18 de novembro de 2019

Um Caso de Obsessão

Como Enfrentar e Vencer
os Riscos da Poluição Mental  

Helena P. Blavatsky





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Nota Editorial de 2019:

O assunto do texto que traduzo a seguir
se relaciona com o que a psiquiatria e a
psicanálise chamam de histeria e desordem
bipolar. Há outros artigos em que Blavatsky   
aborda obstáculos psicológicos do eu inferior.

“Um Caso de Obsessão” foi publicado pela
primeira vez na Índia nas páginas 207-208 da
edição de maio de 1880 de  The Theosophist”, 
quando a publicação era editada por Blavatsky.
O texto em inglês também está disponível como
artigo independente  nos websites associados.

Para tornar mais fácil uma leitura contemplativa,
os parágrafos longos foram divididos em parágrafos
menores. Acrescento algumas notas de rodapé.

(Carlos Cardoso Aveline)

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Os detalhes do caso de obsessão mencionado na edição de abril [de 1880] desta revista são indicados na carta a seguir, de um respeitável médico inglês que está tratando da vítima:

Tomo a liberdade de dirigir-me a você por razões humanitárias, com a intenção de estimular a sua simpatia e obter toda a ajuda que puder prestar, no caso de um ‘espírito’. Você verá que o cavalheiro está sendo usado como médium contra a sua vontade, desde que assistiu a algumas sessões para observar ‘fenômenos espíritas’.”

“Desde que ele começou a estar mais ou menos sujeito a uma série de perseguições por parte do ‘espírito’, e apesar de todos os esforços feitos para afastar-se desta influência, ele tem sido obrigado a sofrer de muitas maneiras, passando por muita vergonha e sofrimento, nas circunstâncias mais difíceis e desafiadoras, especialmente pelo fato de seus pensamentos serem forçados por canais proibidos, sem que haja causas externas para isso - com suas funções corporais sendo anuladas, e sendo levado até mesmo a morder gravemente sua língua e suas bochechas ao comer, etc., e sendo submetido a toda espécie de pequenas perturbações que servem como meios para o ‘espírito’ (desconhecido) manter e estabelecer a conexão. Os detalhes, nos seus aspectos mais dolorosos, são algo que não posso descrever a você; mas se houver quaisquer meios pelos quais esta influência possa ser afastada e for necessário ser mais específico na minha descrição deste caso, mandarei a você todas as informações que tenho.”

É tão pouco conhecida na Índia a fase mais recente e mais estranha dos fenômenos mediúnicos do ocidente - a “materialização” - que são necessárias algumas palavras de explicação para que este caso seja compreendido. Em poucas palavras, há vários anos, na presença de alguns médiuns na Europa e na América do Norte, tem havido, com frequência em condições favoráveis para que sejam feitos testes isentos, aparições de pessoas mortas, que em todos os casos parecem seres humanos vivos. Tais pessoas caminham para lá e para cá, escrevem mensagens a amigos presentes e ausentes, falam de modo audível em linguagens que eram familiares para eles durante a vida, embora o médium possa desconhecê-los, e aparecem vestidos do modo como vestiam quando estavam vivos. 

Foram detectados muitos casos de imitação fraudulenta dos mortos. Falsos médiuns continuaram enganando os crédulos durante anos, em alguns casos, e médiuns reais, cujos poderes psíquicos tinham sido aparentemente comprovados eliminando-se toda dúvida, foram surpreendidos fazendo truques em algum momento infeliz, quando cederam ao desejo de dinheiro, ou à busca de notoriedade. Ainda assim, levando em conta todos estes casos, há um resíduo de casos verdadeiros de materialização, ou de aparição visível, tangível, e audível de imagens de pessoas mortas.

Estes fenômenos extraordinários têm sido encarados de várias maneiras pelos pesquisadores. A maior parte dos espíritas os têm visto como provas extremamente valiosas da sobrevivência da alma após a morte; enquanto os teosofistas, que conhecem as práticas dos antigos teurgistas, assim como os seguidores da filosofia indiana, ainda mais antiga, consideram estes fenômenos na melhor das hipóteses como enganadoras ilusões dos sentidos, cheias de perigos físicos e morais tanto para o médium como para o espectador - se o espectador for por acaso suscetível a certas influências psíquicas.

Estes estudantes de Ocultismo notaram que os médiuns das materializações com frequência têm a sua saúde arruinada pela drenagem dos seus sistemas vitais, e são destruídos no plano moral. Eles alertaram repetidamente o público espírita, afirmando que a mediunidade é um dom extremamente perigoso e uma prática que só pode ser tolerada com grandes precauções. E por isso sofreram muitos abusos e escassos agradecimentos. Ainda assim, o dever moral de cada um deve ser cumprido em quaisquer circunstâncias, e o caso que agora examinamos traz uma oportunidade valiosa para mais um conselho amigo.

Não é necessário discutir se as chamadas formas materializadas, descritas acima, são ou não as formas dos mortos a quem se assemelham. A questão pode ser deixada de lado até que os fatos básicos da ciência psíquica oriental sejam melhor conhecidos. Tampouco vale a pena discutir sobre se alguma vez aconteceu uma materialização autêntica. As experiências feitas em Londres pelo sr. William Crookes, F.R.S. [1] e na América do Norte pelo coronel Olcott, nos dois casos muito conhecidas e de uma natureza extremamente autêntica, nos dão uma base suficiente de fatos a partir da qual podemos argumentar. Consideramos que são reais as materializações, e tomaremos o exemplo citado pelo médico inglês como assunto para um diagnóstico.

A descrição afirma que o paciente tem sido “tomado” desde que fez parte de “círculos” em que houve materializações, e tem sido dominado por algumas forças malignas que o forçam a dizer e fazer coisas dolorosas e mesmo desagradáveis, apesar da sua resistência. Por que ocorre isso? Como pode um homem ser levado a agir contra a sua vontade? O que é a Obsessão?

Estas são três perguntas breves, mas é extremamente difícil explicá-las para um público não-iniciado.

As leis da Obsessão só podem ser bem compreendidas por quem já sondou as profundezas da filosofia indiana. A única pista para o segredo que o ocidente tem a seu alcance está na ciência - claramente benéfica - do magnetismo ou mesmerismo. Esta ciência afirma que existe um fluido vital dentro do ser humano e em torno dele; aborda o fato das diferentes polaridades humanas e a possibilidade de uma pessoa projetar este fluido ou força por vontade própria, para, e sobre, outra pessoa polarizada de modo diferente. A teoria do barão de Reichenbach sobre a força odílica ou ódica mostra a existência do mesmo fluido no reino mineral e no reino vegetal, assim como no reino animal.

Completando a série de evidências, a descoberta por Buchanan da função psicométrica no ser humano nos possibilita provar, com a ajuda da psicometria, que uma influência sutil é exercida pelas pessoas sobre as casas e mesmo sobre as localidades em que vivem, sobre o papel em que escrevem, as roupas que usam, a porção do Éter Universal (o Akasha indiano) em que existem, e esta é uma influência permanente, perceptível até mesmo nas épocas mais distantes, quando os indivíduos já a viviam e exerciam. [2] Em uma palavra, podemos afirmar que as descobertas da ciência ocidental corroboram de modo completo as sugestões lançadas pelos sábios gregos e as teorias mais definidas de certos filósofos indianos.

Tanto os indianos como os budistas acreditam que o pensamento e as ações são igualmente materiais, que sobrevivem, que os desejos bons e maus de um ser humano o rodeiam em um mundo produzido por ele próprio, que estes desejos e pensamentos assumem formas que se tornam reais para ele após a morte, e que Moksha, num caso, e Nirvana, no outro, não podem ser obtidos até que a alma desencarnada passe através deste mundo-assombrado de pensamentos fantasmagóricos e esteja livre deste último vestígio da prisão terrestre.  

O progresso das descobertas ocidentais nesta direção tem sido e deve ser sempre gradual. Desde os fenômenos da matéria grosseira até os da matéria mais sublimada, e avançando pelos mistérios do espírito, o caminho difícil é necessário de acordo com os preceitos de Aristóteles. A ciência ocidental descobriu primeiro que o ar que expulsamos dos pulmões está carregado de gás carbônico e, quando em excesso, é fatal para a vida humana; depois, percebeu que algumas doenças perigosas eram transmitidas de pessoa a pessoa nos espórulos lançados ao ar pelo corpo doente; mais tarde, descobriu que o homem projeta sobre todos e tudo que ele encontra uma aura magnética que lhe é peculiar; e finalmente, é postulada atualmente a perturbação física causada no Éter pelo processo de produção e emissão do pensamento. Outro passo adiante será perceber o poder criativo mágico da mente humana, e o fato de que a doença moral é tão transmissível quanto a doença física.

A “influência” das más companhias será então vista como algo que implica um magnetismo pessoal degradante, mais sutil que as impressões transmitidas ao olho ou ao ouvido pela visão e pelos sons de uma companhia imoral. Estas últimas podem ser repelidas evitando resolutamente ver ou ouvir o que é mau; mas o magnetismo degradante mais sutil envolve o indivíduo sensitivo e permeia o seu próprio ser, bastando para isso que ele pare onde o veneno moral está flutuando no ar. As obras “Animal Magnetism”, de Gregory, “Researches”, de Reichenbach, e “The Soul of Things”, deixarão isso claro em grande parte para o pesquisador ocidental, embora nenhum destes autores estabeleça a conexão entre o seu campo favorito de conhecimento e a fonte original, a Psicologia Indiana.

Mantendo diante de nós o caso presente, vemos um homem altamente suscetível a impressões magnéticas, que nada sabe sobre o processo das “materializações” e, portanto, incapaz de proteger a si mesmo contra más influências, colocado em contato com círculos promíscuos onde o médium impressionável tem sido o núcleo involuntário de maus magnetismos, tendo o seu sistema vital saturado com as emanações vivas dos pensamentos e desejos daqueles que estão vivos e daqueles que estão mortos.

O leitor é convidado a ler um texto interessante do juiz Gadgil, de Baroda (veja o nosso número de dezembro) [3] intitulado “Ideias Hindus sobre Comunhão com os Mortos” (“Hindu Ideas about Communion with the Dead”), onde encontrará uma exposição sobre este tema das almas presas à terra, ou Pisachas. “Considera-se”, diz aquele autor, “que nesta situação, estando a alma privada dos meios de obter prazeres [sensuais] através do seu próprio corpo, fica sendo perpetuamente atormentada pela fome, pelo apetite e outros desejos corporais [4], e só pode obter prazer vicariamente, ingressando no corpo físico vivo de outros, ou absorvendo as essências mais sutis de ofertas e oferendas feitas para eles próprios.”

Que surpresa pode haver, para nós, no fato de que um homem negativamente polarizado, um homem de temperamento suscetível, se for subitamente colocado na corrente de más emanações de alguma pessoa viciosa - talvez ainda viva ou quem sabe já morta -, absorve o veneno insidioso tão rapidamente quanto a cal absorve umidade, até ficar saturado com o veneno? Do mesmo modo um corpo suscetível absorverá o vírus da varíola ou da cólera, ou do tifo; e basta que lembremos disso para compreendermos a analogia estabelecida pela Ciência Oculta.

Perto da superfície da Terra paira sobre nós - para usar uma imagem simbólica conveniente - uma neblina moral vaporosa, composta pelas exalações dos vícios e das paixões dos seres humanos. Esta névoa invade o sensitivo até o centro da sua alma. O ser psíquico do sensitivo a absorve da mesma maneira que uma esponja acolhe água ou leite. A neblina anula o sentido moral do sensitivo, estimula e coloca em atividade os seus instintos mais inferiores, derrotando as suas decisões bem-intencionadas. Assim como os vapores de um depósito de vinhos fazem o cérebro girar, e do mesmo modo como a atmosfera em uma mina subterrânea dificulta a respiração, assim também esta nuvem pesada de influências imorais leva o sensitivo para longe dos limites do autocontrole, e ele se torna “obcecado”, como o paciente inglês. 

Que remédio pode ser sugerido? O próprio diagnóstico deixa a questão clara. O sensitivo deve ter a sua sensitividade destruída; a polaridade negativa deve ser mudada para a polaridade positiva; ele deve se tornar ativo ao invés de passivo. Ele pode ser ajudado por um magnetizador que conheça a natureza da obsessão, e que seja moralmente puro e fisicamente saudável; este deve ser um magnetizador dotado de poder, um homem com uma força de vontade dominante. Mas a luta pela liberdade, afinal de contas, terá que ser travada pelo próprio paciente. A sua força de vontade terá de ser despertada. Ele deve expulsar o veneno do seu sistema vital. Centímetro por centímetro, é preciso recuperar o terreno perdido. Ele tem de compreender que esta é uma questão de vida ou morte, de salvação ou ruína, e deve lutar pela vitória como alguém que faz um último esforço, heroicamente, para salvar sua própria vida.

Sua dieta deve ser o mais simples possível. Não deve comer alimentos de origem animal, nem tocar qualquer estimulante, nem colocar-se em qualquer situação em que haja a menor chance de que sejam provocados pensamentos impuros. Deve evitar ficar sozinho, tanto quanto possível, mas seus companheiros devem ser cuidadosamente escolhidos. Deve fazer exercício e ficar muito tempo ao ar livre; e usar lenha, ao invés de carvão. Qualquer indício de que a má influência ainda está agindo dentro dele deve ser vista como um desafio para que controle os seus pensamentos e os leve a girar em torno de coisas puras, elevadas, espirituais, em qualquer momento de perigo e com a determinação de passar por qualquer sofrimento, mas não ceder.

Se este homem puder adotar este estado de espírito, e o seu médico puder obter a ajuda benéfica de um magnetizador forte, saudável, de caráter puro, ele pode ser salvo. Um caso quase exatamente igual a este, com a única diferença de que se tratava de uma dama, chamou nossa atenção nos Estados Unidos; o mesmo conselho foi dado e colocado em prática, e o “demônio” da obsessão foi expulso e tem ficado longe desde então.

NOTAS:

[1] F.R.S. - membro da Royal Society, de Londres. (CCA)

[2] O livro “Manual of Psychometry”, de Joseph R. Buchanan, está disponível nos websites associados. (CCA)

[3] Veja a edição de dezembro de 1879 de “The Theosophist, 1879-1880”, pp. 68-69. (CCA)

[4] O “fogo do inferno”. (CCA)

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O artigo acima foi publicado nos websites associados dia 18 de novembro de 2019.


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