O Nazismo, o Fascismo e o
Movimento Teosófico Durante o Século
Vinte
Carlos Cardoso Aveline
Carlos Cardoso Aveline

Cena de Londres nos anos 1940, logo
após um bombardeio nazista
“Formar o núcleo de uma
Fraternidade Universal da Humanidade,
sem distinção de raça, credo, sexo, casta
ou cor.”
[O primeiro e principal objetivo do
movimento
teosófico, fundado em 1875 na cidade de
Nova Iorque]
Num mundo ainda
dominado em boa parte pelo fanatismo e por religiões ritualísticas, é natural
que o movimento teosófico - funcionando como uma espécie de extintor
não-violento de ilusões - seja atacado de várias formas, desde fora,
e desde dentro.
Um exemplo de tais ataques são os textos sem base que circulam acusando
o movimento teosófico de ter tido simpatia pelo nazismo ou pelo fascismo. Há
várias fontes ativas de desinformação em torno da questão da teosofia e do
hitlerismo, e parece oportuno trazer algumas evidências sobre a real relação
entre os dois, inclusive no período da Segunda Guerra Mundial.
O nazismo usurpou símbolos sagrados hindus com objetivos egoístas. Os
líderes nazistas praticavam algum tipo de feitiçaria anti-humanitária, e tinham
métodos essenciais em comum com o mal disfarçado “misticismo de ódio e
violência” que foi, desde o século 16,
cuidadosamente desenvolvido pelos jesuítas e usado pelo Vaticano. Naturalmente, o Vaticano sempre foi contra a
teosofia, porque a teosofia propõe a fraternidade universal e denuncia e luta
contra todas as formas de dogmatismo religioso.
Os fatos normalmente falam por si mesmos. Por isso, começaremos
examinando a situação concreta de cada país, durante a segunda guerra
mundial.
* Em maio de 1940, logo após a invasão alemã, a seção holandesa da
Sociedade Teosófica de Adyar foi fechada. As atividades teosóficas na Holanda
continuaram clandestinamente, apesar de estarem proibidas pelos invasores
Nazistas. [1]
* Na Bélgica, a 10 de maio de 1940, houve um intenso bombardeio da
cidade de Bruxelas. Depois disso veio a pilhagem nazista das lojas teosóficas e
bibliotecas privadas. Josephine Ransom escreve que a secretária-geral, sra.
Serge Brisy, fez com o porteiro do prédio uma grande fogueira - enquanto os
ataques aéreos prosseguiam - queimando nela os papéis que poderiam comprometer
os membros. A sra. Serge Brisy refugiou-se mais tarde em Bordéus, durante
alguns meses. Durante a sua ausência, a Gestapo vasculhou sua casa e levou os
seus livros e textos de palestras, e fez o mesmo com os livros da sede da
seção, e das casas de vários membros destacados do movimento teosófico em
Bruxelas, e de presidentes de lojas nas províncias. Em dezembro, a sra. Brisy
voltou. Encontrou a seção fechada. A Gestapo ameaçou em vão com punição, se não
lhe fosse entregue a lista de membros. Os nomes não foram revelados. [2]
* Na França, alguns dias depois que o exército nazista entrou em Paris,
oficiais militares fecharam a sede. Mais tarde eles levaram consigo os
registros, os livros da biblioteca e outros objetos pertencentes à Sociedade de
Adyar. Alguns meses mais tarde, o governo de Vichy [controlado pelos nazistas]
dissolveu a Sociedade e por duas vezes todos os funcionários públicos tiveram
de declarar que não eram membros dela. A Gestapo tomou conta do edifício
sede em Paris e o adotou como centro para os seus Serviços Secretos. [3]
Isto é interessante porque a Gestapo usava procedimentos jesuíticos e
orientados para a feitiçaria, como veremos mais adiante no presente artigo.
Eles poderiam estar interessados em aproveitar algum “magnetismo sutil” criado
pelos estudos teosóficos.
Apesar da ocupação nazista, tiveram lugar na França, clandestinamente,
algumas reuniões de membros da Sociedade de Adyar. O movimento voltou
à vida assim que os Aliados libertaram o país.
* A seção grega da Sociedade de Adyar fez uma declaração aos
teosofistas em todo o mundo, denunciando a invasão da Grécia pela Itália
fascista de Benito Mussolini. [4] Devemos lembrar que o Vaticano -
localizado em Roma - apoiou oficialmente o fascismo na Itália.
* A seção italiana da Sociedade Teosófica tinha sido dissolvida em 1939
pelo governo fascista. Foi mantida alguma atividade informal, e o trabalho
voltou à vida pública em 1946. [5]
* Depois da invasão da Polônia, membros da Sociedade de Adyar na
Hungria ajudaram grande quantidade de refugiados poloneses chegados àquele
país, alguns dos quais eram teosofistas. [6]
* Na Alemanha, o movimento teosófico foi dissolvido e proibido de 1939
a 1945. Somente alguns encontros privados tiveram lugar clandestinamente. [7]
* Na Noruega, todas as atividades teosóficas foram proibidas desde a
invasão do país pelos nazistas em abril de 1940, até à sua Libertação
final em 1945. [8]
* Na Inglaterra, Josephine Ransom relata que o trabalho da Sociedade de
Adyar foi bastante dificultado, embora palestras e classes tenham continuado,
sob intensos ataques aéreos e com algumas bombas caindo tão perto da sede que
janelas e tetos foram danificados. [9]
* No ano novo de 1942, George Arundale, cidadão inglês e, na época,
presidente internacional da Sociedade de Adyar, exortou mais uma vez a Índia a
participar integralmente na guerra contra os nazistas. [10]
* Quanto a C. Jinarajadasa, que desempenhava um papel de destaque a
nível mundial em relação às atividades internas ou esotéricas da Sociedade de
Adyar, L. H. Leslie-Smith escreveu:
“O irmão Raja passou grande parte do período da segunda guerra em
Londres. A cidade havia se tornado
refúgio de muitos governos europeus no exílio,
cujos territórios tinham sido invadidos,
e também se tornou a cidade-sede da Sociedade Teosófica na Europa.
Jinarajadasa viveu na Ovington Square, 33, e
transformou o prédio num centro e foco espiritual de inspiração
teosófica durante os anos negros. De lá, por meio de uma vasta correspondência,
ele dava conforto e encorajamento a membros de todos os países onde ainda existia um serviço postal. Ele trabalhou frequentemente pela noite adentro até às
quatro da manhã, e uma pilha de cartas era deixada no chão para que sua
secretária depois colocasse selos e mandasse para várias partes do mundo.” E Leslie-Smith acrescenta: “Ele cumpriu o papel
de um cidadão corajoso como voluntário no corpo de bombeiros contra incêndios
causados por ataques aéreos. Um exemplo
da sua atitude diante do perigo foi dado uma tarde, quando o presente escritor
estava sentado com ele numa sala do primeiro andar no prédio 33 [da Ovington
Square]. As sirenes soaram dando o aviso de bombardeiros inimigos se
aproximando. Ele registrou o aviso, e nós continuamos conversando. Alguns
minutos mais tarde houve o crescente zunido de uma bomba caindo - ainda
nenhuma reação; depois houve a explosão, não muito distante. A conversa
continuou até a sua conclusão natural, sem que uma pálpebra tremesse.”[11]
A Loja Unida de Teosofistas
* Tanto a Sociedade Teosófica de Pasadena como a Loja Unida de
Teosofistas (L.U.T.) foram fundadas nos Estados Unidos, assim como o movimento
teosófico em seu conjunto. A Sociedade de Pasadena e a L.U.T. são, mesmo agora,
especialmente ativas neste país. Durante a Segunda Guerra Mundial, a revista
“Theosophy”, publicada em Los Angeles por associados da L.U.T., criticou
algumas vezes, na sua maioria em pequenas notas, aspectos e acontecimentos da
guerra. Mostrou como são lamentáveis as guerras em geral. Isto foi feito a
partir da perspectiva filosófica da sabedoria sagrada e da tradição antiga, e
com base nos princípios da não-violência (ahimsa) e da fraternidade universal. [12]
* Desde 1931 e até 2011, todos os anos por volta de 25 de junho o
escritório central da Loja Unida de Teosofistas em Los Angeles enviou uma carta aos seus Associados e amigos ao
redor do mundo. A Carta anual da L.U.T. com data de 25 de junho de 1941 começa
com estas palavras:
“Este ano, no momento em que a nossa saudação anual vai para os membros
da Loja Unida de Teosofistas em todos os lugares, não há certeza de que a
mensagem chegue a seu destino por meios diferentes do correio ‘astral’. No ano
passado, associados de Londres leram a Carta da L.U.T. num porão, enquanto
bombas explodiam por cima; este ano, o seu edifício desapareceu, com a exceção
de duas salas e dos livros, mas as reuniões ainda continuam, o Boletim
de Londres tem sido publicado regularmente, e o trabalho com palestras passou a
ser realizado também em Bath e Salisbury.” [13]
* No ano seguinte, 1942, a Carta anual da L.U.T. expressou um
sentimento de admiração pelos seus associados de Londres:
“Os teosofistas de lá deram um exemplo de coragem na luta moral que o
mundo em geral tanto precisa aprender. Sem ódio, sem desespero, sem condenar
qualquer alma humana, o trabalho de Londres prossegue sob uma tremenda tensão e
dificuldades crescentes. Este é um espírito imortal, digno de um povo valente …”
O texto prossegue comentando a ocupação nazista da Noruega:
“Em outros lugares, em terras que sofrem sob a mão pesada da ocupação,
a vida moral das pessoas cresce forte. Da Noruega, onde já não são possíveis
reuniões regulares, vieram no último verão estas vibrantes palavras; ´… parece que as provações atuais dão às
pessoas uma mente mais aberta e mais capaz de escutar e de compreender; por
isso é maior a possibilidade de um número crescente de pessoas se voltarem para
o estudo da filosofia, e as perspectivas são melhores´.” [14]
* Em 1943 e 1944, as Cartas da L.U.T. deram notícias sobre o esforço
sustentado para manter o movimento teosófico ativo apesar da guerra. A Carta de
1945 saudou o fim da guerra e o progresso da L.U.T. em Londres. A Carta de 1946 anunciou que, depois da
derrota nazista, as reuniões regulares da L.U.T. estavam ocorrendo novamente na
Loja de Paris, assim como em outros lugares da Europa.
Uma Carta de Jean Overton Fuller
A teosofista e autora inglesa Jean Overton Fuller morava perto de
Londres. Autora do livro “Blavatsky and Her Teachers” - uma das principais biografias de H. P.
Blavatsky [15] - Jean escreveu outras
obras biográficas interessantes, inclusive sobre o Conde de St. Germain e sobre
Francis Bacon. Ela viveu uma longa vida de trabalho altruísta e morreu em 2009,
aos 94 anos. Jean não apenas estudou História. Ela a viveu, também. Em 2006, eu
tinha já começado a investigar e documentar a verdadeira relação entre o
nazismo e a teosofia, e pedi-lhe que escrevesse alguns comentários sobre a
Segunda Guerra. Numa carta datada de 27 de maio de 2006, Jean escreveu:
“Caro Carlos,”
“Fiquei contente de ter notícias suas mas chocada ao saber através de
você do aparecimento de um livro, UNHOLY ALLIANCE [16], que acusa a
Sociedade Teosófica de ter inspirado Hitler. Isto é evidentemente um
absurdo.”
“Eu vivi em Londres durante toda a guerra, passando pela Blitz e pelos
mísseis V. Eu trabalhava diariamente das 9 às 5 para um Departamento
Governamental, o Departamento de Censura Postal do Ministério das Informações,
e à noite, três noites por semana, eu trabalhava, primeiro cuidando de pessoas
cujas casas tinham sido destruídas pelos bombardeios, e em segundo lugar como
bombeira treinada de um grupo ligado ao
Corpo de Bombeiros convencional. Se o alarme disparava e era a minha noite de
serviço, eu tinha de levantar da cama e ficar do lado de fora da porta, no
frio, junto com outros, com picareta, balde e uma mangueira… Eu era também
membro da Sociedade Teosófica. A minha adesão data de 1942, e nunca ouvi na
Sociedade qualquer expressão de simpatia pelos Nazistas!”
“Mas, ao pensar sobre o que poderia ter dado a este autor esta ideia estranha
e errada, me ocorreu que o esquema da origem das raças humanas - particularmente
como está estabelecido no livro O SISTEMA SOLAR de A. E. Powell, obra baseada
em textos de Annie Besant e C.W. Leadbeater feitos a partir de pesquisas deles próprios, poderia fazer
com que alguém ficasse demasiado interessado em raças. Tenho certeza de que nem
a sra. Besant nem Leadbeater jamais pensaram em encorajar a discriminação
racial. A discriminação contra alguma raça ou religião estaria em direta
contradição com o Primeiro Objetivo da Sociedade. Mas imagino também de que
modo uma mente como a de Hitler poderia usar estes textos. Fico contente por
ter a sua útil informação sobre o que aconteceu com a S.T. nos vários países
ocupados pelos alemães.”
A Escola Arcana e a Boa Vontade Mundial
* Originada no movimento teosófico e fundada por Alice Bailey, a Escola
Arcana, a “Boa Vontade Mundial” e o seu “Novo Grupo de Servidores do Mundo”
engajaram-se totalmente no apoio ativo aos Aliados durante a Segunda Guerra
Mundial. Bailey criticou até mesmo o pacifismo de Mahatma Gandhi, que, como
ativista, estava bastante inclinado a opor-se aos ingleses, e talvez tenha considerado politicamente proveitoso
não apoiá-los contra os alemães. Ele foi criticado por isso.
Em agosto de 1942, Alice Bailey escreveu sobre “… as atitudes pacifistas, idealísticas e
pouco práticas que hoje encontram seu foco na atitude de Gandhi. Ele revela
claramente uma atitude fanática, imoderada, não-realista e que prefere sacrificar
vidas, nações e o futuro da humanidade para alcançar o seu objetivo.” Ao longo
dos seus escritos durante os anos da Guerra, Bailey descreveu os Aliados e as
nações democráticas como agindo sob inspiração dos Mestres de Sabedoria, e o
Eixo de Hitler como inspirado por sentimentos de ódio e por motivações
destrutivas.[17] Em linhas
gerais, a sra. Bailey estava correta a este respeito. Porque a teosofia
necessita de liberdade de pensamento e de respeito aos direitos humanos.
Jiddu Krishnamurti
* Jiddu Krishnamurti, que afastou-se da Sociedade Teosófica de Adyar em
1929, teve uma posição pacifista radical. Ao descrever os acontecimentos de
1942, sua amiga pessoal e biógrafa Mary Lutyens admitiu:
“Para aqueles que, na Inglaterra, tinham tido orgulho de resistirem de
frente à agressão nazista, e que se sentiram inspirados pela Batalha da
Inglaterra, que fizeram suas as palavras de Churchill e conseguiram de alguma
maneira conter o seu terror durante os bombardeios acreditando apaixonadamente
que estavam enfrentando uma encarnação do mal, era difícil aceitar as
manifestações pacifistas de Krishnamurti, feitas desde um paraíso como Ojai [na
Califórnia], nas vinhas de Martha, ou no Parque Nacional da Sequoia. Lady Emily
evidentemente disse-lhe isso com alguma dureza, e acusou-o de escapar do
horror...”[18]
Este não foi o único erro cometido por Krishnamurti, que, no entanto,
desde 1929 não era membro do movimento teosófico. Ainda assim, seja qual for a
opinião de alguém sobre a atitude pacifista de Krishnamurti, ele claramente não
pode ser acusado de ter simpatia pelo nazismo ou pelo fascismo.
O Ideal Teosófico na Carta das Nações Unidas
* Depois da derrota de Adolf Hitler, a Organização das Nações Unidas
emergiu em 1945 como uma rede global de nações livres. Isto aconteceu
exatamente 70 anos após a fundação do movimento teosófico, a 7 de setembro de 1875. O período de sete
décadas é numerologicamente significativo.
Provavelmente também não é uma coincidência que a O.N.U. está sediada
em Nova Iorque, precisamente a mesma cidade em que foi fundado o movimento
teosófico - seu arquétipo.
* O primeiro e principal objetivo do movimento teosófico, que aponta
para o ideal de Fraternidade Universal, foi claramente adotado pelas Nações
Unidas. O primeiro artigo da Carta das Nações Unidas, que declara os quatro
Propósitos e Princípios da O.N.U., é profundamente teosófico. As metas das
Nações Unidas são:
“1) Manter a paz e a segurança (…); 2) Desenvolver
relações amistosas entre nações (...); 3) Conseguir uma cooperação internacional para resolver os
problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário,
e para promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades
fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião; e 4)
Ser um centro destinado a harmonizar a ação das nações para a consecução desses
objetivos comuns.” [19]
* Desde 1945, a vitória militar dos Aliados tem sido oficialmente comemorada
a cada 8 de maio. Este é precisamente o dia em que H.P. Blavatsky morreu
em 1891, e no qual os teosofistas têm celebrado, desde então, a sua vida e a
sua obra. Veja em nossos websites associados o artigo “Celebrando o Dia Oito de
Maio” . Outra interessante “co-incidência” numerológica está no fato de que Harry
Truman - o presidente dos E.U.A. durante os últimos momentos da guerra - nasceu
exatamente num 8 de maio.
Considerando os fatos mencionados acima, não é difícil chegar
a, pelo menos, uma conclusão.
Sejam quais forem as críticas que tenhamos em relação a esta ou aquela
organização teosófica - e há muitas - o mais simples bom senso manda admitir
que o conjunto do movimento, incluindo a Sociedade de Adyar, é natural e
intrinsecamente favorável à liberdade e à democracia, e contrário a qualquer
desrespeito pela vida humana. O movimento tem uma tendência inerente a
avançar na direção do seu principal objetivo, a fraternidade universal, sem
violência e com respeito pela diversidade dos povos.
Como o Vaticano Deu Apoio a Adolf Hitler
Nos parágrafos anteriores, vimos que o nazismo e o fascismo perseguiram
o movimento teosófico em todas as nações que eles dominaram, antes e durante a
segunda guerra mundial. O movimento só voltou à vida normal depois que Adolf
Hitler e Benito Mussolini foram derrotados pelas nações democráticas.
Vamos agora examinar outro aspecto do problema. Quais eram, exatamente,
as relações entre o nazismo alemão, o fascismo italiano e o Vaticano?
Havia uma tensa, mas íntima, cooperação entre os três. Ela começou no início da década de 1920, como
demonstra o autor John Cornwell no seu bem documentado livro “O Papa de
Hitler, a História Secreta de Pio XII” [20]. O Vaticano também deu um apoio decidido - e
decisivo - à violenta e sanguinária ditadura pró-nazista de Francisco Franco na
Espanha.
Eugênio Pacelli foi o representante do Papa na Alemanha durante os anos
de 1920. Ele se tornaria mais tarde o Papa Pio XII. Pacelli desempenhou um
papel central para que Hitler impedisse que os católicos alemães,
tradicionalmente democratas, resistissem à ofensiva política de Hitler rumo ao
poder absoluto. Graças a Pacelli, assim que Hitler tomou o poder em 1933, o
catolicismo alemão deu ao nazismo um apoio ativo. (A Igreja Luterana apoiava os
nazistas já há algum tempo.)
Em relação à Itália, em 1929 o Papa Pio XI assinou um Acordo
abrangente com o ditador fascista Benito Mussolini. Tudo isto confirma a
existência de mecanismos de ajuda mútua entre a Igreja romana e o
nazi-fascismo.
Não foi por coincidência, portanto, que em 1930 Eugenio Pacelli saiu da
Alemanha nazista para ir para Roma e ali
assumiu o cargo estratégico de Secretário de Estado. Em 1939, Pacelli foi
formalmente eleito como Papa, adotando o nome de Pio XII. John Cornwell relata
que logo depois disso Pacelli escreveu uma amável e atenciosa carta a Adolf
Hitler, renovando o seu compromisso pessoal de manter a “aliança entre a Igreja
e o Estado” na Alemanha, e dizendo que ele continuava tendo “grande interesse
pelo bem-estar do povo alemão, que está sob a sua [de Hitler] orientação.”[21]
Outro historiador, Paul Johnson, escreve o seguinte sobre este mesmo
tema:
“Pio XII, eleito papa em março de 1939, mal podia esperar para enviar a
Hitler uma carta amigável. Ele recusou-se a condenar a ocupação da
Tchecoslováquia uns dias mais tarde, apesar de saber que isto significava que
os católicos tchecos (…) iriam perder de imediato as suas escolas. (…) Em abril
de 1939, protestantes e católicos tocaram seus sinos [na Alemanha] para celebrar o aniversário de Hitler, e o Cardeal
Bertram, o primaz católico, enviou-lhe um telegrama de felicitações.” [22]
Adolf Hitler tinha agora as bênçãos do Vaticano, e elas abriam caminho
para que ele aprofundasse a sua política de assassinatos em massa, e para que a
espalhasse pelo mundo. Contudo, havia um
grupo de cristãos que rejeitava o nazismo. Eram as Testemunhas de Jeová.
Paul Johnson escreve sobre estes seguidores do ensinamento cristão:
“Eles recusaram qualquer cooperação com o estado nazista, a quem
denunciaram como totalmente mau. (…) Muitos foram condenados à morte por se
recusarem a prestar o serviço militar e por incitarem outros a fazerem o mesmo;
outros acabaram em Dachau [ um campo de concentração ] e em hospitais
para doentes mentais. Em uma terça parte dos casos, foram mortos; noventa e
sete por cento deles sofreram perseguição de uma forma ou de outra.” [23]
Vimos acima apenas alguns dados sobre a cooperação entre o Vaticano e
Hitler. Existem muitos mais disponíveis.
Desde uma perspectiva teosófica, devemos lembrar que H. P. Blavatsky e
os seus Mestres combateram e denunciaram radicalmente as políticas do Vaticano,
e em especial dos jesuítas. Basta ler sobre isso nas “Cartas dos Mahatmas para
A.P. Sinnett”. Um bom exemplo é a Carta 74 da edição brasileira.[24]
Nesta carta é feita uma comparação entre os métodos antagonicamente diferentes
usados pelos jesuítas do Vaticano e pelos Mestres de Sabedoria dos Himalaias.
Um dos Mestres escreve na Carta:
“Como eu disse certa vez, eles [ isto é, os jesuítas ]
sabem que o que eles ensinam é uma mentira; e nós sabemos que o
que nós transmitimos é verdade, a única verdade e nada mais que a verdade. Eles
trabalham para maior poder e glória (!) da sua ordem; nós - para o poder
e a glória final dos indivíduos, de unidades isoladas, da humanidade em geral,
e estamos contentes de, ou melhor, somos forçados a deixar nossa
Ordem e seus chefes inteiramente no esquecimento. Eles trabalham, e se
esforçam, e enganam, em função do poder mundano nesta vida; nós
trabalhamos e nos esforçamos, e deixamos que nossos chelas sejam
temporariamente enganados, para dar-lhes meios de nunca mais serem
enganados a partir de agora, e de ver toda a maldade da falsidade e da mentira,
não só nesta vida mas em muitas vidas depois desta. Eles, os jesuítas, sacrificam
o princípio interno, o cérebro espiritual do ego, para alimentar e
desenvolver melhor o cérebro físico do homem pessoal e evanescente,
sacrificando toda a humanidade para oferecê-la em holocausto à Sociedade deles -
o monstro insaciável que se alimenta com o cérebro e a medula da humanidade, e
desenvolvendo um câncer incurável em cada ponto de pele saudável que toca. Nós,
os criticados e mal-entendidos Irmãos, tentamos levar os homens a sacrificar a
sua personalidade - um relâmpago passageiro - pelo bem-estar de toda a
humanidade, portanto pelos seus próprios Egos imortais, que são parte dela, assim como a
humanidade é uma parte do todo integral, ao qual se reunirá um dia. Eles
são treinados para enganar; nós, para desenganar (...)”. [25]
É assim que a verdadeira Teosofia vê o Vaticano e o jesuitismo.
Por outro lado, não podemos deixar de perceber que há uma interessante
ligação “interna” e essencial entre o nazismo de Hitler e os jesuítas. Isto foi
francamente descrito pelo historiador jesuíta Vincent A. Lapomarda no seu livro
“The Jesuits and the Third Reich”.
Citando vários documentos nazistas, Lapomarda parece estar orgulhoso de
trazer evidências indiscutíveis sobre este tema. Ele escreveu, repetindo as
palavras de outro autor:
“Himmler tomou os jesuítas tão diretamente como modelo para a sua SS
que até mesmo Hitler o chamou ‘meu Inácio de Loyola’.”
E Lapomarda relata, ainda:
“Himmler mantinha um castelo medieval, o Wevelsburg, que funcionava, de
certo modo, como um monastério da SS.”
Na mesma página, citando outro autor, o jesuíta admite:
“Hitler não só via a SS como a sua Ordem Jesuíta, mas também insistia
que os nazistas conhecessem os Exercícios Espirituais escritos por S.
Inácio de Loyola, o fundador da Sociedade de Jesus.” [26]
Duas das principais razões pelas quais o movimento teosófico foi
perseguido pelo nazismo e pelo Vaticano são:
1) O movimento foi concebido e criado como um núcleo de Fraternidade
Universal; e
2) A ideia de Fraternidade Universal inspira o seu principal objetivo e
a substância das suas atividades.
A derrota militar nazista foi, desse modo, uma severa derrota política
para o Vaticano. Desde o fim da II Guerra Mundial, os jesuítas nunca mais
recuperaram a influência que eles tinham antes de Hitler e Mussolini, ou
durante os anos em que o nazi-fascismo desenvolveu livremente as suas
atividades criminosas.
Por sua vez, por uma feliz e significativa “coincidência”, o principal
objetivo teosófico, a fraternidade universal, foi claramente adotado em 1945
como parte da Carta da Organização das Nações Unidas.
Desde então, a solidariedade humana que transcende fronteiras
político-militares e barreiras sociais ou culturais tem sido um dos principais
objetivos a longo prazo de todo o sistema da ONU. Ou, talvez, o seu objetivo central.
Theodor Herzl e a Teosofia
Theodor Herzl e a Teosofia
A afinidade entre a filosofia esotérica e o
judaísmo está demonstrada nos escritos de Helena P. Blavatsky, que cita
frequentemente fontes judaicas. [27]
Por outro lado, o projeto do movimento sionista
moderno tem pontos básicos em comum com o ideal teosófico da fraternidade
universal. Em seu romance profético de 1902, intitulado “The Old New Land” (“A Nova
Terra Antiga”), Theodor Herzl antecipa a criação do Estado de Israel em 1948.
Para Herzl, não importa a que raça ou religião alguém pertence. Todas as
religiões e filosofias devem ter os mesmos direitos em uma sociedade justa. [28]
A teosofia é interdisciplinar.
É preciso ter uma mente aberta para compreendê-la. Escrevendo desde o ponto de vista
do judaísmo, Jonathan Sacks cita em um dos seus escritos estas palavras do
rabino Abraham Isaac Kook:
“A estreiteza mental que leva alguém a ver tudo o
que esteja fora dos limites do seu próprio povo … como feio e sujo é um
obscurantismo que provoca uma destruição ampla de todo o edifício da bondade
espiritual, cuja luz é a esperança de cada alma mais refinada.” [29]
A primeira metade do século 21 não é o momento
adequado para perder tempo na promoção do respeito mútuo entre os povos, e
entre as diferentes tradições culturais.
As guerras são evitadas com base num debate livre
e sincero. Uma busca franca da verdade é necessária, e cabe manter a devida
distância da ditadura mental das opiniões “politicamente corretas”. As ideias
erradas devem ser mostradas como falsas, se o forem de fato. Não é aceitável
que se proíba pensar, em nome das opiniões dominantes.
A boa vontade e compreensão entre os
países devem ter lugar de acordo com a regra do respeito pela verdade. A lei do constante autoaperfeiçoamento de
todos os seres é inevitável. Uma ação paciente e construtiva, combinada com
medidas firmes quando necessário, é provavelmente a melhor maneira de promover uma
fraternidade incondicional, a longo prazo.
NOTAS:
[1] “The Seventy-Fifth
Anniversary Book of the Theosophical Society, A Short History of the Society
(1926-1950)”, Josephine Ransom, TPH, Adyar, 1950, 252 pp., ver pp.
106-107.
[2] “The
Seventy-Fifth Anniversary Book of the Theosophical Society”, p. 107.
[3] “The Seventy-Fifth
Anniversary Book of the Theosophical Society”, pp. 107-108.
[4] “The
Seventy-Fifth Anniversary Book of the Theosophical Society”, p. 109.
[5] “The Seventy-Fifth
Anniversary Book of the Theosophical Society”, p. 109.
[6] “The Seventy-Fifth
Anniversary Book of the Theosophical Society”, p. 110.
[7] “The Seventy-Fifth
Anniversary Book of the Theosophical Society”, p. 111.
[8] “The Seventy-Fifth
Anniversary Book of the Theosophical Society”, p. 111.
[9] “The Seventy-Fifth
Anniversary Book of the Theosophical Society”, p. 121.
[10] “The Seventy-Fifth
Anniversary Book of the Theosophical Society”, pp. 122-123.
[11] “The Theosophist”,
revista mensal, Adyar, India, vol. 97, No. 03, December 1975, p. 123.
[12]
Veja por exemplo a revista “Theosophy”, edições de dezembro de 1940, p. 96;
junho de 1942, pp. 382-383; agosto
de 1942, pp. 471-473; setembro de 1943, pp. 481-484; janeiro de 1946, pp.
111-115 (sobre bombas atômicas); fevereiro 1946, pp. 150-153 (também sobre
bombas atômicas).
[13] “United Lodge of Theosophists”, Los Angeles, Califórnia,
EUA: carta com data de 25 de junho
de 1941. Veja em nossos websites a compilação “The ULT Day Letters, 1931-1960”.
[14] “United Lodge of Theosophists”, Los Angeles, Califórnia, EUA: carta com data de 21 de junho de 1942. Veja em nossos
websites associados a compilação “The ULT Day Letters, 1931-1960”.
[15] “Blavatsky and Her
Teachers”, Jean Overton Fuller, East-West Publications, London/The
Hague, in association with the TPH/London, copyright 1988, 270 pp.
[16] “Unholy Alliance:
A History of the Involvement of the Nazi with the Occult”, livro de Peter
Levenda, mencionado na revista “Insight”, da Sociedade Teosófica de Adyar na
Inglaterra, Spring 2006 edition, p. 30.
[17] “The
Externalization of the Hierarchy”, Alice A. Bailey, Lucis Publishing Co., New
York, Lucis Press Ltd., London, copyright 1957, fourth printing 1972, 744 pp., ver
p. 368. O livro inteiro adota
um ponto de vista ativista, apoiando fortemente as nações Aliadas e os países
democráticos.
[18] “Krishnamurti, The
Years of Fulfilment”, Mary Lutyens, New York, Farrar Straus Giroux, copyright
1983, 248 pp., ver p. 56. Para
obter mais informações sobre Krishnamurti e a Segunda Guerra Mundial, ver pp.
49, 50, 51, 53, 54, 56, 57, 61.
[19]
Ver também, na Carta das Nações Unidas, o Capítulo IX, artigo 55,
itens (b) e (c). A Carta é divulgada amplamente
pela ONU. Seu texto igualmente está na “Encyclopaedia Britannica”, William
Benton, Editor, 1967, volume 22, p. 570.
[20]
Penguin Books, London, 1999. Na edição brasileira, ver “O Papa de Hitler,
a História Secreta de Pio XII”, Ed. Imago, RJ, Brasil, 2000, 472 pp.
[21]
“O Papa de Hitler”, obra citada, Capítulo 12.
[22] “A History of
Christianity”, Paul Johnson, Penguin Books, England, 1976, 556 pp., ver p.
489.
[23] “A History of
Christianity”, Paul Johnson, Penguin Books, ver p. 489.
[24]
“Cartas dos Mahatmas”, Editora Teosófica, Brasília, Carta 74, volume um, pp. 339
a 354.
[25] “Cartas dos Mahatmas”, ver p. 344, volume I.
[26] “The Jesuits and
the Third Reich”, Vincent Lapomarda, The Ewin Mellen Press, Lewiston- Queenston-Lampeter,
Wales, United Kingdom, 2005, 458 pp., ver pp. 42-43.
[27] Veja os artigos “Blavatsky, Judaísmo e Nazismo” e “A Jewish Esoteric School”.
[27] Veja os artigos “Blavatsky, Judaísmo e Nazismo” e
[28] “Old New Land”,
Theodor Herzl, Markus Wiener Publishers, Princeton, third printing, 2000, 296
pp., ver pp. 66-67. Traduzido do alemão por Lotta Levensohn. Título original em alemão, “Altneuland”.
[29] Abraham
Isaac Kook, “Musar Avikha”, p. 96; English translation in Benjamin Ish Shalom
and Shalom Rosenberg (eds.), “The World of Rav Kook’s Thought” (Jerusalem: Avi
Chai, 1991), p. 212. Citado no livro “To Heal a Fractured World” (The Ethics of
Responsibility), de Rabbi Jonathan Sacks, Schocken Books, a division of Random
House, Inc., New York, 2005, 280 pp., p. 10.
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O texto acima é
uma tradução. O seu título original em inglês é “Theosophy and the Second
World War”. A tradução foi feita em maio de 2010. Em julho de 2019 o artigo foi ampliado e
publicado no blog teosófico em The Times of Israel.
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