sol de sua alma? 

Não há necessidade de alimentar medos supersticiosos. A sombra é apenas a lição ainda não aprendida. A sombra é a madrugada que promete o amanhecer. Ela é também a intuição espiritual. É a véspera da luz. Tudo é luz no universo, seja manifestada ou potencial. A “noite escura da alma”,  sobre a qual S. João da Cruz escreveu, constitui a madrugada da iluminação espiritual.

É verdade que toda luz deve enfrentar desafios.  Eles são superados mais facilmente graças à ajuda mútua entre os peregrinos.

Uma vela talvez produza uma sombra se não estiver bem colocada; mas quando temos várias velas acesas,  todo o ambiente fica iluminado e não há  sombras significativas.  Por isso vale  a pena juntar as luzes de diferentes pessoas confiáveis e manter o foco combinado dos pequenos sóis individuais em sintonia com a fonte universal do saber.  

NOTA:

[1] “Luz no Caminho”, de M. C., um tratado clássico sobre o despertar da sabedoria. Tradução, notas e prólogo de Carlos Cardoso Aveline.  Publicado por The Aquarian Theosophist em Aveiro, Portugal, 2014, 85 pp., ver p. 26.

000

Uma versão inicial do artigo acima foi publicada na edição de fevereiro de 2008 de O Teosofista”.

Veja também os textos “A Prática da Presença Divina” e “A Experiência Direta do Sagrado”. A respeito da metáfora da luz espiritual, pense na ideia de olhar o artigo “Um Fósforo Antecipa o Novo Dia”, do mesmo autor.

000 

Sobre o mistério do despertar individual para a sabedoria do universo, leia a edição luso-brasileira de “Luz no Caminho”, de M. C.


Com tradução, prólogo e notas de Carlos Cardoso Aveline, a obra tem sete capítulos, 85 páginas, e foi publicada em 2014 por “The Aquarian Theosophist”.

000