Sete Trechos da Sabedoria Neoplatônica
Carlos Cardoso Aveline
O filósofo neoplatônico Porfírio de Tiro viveu de 233 a 305 da era cristã e
foi aluno de Plotino. A seguir, traduzo e comento sete trechos selecionados da obra
“Carta de Porfírio à Sua Esposa Marcella”.[1]
O livro é um tratado ético. Descreve a vida filosófica e a subida até os
deuses.
Menciono as páginas da edição em inglês entre parênteses
ao final de cada citação. Todas as citações estão em negrito.
Um
*A raiva é estranha
aos deuses, porque a raiva é involuntária, e não há nada involuntário na
divindade. (p.
50)
Aqui poderíamos substituir a palavra “raiva” pela palavra
“medo”, e pela palavra “cobiça”, etc., porque esses sentimentos têm a mesma
substância essencial e facilmente se transformam uns nos outros.
Dois
*A razão nos diz
que a divindade está presente em todas as partes e em todos os homens, mas que
só a mente do sábio é santificada como seu templo, e que a divindade é melhor
homenageada por aquele que a conhece melhor. (p. 46)
Helena Blavatsky, comentando um trecho do Novo
Testamento, escreveu que é quase uma blasfêmia construir e frequentar templos
de pedra, quando o verdadeiro templo deve ser construído na mente e no coração
de cada um. De fato, a filosofia oriental ensina que há diversos espaços no coração humano (assim como
no cérebro). Esses espaços, segundo os Upanixades hindus, são responsáveis
pelos estados superiores de consciência, e são espaços sagrados, conforme
abordei no livro “Três Caminhos Para a
Paz Interior” (capítulo 14).
Não por acaso o poeta brasileiro Augusto dos Anjos
(1884-1914) escreveu, em um dos seus poemas mais claramente inspirados pela
filosofia esotérica:
“Meu coração tem
catedrais imensas, templos de priscas e longínquas datas, onde um nume de amor [2], em serenatas, canta a aleluia virginal das
crenças. (...) Como os velhos Templários medievais, entrei um dia nessas
catedrais, e nesses templos claros e risonhos...”.[3]
Talvez devamos ver os templos de pedra e barro apenas
como metáforas, como símbolos e espelhos
que ampliam imagens dos templos originais, estabelecidos em nossas
consciências.
Três
*Se, portanto, você
sempre lembrar que, onde quer que sua alma caminhe e inspire seu corpo com
atividade, a divindade estará presente e supervisionando todas suas palavras e
ações, então você sentirá reverência diante da presença sutil do espectador, e
você terá a divindade junto a você. (p. 51) (...) Há
anjos divinos e bons espíritos que olham tudo o que é feito, e não podemos
escapar da observação deles. Persuadidos de que isso é verdade, eles [os praticantes da sabedoria] cuidam para não cair, mantendo diante dos
seus olhos a constante presença dos deuses dos quais não podem escapar. E
alcançam um modo sábio de vida, e conhecem os deuses, e os deuses os conhecem.
(p. 52)
Essa é a antiga prática pitagórica da presença divina,
adotada mais adiante pela tradição mística cristã. O hinduísmo, o taoismo e
todas as grandes religiões praticam a mesma técnica de expansão de consciência.
O “Diagrama de Meditação” de H. P. Blavatsky [4] está baseado no mesmo princípio.
Quatro
*A lei divina é
desconhecida pela alma que o desequilíbrio e a falta de moderação tornaram
impura, mas ela brilha no autocontrole e na sabedoria. É impossível transgredir
a lei divina, porque não há nada no homem que a transcenda. (p. 54)
As transgressões, ou erros, serão compensadas pelas
aparentes “punições” cármicas, que na verdade são as lições necessárias para
que os erros não sejam repetidos indefinidamente Assim, o que se planta, se
colhe. A lei divina ou universal provoca o Eterno Autoaperfeiçoamento de todos
os seres, estimulados pela lei do carma.
Cinco
*Nenhum tolo está
contente com o que possui, mas, em vez disso, ele se lamenta pelo que não tem.
Assim como os homens com febre estão sempre com sede devido à sua doença, assim
também as almas mal reguladas estão sempre necessitando todo tipo de coisas, e
experimentam desejos sempre mutáveis através da sua cobiça. (p. 55)
“Nenhum tolo está contente com o que possui”, diz
Porfírio. Isso deveria fazer com que nós pensássemos pelo menos duas vezes
antes de reclamar da vida. Tirar lições e aproveitar oportunidades é uma
atitude mais inteligente.
Seis
*Portanto os
filósofos dizem que não há nada tão necessário quanto saber bem o que é
desnecessário, e que a autossuficiência é o supremo bem, e que é honroso não
pedir nada de homem algum. (p. 56)
A ideia aqui é contar sobretudo consigo mesmo, fazer um
esforço próprio, assumir a responsabilidade sobre sua vida, reduzir a
quantidade de coisas que consideramos necessárias e não tentar viver de carona.
Pode-se pedir ajuda - e deve-se oferecer ajuda também -; mas não é correto
criar dependências desnecessárias.
Sete
*Não devemos acusar
nosso corpo de ser a causa de males, nem atribuir nossos problemas a coisas
externas. Devemos procurar a causa do sofrimento em nossa alma, e, deixando de
lado a busca de alegrias passageiras, devemos ser completamente senhores de nós
próprios. Porque as causas da infelicidade do homem estão no medo e no desejo
ilimitado e vazio. (p. 56)
Aqui, também, o mais importante é ampliar a autonomia e a
independência que decorrem do fato de que estamos em contato com nossa alma
imortal, o eu superior. Neste processo cresce uma serena responsabilidade
própria diante da vida.
NOTAS:
[1] “Porphyry’s Letter to His Wife
Marcella”, Phanes Press, Grand Rapids, Michigan, EUA, 1986, 59 pp. O texto foi traduzido
do grego para o inglês por Alice Zimmern.
[2] Nume: divindade, espírito sagrado.
[3] Augusto dos Anjos, “Obras
Completas”, volume único, Ed. Nova Aguilar, 2004, 883 pp., ver p. 279.
[4] Veja em nossos websites
associados o artigo “Diagrama de Meditação”, de Helena Blavatsky.
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Para acompanhar um diálogo com a sabedoria de vida de grandes pensadores dos
últimos 2500 anos, leia o livro “Conversas
na Biblioteca”, de Carlos Cardoso Aveline.
O livro foi publicado pela Edifurb, de Blumenau, Santa Catarina. Com 170
páginas divididas em 28 capítulos, ele foi publicado em 2007.
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